Ficamos chocados quando vemos as imagens de plástico nos oceanos e de animais vítimas dessa poluição (como a baleia que há uns dias morreu por ter ingerido mais de 80 sacos de plástico) mas, na nossa vida diária, pouco ou nada fazemos para contrariar este cenário. “Habituámo-nos a viver de uma forma que não é amiga do ambiente e no futuro isso vai trazer consequências, nomeadamente na saúde pública, e não é no futuro longínquo porque a quantidade de plástico nos oceanos já é enorme”, disse à agência Lusa Isabel Domingos, do Departamento de Biologia Animal da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e investigadora do MARE — Centro de Ciências do Mar e do Ambiente.

Claro que reciclar ajuda. Mas, avisa a investigadora, isso não resolve o problema porque a reciclagem está longe de ser 100% eficiente. É mesmo preciso diminuir a produção. E as coisas começam devagar mas o importante é começar. A Comissão Europeia definiu 2030 como data limite para acabar com as embalagens de plástico descartáveis na União Europeia. Falamos de coisas tão banais no dia a dia e que nem nos apercebemos como são tóxicas ao ambiente: cotonetes, talheres descartáveis, palhinhas, sacos, embalagens de produtos e outros plásticos que podem ser considerados não necessários uma vez que existe a sua versão biodegradável.

E na beleza? Também na beleza estás mudanças já estão a ter impacto e temos de estar a par destas informações para fazermos compras conscientes. Falamos das embalagens eco-friendly, das cartonagens sem tintas tóxicas e da diminuição do peso das embalagens de cartão e de vidro.

São produzidas todos os anos 120 mil milhões de embalagens na cosmética

A Zero Waste Week, uma campanha de consciencialização para o impacto ambiental do lixo que acontece desde 2008, diz que mais de 120 mil milhões de embalagens são produzidas todos os anos pela indústria da cosmética global e o cartão que embala perfumes, cremes e hidratantes contribui para a perda de 18 milhões de acres de floresta por ano. Se nada mudar, as previsões apontam para que, até 2050, haverá 12 mil milhões de toneladas de plástico em aterros, o equivalente a trinta e cinco mil Empire State Buildings (o icónico arranha-céus de 102 andares em Manhattan).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Millie Kendall, fundadora da loja de beleza online BeautyMart, disse à revista britânica Stylist que depois das tendências de consumo mais “green”, o próximo passo lógico vai chegar às embalagens.

“Vimos a remoção dos parabenos e de produtos químicos desnecessários e agora estas ideias passaram para as embalagens. Desde marcas que usam materiais biodegradáveis, como o Ecolean que é feito de giz, até embalagens criadas a partir de bambu e algas marinhas, este é um movimento que está rapidamente a ganhar força”, explica.

Produtos de banho sem embalagens nas lojas Lush. Foto: Pinterest

No Reino Unido, a gigante do grande consumo Garnier lançou pelo segundo ano, em março, a sua campanha Rinse, Recycle, Repeat em parceria com a TerraCycle, empresa de soluções para resíduos de difícil reciclabilidade, e a organização DoSometing.org. Embora 90% dos britânicos reciclem resíduos de cozinha, apenas 50% o faz com os da casa de banho como champôs, condicionadores, cremes e gel de banho, o que corresponde a cerca de 2,7 mil milhões de embalagens de plástico que chegam aos aterros todos os anos.

Esta campanha vai permitir que os consumidores entreguem embalagens em troca de pontos que podem ser depois transformados em doações para organizações sem fins lucrativos britânicas. No primeiro ano, esta campanha “salvou” 33 milhões de embalagens do aterro.

Claro que isto vai depender dos países mas, a correr bem no Reino Unido, pode ser o pontapé de saída para a marca implementar projetos idênticos noutros países como em Portugal. Por cá, fique a saber que muitos dos recipientes de produtos Garnier já são feitos com 25% ou 30% de plástico reciclado e as embalagens são 100% recicláveis se colocadas no ecoponto amarelo.

Para se informar mais sobre estes temas, pode acompanhar os artigos que a revista Beauty Packaging vai publicando online.

