O Conselho Diretivo do Sporting enviou este sábado para todos os associados do clube (deverá depois entrar também nas plataformas de comunicação, como tinha sido referido na véspera) a “ata” da reunião onde ficou decidido que os leões teria uma Assembleia Geral Extraordinária no dia 23 de junho, sábado, para destituição do presidente Bruno de Carvalho e dos restantes membros da Direção ainda em funções depois das várias demissões.

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“A bem da transparência e da verdade dos factos, e porque estamos a viver tempos de exceção, vimos por este meio facultar a ata da reunião, realizada na passada quinta-feira, dia 24 de maio, no Estádio José Alvalade, entre os órgãos sociais. Cremos ser esta a única forma de pôr cobro a um conjunto de especulações e mentiras inaceitáveis, postas a circular no espaço público, que penalizam e prejudicam os superiores interesses do Sporting Clube de Portugal”, revela o email enviado aos associados verde e brancos esta manhã.

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De referir que, logo em resposta, o jornal Record avançou que a Mesa da Assembleia Geral irá apresentar uma queixa na Procuradoria Geral da República (PGR), no seguimento da divulgação pública do documento. Do documento e não ata porque, numa ideia partilhada também pelo Conselho Fiscal e Disciplinar, não se poderá considerar ata o resumo de uma reunião que não esteja assinado por todos os presentes (alguns que, de novo, voltam a falar em omissões e factos truncados). A própria missiva fala apenas, no final da mesma, em “proposta de ata”.

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No documento de 11 páginas a que o Observador teve acesso (ou dez, porque a última folha do mesmo está em branco, provavelmente o espaço para as assinaturas dos presentes), começam por ser divulgados os presentes no encontro que teve início às 19h15 e dois momentos iniciais que marcariam a reunião: sete elementos manifestaram-se contra a intenção de gravar o encontro para desenvolver depois a ata da mesma (intenção que foi assim “vetada”); e, depois, foi lida uma ata relativa à reunião de dia 21, segunda-feira, com os mesmos protagonistas, tendo Bruno de Carvalho pedido para que fosse ainda acrescenta a referência ao comunicado da ASPP/PSP, Associação Sócio-Profissional dos Profissionais de Polícia, que concluía que “a SAD não tem responsabilidade nos acontecimentos sucedidos na Academia”. Foi aqui que houve o primeiro foco de discórdia entre os órgãos sociais.

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Jaime Marta Soares, líder da Mesa da Assembleia Geral, considerou a referida ata “sectária”, dizendo que não tinha considerações feitas pelos presentes e excluía também as suas intervenções “que procuraram ser conciliadoras e que refletiam as preocupações da Mesa e do Conselho Fiscal sobre a situação do clube”. Também Nuno Silvério Marques, presidente do Conselho Fiscal e Disciplinar, disse que não se revia na ata por não incluir a intervenção que fez e que “o CFD não tinha qualquer questão específica sobre a atuação do Conselho Diretivo”. Houve ainda intervenções de outros membros da Mesa e do Conselho Fiscal, com o ponto comum de criticarem as alegadas omissões da mesma. Num exemplo prático disso mesmo, Eduardo Proença de Carvalho, vice da Mesa, recordou o momento em que Carlos Vieira, vice da Direção, apontou o dedo a Marta Soares por quase nunca ir às modalidades.

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De seguida, e ainda a esse propósito, Bruno de Carvalho referiu que a ideia de gravar o encontro seria exatamente para não haver dúvidas sobre o teor da ata, pedindo também que escrevessem em texto o que consideravam estar mal ou em falta em relação ao resumo do encontro de segunda-feira. “Vimos hoje para trabalhar, com base num acordo de cavalheiros; o senhor quer passar a sua ata, que é a ata do presidente Bruno de Carvalho, mas não é a ata da reunião havida”, atirou Marta Soares, antes de nova escalpelização do líder sobre o que estava em causa.

