O grupo que promoveu a petição “Toda a Vida tem Dignidade” dirigiu uma carta a Ferro Rodrigues, na sua qualidade de Presidente da Assembleia da República, estranhado o facto dessa iniciativa, que teve mais de 14 mil subscritores, estar no Parlamento há quase ano e meio e ainda não ter subido a plenário.
Depois de recordarem que uma outra petição com menos subscritores já fez o seu caminho até ao plenário da Assembleia, este movimento cívico lamenta que a sua mensagem “tenha ficado na gaveta”, acrescentando que o debate em bloco do tema eutanásia omitindo-se a petição “Toda a Vida tem Dignidade” mostra “uma desconsideração pelo Povo, pelos instrumentos da Democracia participativa e pela Constituição”, considerando ainda que “torna a figura da Petição ao Parlamento como acto inútil”.
A carta termina adirmando que “o Povo suporta as instituições do Estado e exerce os direitos de cidadania na forma legalmente consagrados, tem direito a uma resposta conforme”.
Gabinete de Ferro Rodrigues esclarece que petição ainda não subiu a plenário por faltar relatório
Ao Observador, o porta-voz do Presidente da Assembleia da República esclareceu que o gabinete de Ferro Rodrigues recebeu, na “quinta-feira à tarde”, um email com a carta do grupo da petição “Toda a Vida tem Dignidade”, que fez distribuir à comissão competente, aos diferentes grupos parlamentares e ao PAN (representado no Parlamente apenas por um deputado). O gabinete do Presidente respondeu também à peticionária que assina a missiva, explicando que a petição ainda não subiu a plenário por faltar o relatório necessário.
As comissões parlamentares indicam, por cada petição, um relator que se encarrega de fazer um relatório e de a agendar para plenário. No caso da petição “Toda a Vida Tem Dignidade” — que deu entrada na Assembleia da República a 25 de janeiro de 2017 e que baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias dois dias depois — a relatora é a deputada do CDS-PP Vânia Dias da Silva, nomeada a 8 de fevereiro do ano passado, como refere a informação disponível no site do Parlamento. “Acontece que a senhora deputada que seria a relatora na comissão está, desde fevereiro, para entregar o relatório”, adiantou o porta-voz do Presidente da Assembleia, acrescentando que essa informação foi trasmitida à peticionária na resposta que lhe foi encaminhada também “por carta”.
Sem a realização do relatório necessário, “que a senhora deputada foi incumbida pela comissao em fevereiro de fazer”, não é possível fazer subir a petição a plenário.
Eis o texto integral da missiva dirigida no dia 24 de maio ao Presidente da Assembleia da República:
1 – O tema da Eutanásia levou ao Parlamento duas petições. Uma (com pouco mais de 8000 subscritores) desenvolveu um percurso de audições, relatório, e debate em Plenário da Assembleia da República
A outra Petição – Toda a Vida tem Dignidade (com mais de 14000 subscritores), fará amanhã um ano e cinco meses e, depois de audições várias, está ainda no grupo de trabalho constituído no âmbito da 1ª Comissão. Aguarda subida Plenário.
2 – Entretanto, foi entendido que o tema da Eutanásia seria debatido e votado no próximo dia 29 com todas as iniciativas legislativas apresentadas (algumas com pouco mais de um mês de entrada na Assembleia da República).
3 – Mas a Petição – Toda a Vida tem Dignidade ficou “na gaveta”. Desconhece-se a urgência do debate (?) da Eutanásia e a razão pela qual não se aguarda que esta Petição seja debatida em Plenário.
4 – A Democracia participativa exige respeito pelos instrumentos constitucionalmente consagrados para o seu exercício – O Direito de Petição.
5 – O debate em bloco do tema Eutanásia omitindo-se a Petição – Toda a Vida tem Dignidade, mostra, no nosso modesto entender, uma desconsideração pelo Povo, pelos instrumentos da Democracia participativa e pela Constituição. Torna a figura da Petição ao Parlamento como acto inútil.
6 – Ou, poderá entender-se que se confere a uma das Petições maior relevo (pese embora tenha menos pouco mais de metade subscritores) e atira a outra Petição para a inutilidade, esquecimento ou mesmo, dirão alguns, ideologicamente “censurada”. Tal facto não pode deixar de viciar o debate do próximo dia 29 sobre a Eutanásia.
7 – Bem sabemos que V. Exa. se tem mostrado convicto defensor da Democracia participativa, da igual dignidade de todas as Petições e da Constituição.
8 – Acresce que, a Comunicação Social já noticiou que o CNECV não emitiu Parecer sobre as iniciativas legislativas agora levadas a Plenário.
O CNECV é um órgão consultivo, que tem sido considerado de grande dignidade, pago pelo erário público, que não pode ter um papel meramente decorativo.
9 – Num tema, fracturante, do domínio da Ética e das Ciências da Vida, como o é a Eutanásia, ignorar o Parecer dos Conselheiros que as mais altas instituições do Estado credenciaram como os “especialistas dos especialistas”, é quanto a nós, um retrocesso inqualificável, indizível, no Estado de Direito Democrático.
Senhor Presidente,
10 – O supra descrito constitui (e cria precedente) um atentado ao normal funcionamento das Instituições Democráticas, e em especial do Parlamento a que V. Exa. mui doutamente preside.
11 – Como Movimento Cívico implantado em todo o País não podemos deixar de esperar de V. Exa. uma resposta a tais atentados conforme à Constituição e à Praxis política. O Povo suporta as instituições do Estado e exerce os direitos de cidadania na forma legalmente consagrados, tem direito a uma resposta conforme.
Todos temos o dever de manter e consolidar a Democracia.
Apresentamos a V. Exa. os nossos melhores cumprimentos e votos de um exercício desta Magistratura cheio das maiores venturas.
Pela Petição “Toda a Vida tem Dignidade”, e em nome dos seus 14.196 subscritores, incluindo aqueles que lhe fizeram a respectiva entrega em 15-Janeiro-2017,
Isilda Pegado
Artigo atualizado às 13h39 com os esclarecimentos prestados pelo gabinete do Presidente da República