Num acordo obtido apenas às 4h35 e depois de as negociações terem sido bloqueadas pelo primeiro-ministro italiano, os 28 países da União Europeia (UE) chegaram a um entendimento para uma alteração da política de refugiados que, apesar de vaga, é favorável àqueles que pretendiam um maior controlo das fronteiras externas da comunidade.

O novo acordo põe um fim às quotas de distribuição de requerentes de asilo e refugiados estabelecidas em 2015, que foram contestadas sobretudo por países da Europa central e de leste, como a Hungria e Polónia. A partir de agora, o “voluntarismo” é um conceito-chave do novo sistema de acolhimento de refugiados e requerentes de asilo.

Como vem explicado no acordo final, todos os migrantes que forem resgatados em território da UE serão transferidos para “centros controlados” que serão estabelecidos dentro de Estados-Membros da UE. Porém, estes centros serão estabelecidos “apenas numa base voluntária”, sem que seja designado, afinal, que países é que desde já se voluntariam para ter essas plataformas.

Esta é uma alteração de base na política europeia para os refugiados, que surge numa altura em que o número de entradas atinge os valores mais baixos dos últimos anos. Depois do pico de pedidos de asilo de 2015 (1,3 milhões), os números desceram consistentemente: 1,2 milhões em 2016; 704 mil em 2017; e 131 mil no primeiro trimestre de 2018, o que representa um decréscimo de 25% no período homólogo do ano anterior. Ainda assim, apesar destes números, a subida de um governo anti-migração em Itália e a pressão criada de dentro da coligação liderada por Angela Merkel levaram a que este tema se tornasse na maior prioridade desta cimeira do Conselho Europeu.

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O acordo sublinha também a “necessidade de intensificar significativamente o regresso efetivos dos migrantes irregulares” e apela ao “controlo efetivo das fronteiras externas da UE”. Para atingir estes dois objetivos, é referido o “aumento dos recursos” e o “reforço” do mandato da Frontex, a agência de segurança de fronteiras europeia. Não é referido qualquer número que quantifique este “reforço”, mas é conhecido o objetivo da Comissão Europeia de, entre 2021 e 2027, elevar o número de funcionários da Frontex para 10 mil — sendo que atualmente são sensivelmente 1 200.

UE quer montar centros de seleção de refugiados no Norte de África, mas Marrocos e Tunísia rejeitam

O acordo refere ainda que o Conselho Europeu e a Comissão Europeia devem explorar “rapidamente” a possibilidade de se chegar a acordos com países fora da UE, sobretudo no Norte de África, para ali serem construídas “plataformas de desembarque regionais”. Estas teriam o propósito de servirem de centros de receção e seleção de requerentes de asilo, para que assim pudessem ser determinados quais migrantes teriam direito ao estatuto refugiados e quais seriam considerados migrantes económicos.

“Estas plataformas deverão funcionar mediante a diferenciação das situações individuais, no pleno respeito pelo direito internacional e sem criar um fator de atração”, diz ainda o documento, que refere que estas contariam com a cooperação do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e da Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Para já, não existe qualquer acordo por parte da UE com qualquer terceiro-país para ali ser construída uma plataforma de desembarque regional. De resto, entre aqueles que são elencados como possíveis anfitriões dessas plataformas, já houve três a rejeitar esse cenário. Trata-se de Marrocos, da Tunísia e também da Albânia.

Possivelmente para mitigar essa oposição, ou para cativar aqueles países do Norte de África que ainda não rejeitaram essa hipótese (Argélia, Líbia ou Egito), o acordo desta sexta-feira de madrugada determina ainda que serão transferidos 500 milhões de euros do Fundo Europeu de Desenvolvimento para o Fundo Fiduciário da UE para África — além de que cada Estado-Membro é convidado e contribuir, individual e voluntariamente, com outras quantias.

“Precisamos de levar a dimensão e a qualidade da nossa cooperação com África para um novo nível”, lê-se no acordo, onde é referido que o investimento europeu naquele continente deve ter como prioridade áreas como as da educação, saúde, infraestruturas, inovação, boa governação e empoderamento das mulheres.

Será também reforçado o apoio à região do Sael — onde se encontram países como Mali, Burkina Faso, Sudão e Chade — e à Guarda Costeira da Líbia. Sobre esta, que tem sido recorrentemente acusada por ONGs de violar dos Direitos Humanos dos migrantes que procuram partir daquele país do Norte de África em direção à Europa — mais especificamente a Itália, na maior parte dos casos. O acordo diz que o apoio à Guarda Costeira Líbia deve servir a “promoção de condições de acolhimento humanas”.

Além disso, numa mensagem enviada às ONG que muitas vezes resgatam migrantes junto à costa da Líbia para depois os levarem para Itália — como podia ter sido o caso das embarcações Aquarius e do Lifeline, até que Roma recusou que estas atracassem em qualquer porto italiano —, o acordo a 28 diz ainda que “todos os navios a operar no Mediterrâneo têm de respeitar a legislação aplicável, e não entravar as operações da Guarda Costeira líbia”.

Merkel pode respirar de alívio, mas por pouco tempo

Angela Merkel regressa a Berlim desta cimeira do Conselho Europeu com um acordo que, a braços com uma crise dentro da coligação de governo com os conservadores da CSU, lhe pode servir como um balão de oxigénio. A chanceler alemã estava a ser pressionada pelo líder da CSU e ministro da Administração Interna, Horst Seehofer, para garantir um decréscimo das entradas de refugiados e requerentes de asilo na Alemanha. No final da cimeira, Angela Merkel disse que era um “bom sinal” ter sido atingido um acordo a 28 na UE, mas acrescentou: “Ainda temos muito trabalho pela frente para construirmos pontes entre as diferentes opiniões”.

No acordo, é referido também que os “movimentos secundários dos requerentes de asilo” — ou seja, a passagem para um segundo país por parte de um requerente de asilo, depois de se ter registado num primeiro, onde a lei o obriga a ficar — serão solucionados através de “medidas internas a nível legislativos e administrativo”.

Esta adenda, que remete para o nível nacional e bilateral as medidas que não reuniram um consenso a 28, deixa antecipar a continuação do debate interno no governo de Angela Merkel, mesmo que com o tom menos elevado. A 12 de junho, Horst Seehofer cancelou a apresentação de um “grande plano” de 63 medidas para reformar a política alemã para refugiados, onde se previa a expulsão de requerentes de asilo que tivessem sido registados anteriormente noutros países da UE. Agora, é bastante forte a probabilidade de o ministro da Administração Interna e líder da CSU voltar a apostar nessa moeda.

Na crise de refugiados que pode ditar o fim de Merkel, quem apoia e quem empurra a chanceler?