O regulador britânico para a área das contas e contabilidade arrasou o trabalho da KPMG, uma das quatro maiores empresas de auditoria do mundo, defendendo que o trabalho que a empresa faz no Reino Unido é de qualidade “inaceitável“.
Funcionários que não questionam instruções superiores, padrões de avaliação que não evidenciam um mínimo recomendável de ceticismo e uma inconsistência na execução das auditorias. Estes são problemas “inaceitáveis”, diz o relatório do Financial Reporting Council (FRC), que se agravaram nos últimos cinco anos e que colocam em questão os esforços da liderança da empresa no sentido de melhorar os processos.
Este é o regulador que foi acusado, no Reino Unido, de não ter exigido padrões elevados na auditoria dos bancos (e outras instituições) que estiveram no epicentro da crise financeira. Nos últimos tempos, contudo, o FRC tem procurado ter uma postura mais interventiva — e multou, já este mês, não só a KPMG mas, também, a PwC por irregularidades em trabalhos de auditoria feitos entre 2013 e 2014.
Por outro lado, o FRC adiantou que vai apertar o escrutínio sobre a KPMG, o que envolve um aumento de 25% nas inspeções às auditorias feitas pela empresa no ano fiscal de 2018-2019. Trata-se da primeira vez que o regulador britânico toma uma medida desta grandeza.
No Reino Unido o tema das consultoras e auditoras — onde KPMG, EY, Deloitte e PwC são as quatro grandes — tem estado em cima da mesa devido à recente falência da Carillion, uma empresa de construção muito ligada ao setor público. Tem havido deputados a defender que é necessário obrigar à separação destas empresas que, por exemplo, além de prestarem consultoria fiscal também auditam contas.
KPMG com “problemas sistémicos” (e não apenas no Reino Unido)
A KPMG diz-se “dececionada” com as críticas agora feitas pelo regulador FRC, garantindo que estão a ser tomadas medidas para que as críticas apontadas tenham consequência para o funcionamento da empresa. A auditora garante que está a trabalhar para “assegurar que são aplicados os melhores padrões de consistência e rigor em todas as auditorias”.
Mas “cada vez há mais sinais de que os problemas na KPMG são profundamente sistémicos”, comentou Atul Shah, um professor de contabilidade e finanças da Universidade de Suffolk, à Bloomberg. “Eles têm uma política de maximizar os lucros, em vez de serem uma empresa profissional com padrões de independência, caráter e integridade”, lamenta o académico, garantindo que para reformar o setor “temos de corrigir estes problemas culturais e conflitos de interesse”.
Os problemas na KPMG não se resumem, contudo, ao Reino Unido. Em Portugal, a consultora KPMG Portugal é alvo de um processo contra-ordenacional do Banco de Portugal (BP) por alegadas falhas na auditoria às contas do Banco Espírito Santo (BES) entre 2011 e 2014. Outro caso é a proibição total, aplicada em abril na África do Sul, ao trabalho feito pela KPMG junto de entidades com ligação ao Estado.
A KPMG aparece, também, ligada ao caso do banco em Malta cujo presidente-executivo foi preso em Nova Iorque e é acusado de dezenas de crimes financeiros, além de suspeito de ligações à corrupção no país que levou ao assassínio da jornalista Daphne Caruana Galizia.