Uma coisa é a sensibilidade do ministro, outra é o que se passará no terreno. Manuel Heitor, governante com a pasta do Ensino Superior faz questão de fazer essa distinção quando fala com o Observador sobre vagas nas universidades. “É possível cortar vagas no Litoral? Possível é. Se se avança para isso ou não, é preciso estudar primeiro. Não pode haver mudanças radicais e as alterações nas vagas do concurso ao Ensino Superior têm de ser resultado de um diálogo com as instituições. Este ano ficámos numa posição intermédia. Mas a minha sensibilidade é que poderemos avançar. Para já, é preciso serenidade e monitorizar os resultados.”
À posição intermédia chegou-se com muitas cedências. Quando o ministro anunciou a intenção de reduzir vagas em Lisboa e no Porto foi bombardeado com críticas quer de reitores das duas cidades, quer da oposição política no Parlamento. Na capital e na Invicta, que tradicionalmente representam mais de 40% das vagas nacionais, a notícia foi muito mal recebida. Em contrapartida, no Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos pedia-se a Manuel Heitor que fosse mais além e que não permitisse às instituições do Litoral aproveitarem os 5% perdidos nas duas metrópoles.
O que aconteceu é que o Litoral — mesmo excluindo Lisboa, Porto e regiões autónomas — continua a ter uma fatia maior das vagas do que o Interior. Não porque tenha aproveitado mais a possibilidade de aumentar os lugares disponíveis, mas porque já partia de uma posição de vantagem. Se nos últimos três concursos nacionais representava cerca de 31% das vagas, este ano sobe para 32%. No Interior, onde a percentagem se mantinha relativamente estável nos 21%, sobe para 22%. Para que houvesse uma alteração de fundo neste cenário, teria sido necessário cumprir a exigência dos Politécnicos, o que não aconteceu.
Apesar disso, o ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior está satisfeito com o balanço da primeira fase do concurso nacional. “Houve uma resposta muito eficaz das instituições. Algumas delas, no Interior do país, atuaram de forma cautelosa, porque ficam normalmente com vagas por preencher, e não usaram a possibilidade de aumentar os 5%. Mas isso aconteceu por falta de estudantes, não de vagas.”
No imediato, o ministro diz que deveremos contar com a continuação da redução de vagas em Lisboa e no Porto, embora frisando que estas são decisões para ser tomadas ano a ano e sempre fruto de diálogo. Nestas cidades, a aposta deve ser outra.
“Em Lisboa e no Porto é importante que as instituições se virem para a captação de estudantes internacionais — os nossos números são muito inferiores quando comparados com os de Madrid e há também um caminho a fazer no estímulo das pós-graduações para adultos. Esta deve ser a aposta. Não nos devemos esquecer que o Ensino Superior tem vários ciclos de ensino e que a oferta de pós-graduações, por exemplo, pode ser melhorada. É um processo gradual e contínuo, mas há excesso de estudantes em Lisboa e no Porto. Aqui a população estudantil cresce a um ritmo muito mais acelerado do que o da população da cidade”, argumenta o ministro.
Aliás, esclarece o governante, o problema principal não é tanto a distribuição da população estudantil, mas antes os números da participação no Ensino Superior. “Só quatro em cada dez alunos ingressam no Ensino Superior. A nossa meta é subir esse número para seis.”
Manuel Heitor não teme que a redução de vagas em Lisboa e Porto implique uma fuga para o privado mas prevê que seja necessário repensar a Ação Social Escolar, para incentivar os alunos a escolherem as instituições do Interior.
“Não prevejo fuga para o privado. O que está a acontecer é o contrário. As famílias mais vulneráveis estão a ir para Lisboa e para o Porto. Estamos a enviar estudantes de todo o país para estas duas cidades e, face às necessidades de coesão social, em vez de trazer estudantes para Lisboa e Porto temos de levá-los para outros sítios. Isto implica necessariamente incentivos ao ensino e alocação de recursos financeiros públicos. Tem de haver disponibilidade para fazê-lo. Para aumentar a participação no Ensino Superior, temos de aumentar os apoios sociais e isso é um grande debate nacional que é preciso fazer”, sublinha o ministro.
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Para os Politécnicos, as mudanças souberam a pouco
“Não houve surpresas”, diz ao Observador Pedro Dominguinhos, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP). “Não houve nada de surpreendente, muito menos na diferença de vagas entre Litoral e Interior. Sabíamos que ao permitir que o Litoral também aumentasse as vagas, isso iria conduzir a um aumento significativo naquela região do país”, diz o professor do Politécnico de Setúbal.
Por isso mesmo, o parecer que enviaram a Manuel Heitor durante a discussão pública era no sentido de travar o aumento de vagas também no Litoral.
Concordámos desde o início com a redução de vagas, mas queríamos ir mais além. Sempre com a perspetiva de que deveria haver mais vagas nas zonas com menor densidade populacional e no Litoral não deveria ser possível aumentar vagas”, explica Pedro Dominguinhos.
O ministro sabe disso. “Alguns politécnicos dizem que estas alterações ainda são pequenas e há certamente um caminho a fazer. Para já, é preciso serenidade, monitorizar os resultados do concurso e estudar o que se deverá fazer a seguir”, diz Manuel Heitor.
Embora o Litoral tenha tido a sua quota parte no aumento de vagas para o Ensino Superior, Pedro Dominguinhos está satisfeito com a resposta dada pelo Interior e destaca por exemplo, o Politécnico de Coimbra onde boa parte do aumento de vagas “foi em Oliveira do Hospital, uma zona que já pode ser considerada Interior”.
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“Globalmente foi positivo. No Interior as vagas aumentaram de facto e tem havido também um aumento de estudantes internacionais. Em quatro anos, conseguimos ter cinco vezes mais alunos estrangeiros nos Politécnicos. Já os cursos técnico-profissionais estão em velocidade de cruzeiro e tem havido aumento de candidaturas”, explica Pedro Dominguinhos.
Apesar disso, houve instituições que não mexeram nas vagas tanto quanto podiam ou, até, que tiveram uma variação negativa, como aconteceu com Santarém. “Havia instituições que estavam limitadas pelo número de acreditações, ou seja, que já tinham o número máximo de vagas que podiam em alguns cursos. Foi o que aconteceu em Setúbal com Informática: já tínhamos o máximo e não havia espaço para crescer. Noutros casos, entendeu-se que os cursos onde poderiam aumentar vagas não eram áreas prioritárias”, sustenta o presidente do CCISP.
O destaque vai para o aumento de vagas em TICE — Tecnologias de Informação, Comunicação e Eletrónica, o que demonstra, na sua opinião, que estão em convergência com os objetivos do governo. “Estamos em linha com o objetivo InCoDe, os politécnicos deram resposta cabal nesta área”, diz Dominguinhos.
Estes cursos tiveram um aumento global de 4,5% por ser considerado um elemento essencial de apoio à Iniciativa Nacional Competências Digitais e.2030 — Portugal InCoDe2030, o que deixou o titular da pasta do Ensino Superior satisfeito, já que a considerou “uma nota positiva”.
Por último, fica um recado para o governo: “Este processo de redução de vagas em Lisboa e no Porto tem de ser permanente, não pode acontecer só durante um ano. E tem de haver um reforço da Ação Social Escolar para conseguirmos manter os estudantes no Interior”, pede Pedro Dominguinhos.
Da parte do ministro, disponibilidade parece haver. Resta saber se haverá orçamento e luz verde das Finanças para alargar essas verbas.
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