O que é que se faz quando se percebe que as crianças passam menos tempo ao ar livre do que aquele que é obrigatório para os reclusos de uma prisão? Adere-se à iniciativa mundial do Dia de Aulas ao Ar Livre. Pelo terceiro ano consecutivo, o dia celebra-se em Portugal — já na quinta-feira — e a adesão de alunos está a bater recordes. Se o ano passado, foram quase 40 mil estudantes a passar o dia de aulas na natureza, este ano os números estão perto dos 60 mil participantes, muito além das expectativas da organização.

“Estamos a bater recordes! Tínhamos como objetivo chegar a 41 mil crianças e já contamos com mais de 57 mil inscritas. E, em relação a outros países, é interessante ver que temos os nossos vizinhos espanhóis a pedirem-nos para partilhar com eles ideias e a nossa estratégia para atingir tantas crianças”, explica ao Observador, Mónica Franco, vice-presidente e fundadora da Associação Movimento Bloom, dinamizadora do projeto em Portugal.

O Dia de Aulas ao Ar Livre já existe desde 2012, mas só chegou a Portugal em 2017. A sua história começa com Anna Portch, uma ambientalista britânica, que criou o Dia de Esvaziar a Sala de Aula, o embrião da iniciativa mundial que se celebra a 17 de maio. Nessa altura, a adesão não era muita, mas isso não impediu um pequeno número de estabelecimentos de ensino londrinos de pegar nos seus alunos e dar-lhes a primeira aula ao ar livre. A partir daí, a iniciativa foi sempre em crescendo e, o ano passado, 2,3 milhões de crianças tinham o seu dia de aulas na natureza.  

Por cá, a organização fundadora da campanha internacional procurava uma organização não governamental (ONG) local para ser parceira e foi assim, conta Mónica Franco, que a sua associação ambientalista se tornou a cara do projeto em Portugal.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“O Movimento Bloom tem desenvolvido, ao longo dos anos, uma série de iniciativas que envolvem, quer os pais quer as escolas, na missão de religar as crianças à Natureza. Por isso, faz todo o sentido liderarmos em Portugal esta campanha. Soubemos através da ImpactHub Lisbon que a Project Dirt procurava uma ONG local em Portugal para liderar a campanha e o Movimento Bloom concorreu. Temos connosco um grande parceiro: a Associação Nacional de Professores que tem trabalhado imenso para aumentar este movimento”, explica Mónica Franco

A meta deste ano foi alcançada e Mónica Franco deseja que a campanha se estenda a todas as escolas do país e que se repita todos os anos. Para já, acima de tudo, está feliz com a enorme adesão das escolas o que, na sua opinião, demonstra que na comunidade educativa — famílias e professores —  cada vez mais pessoas entendem os benefícios que o brincar ao ar livre tem no desenvolvimento saudável das crianças. 

“Sabemos que as crianças que têm tempo suficiente para brincar no recreio gostam de estar na escola. Também sabemos que o tempo passado ao ar livre, fora das quatro paredes da sala de aula ajuda as crianças a concentrarem-se, ajuda-as a fomentar a sua criatividade e imaginação, para além de ser mais divertido. Brincar ajuda as crianças a construírem amizades, a testarem os seus limites, a resolverem os seus próprios problemas. E, consequentemente, isso melhora o seu comportamento. Escolas onde o recreio é uma parte importante do dia têm melhores taxas de assiduidade, de atividade física e as crianças são mais felizes. Isso é bom para a escola e ainda melhor para a criança. Esta campanha é um desafio grande pois estamos a entrar em plena época de exames, mas sabemos os benefícios que brincar ao ar livre têm nas crianças e por isso o desafio às escolas nesta data é ainda mais importante”, defende a fundadora do Movimento Bloom.

Não se pense que a ideia deste dia ao ar livre é apenas sair da escola e dar uma volta no jardim ou parque mais próximo. O desafio lançado aos professores é mais ambicioso do que isso: é-lhes pedido que se comprometam a dar pelo menos uma das suas aulas ao ar livre. Para facilitar a tarefa às escolas, o Movimento Bloom dá-lhes uma ajuda.

