Uma medida positiva, mas que por si só não chega para acabar com os desequilíbrios do Ensino Superior. É assim que os reitores das universidades fora de Lisboa e do Porto encaram a medida anunciada pelo ministro Manuel Heitor de que a tutela irá reduzir em 5% as vagas de nove instituições dos dois maiores centros urbanos do país. Para alguns reitores, como os das universidades do Algarve, Évora e Açores já é óbvio como irão aproveitar esta iniciativa: o número de vagas será aumentado nos estabelecimentos de ensino que dirigem.

“É uma medida positiva, pode contribuir para um menor desequilíbrio entre as duas grandes áreas metropolitanas e o resto do país, mas é insuficiente para esse objetivo”, diz ao Observador o reitor da Universidade de Coimbra, João Gabriel Silva, instituição onde ainda está em análise a hipótese de aumentar o número de vagas.

Na sua opinião, há outras iniciativas que poderiam ser adotadas pelo governo e que teriam maior impacto para as universidades fora daqueles centros urbanos. “Um exemplo de uma medida mais importante seria distribuir pelo interior do país os serviços que gerem os fundos europeus, levando a esse interior os empregos que lá fazem tanta falta, em vez de serem congelados em Lisboa, desviando para a capital dinheiro dos fundos, através do pagamento dos salários e outros gastos desses serviços, que devia ser usado para desenvolver as regiões do interior. Veja-se o recente Decreto-Lei 34/2018, que tem um efeito negativo bem maior do que esta mexida nas vagas”, defende o reitor de Coimbra.

O decreto-lei de que fala estabelece os termos da integração dos funcionários públicos que prestam serviço nos programas operacionais, nos organismos intermédios e no órgão de coordenação dos fundos europeus.

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Já na Universidade da Madeira, o aumento de vagas resultante da decisão do governo será ocupado por um novo curso de Direção e Gestão Hoteleira, que a instituição já tinha programado oferecer, explica o reitor José Carmo.

No entanto, apesar de considerar que esta é uma medida positiva porque “permitirá combater as assimetrias existentes na distribuição e ocupação das vagas disponíveis”, o reitor da Universidade da Madeira não acredita que ela, isolada, baste.

“Só por si, não creio que esta decisão vá levar mais estudantes a procurarem universidades fora de Lisboa e do Porto. Embora no sentido certo, terá de ser acompanhada de medidas complementares, de discriminação positiva, como, por exemplo, a atribuição de uma compensação financeira (na forma de bolsas específicas ou outro tipo de incentivos), para apoio à deslocação e instalação dos estudantes que decidam deixar a sua ‘zona de conforto’ e mudar-se das grandes cidades para, no nosso caso, o Funchal, na certeza de que, depois de o fazerem, não se arrependerão”, defende José Carmo.

Também o reitor de Coimbra tem dúvidas que a mudança seja assim tão grande: “Haverá seguramente alguns estudantes de fora da região de Lisboa que poderão já não ir para a capital, escolhendo outra universidade. De entre os que moram em Lisboa estou em crer que poucos sairão.”

Na Universidade do Algarve, onde a maioria das interações dos fluxos regionais são com a capital do país, a medida é vista pelo reitor como uma grande oportunidade. “No caso da Universidade do Algarve, dá-nos a possibilidade de recrutar mais estudantes. O ano passado tínhamos 1405 vagas, para o próximo ano teremos 1475. Podemos acrescentar 70 vagas, mais ou menos 5% do total, vagas essas que iremos abrir nos cursos que têm maior procura e que correspondem às necessidades do país”, explica o reitor Paulo Águas.

Para já, está a decorrer um processo interno na universidade para que se possa tomar a decisão de onde abrir essas 70 vagas.

Se a possibilidade de poder receber mais estudantes é vista com bons olhos, para o reitor da Universidade do Algarve há um outro fator positivo: “Como haverá menos vagas em Lisboa e no Porto, alguns alunos não vão conseguir entrar naquelas universidades e vão ficar no Algarve, na sua região. Mas acredito que também haverá alunos de Lisboa que não vão conseguir entrar nas universidades da sua cidade e que virão para cá.”

Na Universidade de Évora não se vai mexer no número de cursos, mas a reitora Ana Costa Freitas garante que terão mais 40 ou 50 vagas em relação às 1136 do ano anterior. Onde serão abertas ainda é uma incógnita. O primeiro passo dado pela instituição foi verificar quais os curso onde havia excesso de oferta. Agora, numa segunda fase, irão ver onde há mais procura.

Sobre este assunto, que tem gerado polémica e muitas críticas, a reitora da Universidade de Évora deixa ainda uma nota: “Não me parece que seja uma política dirigida para uma universidade e contra outras universidades, mas antes uma política — das muitas que podem existir — para ajudar a combater a desertificação e à deriva demográfica no interior.”

Ana Costa Freitas, que considera a iniciativa muito positiva em termos de política nacional, acredita que haverá mais estudantes a procurarem outras zonas do país para fazerem a sua formação superior. “De uma forma geral, como se lê no preâmbulo do despacho, tem havido aumento de vagas nas instituições de Lisboa e não tem havido o correspondente aumento de população. Por outro lado, há vários cursos na Universidade de Évora em que ficaram de fora muitos estudantes que nos escolheram como primeira opção e que só não entraram porque não tinham vaga. Penso que será vantajoso aumentá-las.”

O reitor da Universidade do Algarve concorda, embora salientando que com esta medida também haverá alunos que querem ingressar nas universidades de Lisboa e Porto e não conseguirão por falta de vagas, porque o acesso nasquelas zonas será mais difícil. “O aumento da procura no Algarve e noutras zonas é bom, mas acima de tudo é bom para o país haver esta distribuição diferente daquilo que tem acontecido nos últimos anos em termos de vagas do ensino superior. Temos assistido ao encerramento de alguns cursos nas regiões periféricas porque os alunos iam para Lisboa e para o Porto. Penso que isso agora poderá mudar. É positivo corrigir este trajeto.”

Redução de vagas é para continuar de forma gradual

Na passada quarta-feira, Manuel Heitor, titular da pasta da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior admitiu que a redução de vagas nos estabelecimentos de ensino superior em Lisboa e no Porto deverá continuar nos próximos anos de forma gradual.

“Fizemos um processo gradual que deve ser continuado, não deve ficar por aqui que é muito pouco. Deve continuar gradualmente ”, disse o ministro, citado pela Lusa. No entanto, ressalvou que antes de tomar decisões sobre novas reduções de vagas haverá um processo de avaliação e monitorização das mudanças para perceber qual o caminho a seguir.

Redução de vagas nas universidades de Lisboa e Porto pode continuar

A redução de 5% das vagas em Lisboa e no Porto vai afetar noves instituições: a Universidade Nova de Lisboa, Universidade do Porto, Universidade de Lisboa, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Instituto Politécnico do Porto, Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, Escola Superior de Enfermagem do Porto e Escola Superior de Enfermagem de Lisboa.

O Observador contactou também os reitores das universidades dos Açores, Minho, Beira Interior e Aveiro, mas não obteve resposta em tempo útil.