Dia 18 de maio de 2008. No Estádio Nacional, às cinco da tarde, Olegário Benquerença apita para o início da final da Taça de Portugal entre FC Porto e Sporting. No Afeganistão, no meio do deserto, um grupo de homens do Exército português sintoniza um pequeno rádio para ouvir o relato da Antena 1. Os 90 minutos terminam sem golos mas Rodrigo Tiuí bisa no prolongamento e garante ao Sporting a 15.ª Taça de Portugal da sua história. Em Kandahar, dezenas de militares ensinam a afegãos o que é o futebol português.

Entre eles estava Frederico Varandas, até esta quinta-feira diretor clínico do Sporting e agora provável candidato à presidência do clube. Naquele ano de 2008, com a patente de tenente, era ele o médico oficial da missão do Exército português no Afeganistão. Contou aos pais que ia estar fixo num hospital em Cabul, na retaguarda, e que não iria para a frente de combate. Mas sabia que era isso que o esperava: fazia patrulhas diárias, entre afegãos e talibãs, e chegou a sofrer uma emboscada que provocou vários feridos.

A carreira militar começou em 1998, quando ingressou no curso de Medicina na Academia Militar. Em 2005, concluiu a licenciatura em Medicina na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa e a Formação Complementar em Saúde Militar pela Academia Militar. Depois da missão no Afeganistão, foi condecorado com a Medalha D. Afonso Henriques e hoje, com 38 anos, é capitão do Exército português.

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“Pela primeira vez, afegãos e talibãs ouviram o rugido do leão”, contou em junho de 2016 ao Jornal Sporting a propósito daquela vitória que ouviu pela rádio em Kandahar. Essa foi a única final da Taça de Portugal do Sporting que não viu no Jamor. E foi exatamente esse o argumento que utilizou no passado fim de semana, quando ainda se colocava a hipótese do Sporting não comparecer no Estádio Nacional. No Instagram, escreveu: “Faltar a uma final no Jamor? Só se estiver no Afeganistão!”.

[Veja no vídeo quem é Frederico Varandas, provável candidato à presidência do Sporting]

A ligação quase umbilical ao Sporting começou assim que nasceu. Ao três anos, já praticava Ginástica no clube e o avô levava-o aos treinos das mais variadas modalidades desde muito pequeno. O irmão, João Pedro Varandas, foi vogal do Conselho Diretivo do clube durante a presidência de Godinho Lopes e é advogado no escritório de Rogério Alves. Fez parte da Juventude Leonina e já disse várias vezes que “muitas pessoas não entendem” a relação que tem com o clube. “É como se fizesse parte de mim. Como tenho os meus pais, a minha namorada, os meus amigos, tenho o Sporting. Não existe a minha vida sem o Sporting”, confessou nessa entrevista ao jornal do clube.

Terminou a pós-graduação em Medicina Desportiva em 2007 e em 2016 obteve o grau de especialista na área pela Ordem dos Médicos. A carreira no futebol começou em 2007, quando integrou a equipa médica do Vitória de Setúbal; dois anos depois já era diretor clínico dos sadinos, cargo que manteve até ao verão de 2011, altura em que recebeu o convite para se sentar na sua cadeira de sonho.

Começou como médico dos juniores do futebol do Sporting mas no espaço de um mês rendeu José Gomes Pereira na liderança do departamento clínico do clube. Em 2015, Leonardo Jardim tentou levá-lo para o Mónaco. Recusou e ficou onde sempre quis estar. Foi a cara, o corpo e a alma da equipa médica de Alvalade até esta quinta-feira. Além de se assumir como “aquele que previne, não o que cura”, aproveitou a influência no Sporting para fundar as Jornadas Internacionais de Medicina Desportiva do clube, evento que conta já com quatro edições e leva dezenas de médicos, palestrantes e especialistas ao Auditório Artur Agostinho para discutir a medicina no desporto.

Chegou durante a era Godinho Lopes e continuou durante o legado de Bruno de Carvalho. Apoiou o presidente do Sporting até esta quinta-feira, até acontecerem “sucessivos episódios desviantes” do património comum que atribui ao clube, como destaca no comunicado em que se anuncia disponível para se candidatar à liderança. Agora, depois do apoio inicial, sublinha a faceta “autocrática e sectária” de Bruno de Carvalho e deixa bem claro que a demissão que apresenta não é “um afastamento da vida do Sporting Clube de Portugal”.

No banco do Sporting, assume uma postura que extravasa tudo aquilo que se esperava de um diretor clínico. Salta, grita, levanta-se e não consegue esconder que, além de médico, é adepto. Já foi expulso por reações mais explosivas mas também é ele que não tem amarras quando é necessário acalmar um jogador, como se viu tantas vezes com Marcos Rojo e mais recentemente com Acuña.

A relação que mantém com os jogadores ultrapassa em larga escala o simples sigilo médico-paciente. Na semana passada, entre toda a convulsão interna que se vivia em Alvalade, disponibilizou a ComCorpus Clinic – a clínica que tem em Lisboa – e treinou particularmente com João Palhinha, Bruno Fernandes e Daniel Podence. No domingo, depois da derrota com o Desp. Aves no Jamor, foi ele que andou pelo relvado a consolar e um outro, a limpar lágrimas, a abraçar Rui Patrício. Foi ali, naquele cenário de total desilusão, que decidiu que seria candidato à presidência do Sporting em caso de eleições.

Anunciou a decisão no Instagram: Bruno Fernandes e Piccini aplaudiram, João Pereira, Tobias Figueiredo e João Mário, todos ex-jogadores leoninos, apoiaram. Garante que é a pessoa certa para reverter uma situação de rescisões por justa causa. “Para mim não existe o dia de folga em que desligo do Sporting. Quando perco, fico em casa fechado, não falo com ninguém. Nunca consigo desligar a ficha. Essa parte irracional em relação ao Sporting, que é a única na minha vida, mantenho-a. Mas sempre fora da área profissional”, contava em 2016.