“Fornecemos às escolas diversos materiais para que se inspirem caso desejem fazer mais do que uma aula ao ar livre. Esses materiais incluem ideias e atividades que se podem fazer no espaço de recreio da escola. Mas as escolas decidem de que forma organizam o seu dia. Temos recebido ideias muito interessantes que vão desde transferir todas as áreas da sala para o exterior, aumentar o tempo de recreio, fazer um passeio num jardim público e aproveitar para fazer reconhecimento e catalogação de plantas no âmbito da disciplina Estudo do Meio. E há escolas que vão aproveitar o dia todo para simplesmente proporcionar atividades lúdicas como jogos tradicionais. Enfim, são milhares de ideias que nos chegam todos os dias”, conta Mónica Franco que ressalva que as crianças que têm liberdade para brincar ao ar livre diariamente estão mais bem preparadas para a celebração deste dia.

Mónica Franco relembra o último estudo conduzido pelo Projeto Dirt a propósito da celebração desta data: “97% dos professores entrevistados acreditam que o recreio ao ar livre na escola é fundamental para que as crianças alcancem todo o seu potencial. No entanto, 41% relatam que as pressões curriculares os impedem de permitir que as crianças tenham mais tempo livre ou aulas ao ar livre. No mesmo estudo, no entanto, dois terços (67%) dos professores de todo o mundo relatam que o comportamento melhora após as crianças brincarem ao ar livre, e 80% relatam maior envolvimento nas aulas.”

E chega ter um dia em 365 dedicado ao ensino ao ar livre? O objetivo, explica a fundadora do Movimento Bloom, era que ele se repetisse mais do que uma vez por ano. “Somos 110 países a dinamizar a iniciativa e globalmente contamos com mais de um milhão e meio de crianças. O nosso objetivo comum é garantir que todas as crianças em qualquer país do mundo tenham pelo menos 90 minutos diários de brincadeira não estruturada ao ar livre“, sublinha.

Os 90 minutos é o tempo mínimo que se espera que um recluso possa passar ao ar livre. Recentemente, duas marcas de detergente da Unilever — parceira do Dia de Aulas ao Ar Livre — patrocinaram um estudo, levado a cabo em 12 países, onde mais de 12 mil famílias foram inquiridas. As conclusões eram de que a maioria das crianças passa apenas meia hora por dia na rua. O estudo deu depois origem a uma campanha publicitária onde se gravavam as reacções de presos norte-americanos ao serem confrontados com estes resultados.

As iniciativas das escolas

No Agrupamento de Escolas de Vilela, os professores vão dar uma aula junto das ribeiras que ficam nas proximidades da escola. O dia será também aproveitado para usar uma aplicação de telemóvel que permite identificar espécies ribeirinhas.

Já no Agrupamento de escolas de São Bruno – Caxias os alunos irão escrever poesia, ler ao ar livre e descrever a natureza que existe à volta da escola, com o objetivo de mostrar também a importância da leitura.

No Agrupamento de Escolas de Almancil – Escola Dr. António de Sousa Agostinho (Almancil) o dia vai ser dedicado ao “Pulo inteligente”, um jogo durante o qual os alunos terão de responder a perguntas sobre a matéria dada. Cada resposta certa dá direito a um pulo.

Um piquenique irá ser a forma da Associação Bem Me Quer – Solidariedade em Delães acabar o dia ao ar livre, depois de desafiar os seus alunos a realizar ateliers de pintura, uma aula de expressão motora, e uma hora do conto. Tudo ao ar livre, claro.

Observar e catalogar plantas, atividade no âmbito da disciplina de Estudo do Meio, é o desafio que a Escola Básica N.º 3 da Cova da Piedade vai apresentar aos seus alunos, durante uma visita ao Parque da Paz.

Já na Escola Básica de Moimenta da Beira, para além de se observar a flora, observa-se também a fauna com registo em desenho, foto e filme. Os estudantes irão ainda ter oportunidade de brincar com jogos tradicionais: salto ao eixo, salto à corda, jogo do mata, corrida de sacos, jogo das escondidas e caça ao tesouro.