O problema não está só nas embalagens…

Mas também na formulação dos cosméticos. Ashlee Piper, personalidade de televisão e especialista em sustentabilidade, disse ao famoso site de beleza americano Fashionista que é óbvio que o ónus do problema tem de estar no lixo que todos nós criamos diariamente, com destaque para as embalagens não alimentares como as dos produtos cosméticos e de cuidados pessoais. Mas era bom que tudo se resumisse a isto. No seu novo livro “Give a Sh*t: Do Good. Live Better. Save the Planet“, Piper explica que a redução das embalagens é apenas uma componente deste movimento “green” mas que há muito mais que tem de ser falado como o desperdício de água e a colheita anti-ética de ingredientes.

“A maioria dos produtos de beleza é composto de 80 a 95 por cento de água, como os champôs e os condicionadores, por exemplo. Mas até 2050, mais de 1,8 biliões de pessoas serão afetadas pela escassez de água. Da mesma forma, a indústria da beleza contribui para o tráfico humano onde 68% dos 29,9 milhões de vítimas de tráfico estão presas em trabalhos forçados na mineração de mica [um mineral de dá brilho aos produtos de beleza], 26% sendo crianças. É importante que os consumidores permaneçam vigilantes e não se foquem apenas no tema das embalagens”, reforça a especialista, acrescentando que a maioria dos produtos está embalado em plástico mas apenas 12% deste plástico é reciclado, o que significa que qualquer coisa como oito milhões de toneladas acabam nos nossos oceanos todos anos.

A indústria da beleza está a esforçar-se e o nosso papel passa por privilegiar as marcas que se estão a esforçar um pouco mais. (Photo by Justin Sullivan/Getty Images)

Quer reduzir o seu impacto ambiental na beleza?

Pode optar por comprar marcas que já tenham uma filosofia sustentável e que estejam a mudar a sua pegada ambiental.

A Davines é um bom exemplo. A marca tem uma filosofia de beleza sustentável e eco-embalagens e apoia a menor utilização de matérias-primas possível, o uso de materiais recicláveis e a otimização do controle de logística e processos de qualidade para evitar o desperdício. A marca escolhe assim materiais recicláveis e a utilização de embalagens primárias por forma a eliminar o cartão. Quando este não pode ser evitado, as embalagens são feitas com materiais reciclados. A Davines aposta ainda na redução do uso de materiais compostos, uma vez que são difíceis de reciclar, e na criação de embalagens de material único.

Foto: Davines Portugal

A Lush tem sido uma das líderes no mercado da beleza ética, sustentável e vegan e não é surpresa para ninguém: 80% dos produtos sazonais da marca não tem embalagens e aqueles que normalmente precisam de algum tipo de recipiente, a Lush tornou-os sólidos para evitar esse desperdício, como os champôs, os exfoliantes e as manteigas corporais. Todos estes produtos são formulados com pouca ou nenhuma água o que os permite manter-se sólidos à temperatura ambiente (e conservados). E para os produtos que precisam de embalagem, a marca tem uma política de retorno com recompensa: quando juntar cinco potes, lave-os, entregue-os numa loja e terá uma máscara facial gratuita à sua escolha. O que é que acontece aos potes? São reciclados e transformados em novos potes que seguem de novo para as lojas. Zero desperdício. Informação extra: Em 2014, a Lush substituiu todos os ingredientes que continham a mica natural para uma versão com base em mica sintética para deixar de contribuir para o tráfico de que falámos acima.

L’Occitane é outra marca que, se calhar não sabia, apenas utiliza recursos renováveis ou provenientes de florestas geridas de forma sustentável e utiliza, como seria de esperar, embalagens facilmente recicláveis. Para reduzir o peso dos produtos e criar menos resíduos, a marca também tem vindo a apostar no uso da embalagem única (sem caixas externas). E uma informação interessante: pode comprar apenas as recargas de alguns dos produtos nas lojas (como sabonetes, champôs, sabonete líquido, etc). Uma forma de reabastecer o seu frasco sem ter de comprar outro recipiente.

Além de natural, a Ren comprometeu-se a trabalhar para o “zero waste” até 2021 porque quer seguir numa direção mais consciente e sustentável. Atualmente, 76% das embalagens da Ren são recicladas mas a marca anunciou que vai remover todas as embalagens desnecessárias, vai re-desenhar os seus produtos para os poder tornar reutilizáveis (ou em formatos de recargas) e vai utilizar apenas materiais reciclados e recicláveis. O objetivo é ser uma marca 100% reciclada.