Reforçando que os membros do Conselho Diretivo não estão apegados aos lugares, Bruno de Carvalho elencou depois “uma série de compromissos e objetivos que, depois de garantidos, assegurarão um futuro ainda mais sólido quer para o clube, quer para a SAD” que poderiam ser perturbados com a atual instabilidade política:

  • O lançamento do Empréstimo Obrigacionista, “sem o qual o clube e a SAD deixarão de ter capacidade para fazer face a compromissos imediatos”;
  • A conclusão do contrato jurídico que permite implementar a melhoria substancial da reestruturação financeira que foi negociada e que permitirá ao clube “passar a ser, em definitivo, dono do seu destino sem qualquer interferência externa”;
  • A preparação da próxima época desportiva, “uma vez que passa a ser praticamente impossível concretizar transações de jogadores a um valor justo”;
  • O prejuízo da negociação de mais patrocínios.

Em paralelo, o presidente do Conselho Diretivo verde e branco considerou ainda que o órgão não iria apresentar a demissão por “manifesto e evidente sentido de responsabilidade”, acrescentando que não haveria nada que pudesse justificar o “estado de alarmismo e aparente rutura” e que a não concretização dos objetivos teria depois de ser apontada a quem entendeu que a melhor solução passaria por eleições ou por uma AG demissionária. Por fim, Bruno de Carvalho pediu também para que lhe fossem detalhadas as razões para esse pedido de demissão. “Faço a mesma proposta já feita na última reunião: a MAG e o CFD dizem quantos duas necessitam, 15, 20, 25 dias, sejam os que forem, e nós garantimos o acesso a tudo o que diga respeito ao clube e à SAD, incluindo acesso a toda a documentação e contacto pessoal com jogadores e restantes colaboradores”, salientou.

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No seguimento, e já depois de ter acusado Marta Soares de mentir quando disse no dia do ataque aos jogadores na Academia que os mesmos lhe tinham virado as costas e que tinha trocado parcas palavras com Jorge Jesus, bem como de anunciar que irá intentar ações judiciais contra a Mesa da Assembleia Geral e o Conselho Fiscal e Disciplinar, o número leonino deixou ainda vários exemplos para “reforçar” a sua posição:

1) Que existe um relatório da PGDL que diz que o Sporting não teve responsabilidade no que aconteceu, a que se junta um outro da ASPP que confirmava que a SAD não tinha qualquer envolvimento no que se tinha passado;

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2) Que a questão da possível rescisão dos jogadores era apenas uma chantagem dos empresários;

3) Que os jogadores das modalidades têm deixado várias mensagens de apoio à Direção sem serem coagidos a tal;

4) Que os jantares do Grupo Stromp costumam contar com 20 a 25 pessoas e que 12 não concordaram com o teor do comunicado emitido, estando mesmo a pensar com a resignação ao lugar;

5) Que em fevereiro teve uma Assembleia Geral que, com 25% mais um voto, poderia levar à destituição do Conselho Diretivo mas que passou na mesma com um total de 90% de votos favoráveis;

6) Que houve uma “exploração criminosa” das palavras à Sporting TV no dia da invasão à Academia, “quando estava destroçado e cansado e posso ter utilizado palavras que foram descontextualizadas como ‘chato’ quando, por comparação, o Cristiano Ronaldo diz que foi uma situação ‘aborrecida’ e ninguém diz nada”;

7) Que a comparação com o acidente da ponte de Entre-os-Rios não faz sentido porque “nesse caso havia relatórios que alertavam para a possibilidade e para o perigo do acidente e, por isso, justificava-se a demissão do ministro, que foi o que houve”, sem que o primeiro-ministro tenha seguido pela mesma via.

Diogo Orvalho, suplente da Mesa da Assembleia Geral visado por Bruno de Carvalho no início dessa intervenção, fez questão de responder, dizendo que, ao contrário do que o antigo líder defendia, tinha feito apenas duas publicações no Facebook sobre o Sporting em cinco anos, argumentou que tinha sido dos seus maiores defensores entre os órgãos sociais e lamentou as mensagens que o presidente leonino lhe enviou, incluindo o tom “manifestamente intimidatório” com que se dirigiu aos membros dos órgãos sociais demissionários. Já Eduarda Proença de Carvalho fez questão de deixar claro que já se tinha demitido antes da queda em bloco da Mesa.