A Rituals  está a levar a cabo um estudo de Avaliação do Ciclo de Vida das suas embalagens. Assim, neste momento, a marca já tem recargas ecológicas para todos os seus cremes de corpo, cremes de dia e de noite, gel de mãos, sticks perfumadores e perfumes para o carro exatamente para que não tenha de deitar fora essas embalagens, reutilizando-as. Todos os coffrets estão embalados em caixas reutilizáveis, pelo que a Rituals poupa não só no papel de embrulho mas também nas árvores mas é de ressalvar que todo o papel que usa nas embalagens exteriores é certificado pela FSC e a madeira vem de florestas europeias geridas de forma sustentável. E até 2023 o objetivo da marca é ter embalagens 100% recicláveis.

Creme de corpo com embalagem reutilizável. Foto: Rituals Portugal

No seu relatório de sustentabilidade de 2017, a The Body Shop partilha que acelerou o seu compromisso de ter fórmulas e embalagem mais sustentáveis: biodegradáveis, recicláveis, ambientalmente amigáveis e com mais ingredientes do Comércio Comunitário. Atualmente, 55% das embalagens já é livre de combustíveis fósseis e, até ao fim de 2020, a marca pretende chegar aos 70%. Porque é que isto é importante? Os combustíveis fósseis, como o óleo usado para produzir a maioria dos plásticos, são não-renováveis, e por isso, têm de ser utilizados o mais cuidadosamente possível. É também importante referir que muitas das embalagens de plásticos (como as embalagens robustas para líquidos dos produtos de banho), já são “post-consumer recycled”, ou seja, embalagens que já foram recicladas e transformadas para outro uso.

Se ao dia de hoje esta ainda possa parecer ser uma lista pequena, quando os grandes grupos e as marcas de luxo começarem a mudar a sua filosofia, a moda vai acabar por pegar. Mas há muitas mais de que podemos falar:

Atualmente, a Dior já está a usar tinta natural nas suas embalagens, apenas utiliza madeira de florestas sustentáveis para o papel e cartão e retirou o celofane, o excesso de cartão e até mesmo os folhetos de papel anteriormente incluídos nos seus produtos; as embalagens da gama premium da L’Oréal Paris, a Botanicals Fresh Care, são feita de Politereftalato de etileno (PET) que é 100% reciclado e reciclável; a australiana Jurlique mudou todo o seu processo de fabrico para incentivar a reutilização de água, a produção de energia solar e em 2014 ganhou o prémio de melhor desempenho da APC (Australian Packaging Covenant) por ser, na Austrália, a marca líder na sustentabilidade e inovação de embalagens; nas lojas Kiehl’s portuguesas pode trocar as suas embalagens vazias por amostras de novos produtos numa iniciativa para incentivar os consumidores a entregar as embalagens para a reciclagem; para evitar o desperdício de embalagens, se devolver seis produtos MAC acabados numa loja, recebe um batom gratuito à sua escolha; a Aveda tem um compromisso de sustentabilidade ambiental e, neste momento, 85% dos seus produtos de pele e cabelo já são feitos com materiais 100% reciclados; as embalagens da Caudalie são fabricadas em papel reciclado e, sempre que possível, a marca utiliza plástico reciclado ou plástico vegetal e até na comunicação privilegia o papel 100% reciclado obtido de florestas geridas de forma sustentável (as mesmas florestas de onde vêm as tampas do Huile Divine, das máscaras e dos esfoliantes)…

Pode parecer uma tarefa fácil — é só ser mais sustentável — mas, na verdade, não é bem assim. Muitos produtos de beleza têm necessidades únicas de conservação que tornam o uso de materiais ecológicos um grande desafio. Mas a indústria da beleza está a esforçar-se e o nosso papel passa por privilegiar as marcas que se estão a esforçar um pouco mais. Não conta se anda a tentar poupar água, a reciclar na sua cozinha e a diminuir o gasto de eletricidade se, depois, compra produtos de beleza que deixam tanto desperdício no planeta.