Percebe-se pela ata que os ânimos ficaram um pouco mais quentes nesta fase, sobretudo quando Jaime Marta Soares voltou a destacar que aquela reunião não tinha como objetivo conduzir os trabalhos “como se fosse um tribunal” e Bruno de Carvalho, que recusara ter enviado qualquer mensagem de carácter intimidatório, disse que tal ideia era mentira. “O senhor está sempre a vitimizar-se, numa estratégia de fuga para a frente; é perito em sacudir a água do capote, nunca assumindo responsabilidades; tenho muitas coisas para contar, mas não as conto porque tenho vergonha do que sei”, disse o líder da Mesa. “Pode dizer, não estou preocupado”, terá respondido Bruno de Carvalho.

Jaime Marta Soares revelou então três datas possíveis para a relação de eleições (19 e 26 de agosto e 2 de setembro), sendo que, sem renúncia da Direção, iria marcar uma Assembleia Geral Extraordinária para destituição a 23 de junho, no Meo Arena [Altice Arena], a partir das 10 horas, explicando que tinha milhares de assinaturas a pedir essa reunião magna. Na resposta, o presidente da Direção falou em “considerações altamente injuriosas que atacam a honra e a dignidade do presidente e membros do Conselho Diretivo”, disse mesmo que “a forma de vida do Comendador Marta Soares causou à Direção várias vezes constrangimentos e vergonha” e mostrou-se contra a “chantagem e coação” de que estaria a ser alvo, repetindo ainda outros argumentos como a questão da tesouraria da SAD e a possibilidade que, nesse cenário, os jogadores teriam para rescindirem os seus contratos.

À beira do fim, foi Eduarda Proença de Carvalho que tocou no ponto fundamental de toda a questão: que não era nem nunca foi vontade dos membros fazerem uma Assembleia Geral assim, que sabiam a responsabilidade da mesma mas que tinham de respeitar as suas competências e os estatutos, em relação ao pedido de marcação de uma reunião magna com tantos votos já na mão (sendo que bastavam apenas 1.000 para isso). Bruno de Carvalho disse que os estatutos devem ser cumpridos mas que isso depende do bom senso e da lei, anunciando já uma série de situações que deveriam estar irregulares (sem chegar a nomear as mesmas) na marcação do ato.

“O presidente do Conselho Diretivo disse que o Conselho Diretivo irá combater uma eventual convocatória de AG de destituição, por todas as formas jurídicas que forem convenientes. Após este momento, os membros demissionários da Mesa da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal e Disciplinar saíram da sala. Em resultado desta saída os trabalhos terminaram, tendo a reunião sido encerrada. Foi lavrada a presente proposta de ata, a qual não pode ser assinada por todos os presentes, em virtude de os referidos se terem ausentado”, termina o documento apresentado no email enviado aos sócios como ata mas que, como se percebe pelas últimas linhas e pela falta das assinaturas dos presentes no encontro, não cumpre os requisitos necessários para ser considerada como tal.

À tarde, a Mesa da Assembleia Geral do Sporting respondeu através de um comunicado ao “documento designado Ata da reunião dos órgãos sociais do Sporting de 24 de maio”. Numa missiva com quatro pontos, o órgão que se encontra demissionário referiu que “o documento em causa não reflete o teor da reunião plenária dos órgãos sociais; não foi exibido, nem lido, nem assinado por qualquer um dos presentes”, “Uma vez que não constitui qualquer ata do clube, a sua designação e divulgação como tal, causa danos à imagem e honra da instituição Sporting (…) O teor encontra-se manipulado, truncado e incompleto, contendo um conjunto vasto de falsidades, de intervenções parcialmente transcritas e outras totalmente descontextualizadas, acrescenta o comunicado.

“Para além de ilegal, nos termos gerais de Direito, a divulgação pública do documento em causa preenche também, objetiva e subjetivamente, uma prática criminosa que não pode deixar de merecer a respetiva censura e resposta, pelo que, na defesa dos interesses do Sporting enquanto instituição de Utilidade Pública Desportiva, considera-se que se impõe sobre a Procuradoria-Geral da República uma investigação sob a situação da designada ata, tendo sobretudo em conta que a sua divulgação pública constitui prática dolosa e enganosa”, refere, prosseguindo: “Por entender que não pode, nem deve, estar constantemente a responder a provocações e práticas ilegais constantes do Conselho Diretivo, que apenas prejudicam a imagem e os destinos do clube, vem a Mesa da esclarecer que só se pronunciará nos termos estatutários e na defesa dos superiores interesses do Clube”.