Lolo Jones, hoje com 35 anos, foi daqueles nomes que deixou de fazer parte do léxico desportivo na antecâmara das grandes competições mas nem por isso foi apagada como exemplo do que pode ser um atleta nos dias que correm. É certo que a americana ganhou outro protagonismo quando admitiu ser virgem aos 30 anos, mas tornou-se um autêntico fenómeno quando, depois de ter falhado as medalhas nos 100 metros barreiras dos Jogos de 2008 por um toque no penúltimo obstáculo, assinou pela Red Bull e teve um autêntico batalhão de especialistas à sua volta na preparação para a competição quatro anos depois: além de ter sido operada às costas, para corrigir um problema que lhe afetava a passada e os saltos, contou com o apoio de inúmeros fisiologistas, cientistas, preparadores físicos, nutricionistas, psicólogos e demais especialistas. O melhor resultado do ano não foi suficiente para chegar ao pódio (quarto lugar), mas ficou como paradigma de uma nova realidade.

Frederico Varandas. Um passo à frente, a saída da zona de conforto e as “teorias conspirativas da carochinha”

Se é assim no atletismo, se é assim na natação, se é assim no râguebi, também deveria ser assim no futebol. “Mas não é, ao contrário do que se possa pensar”, explica Frederico Varandas, candidato à presidência do Sporting e antigo diretor clínico dos verde e brancos. “Continua a haver alguma dificuldade em colocar a ciência no futebol, porque há sempre treinadores que dizem por exemplo ‘Fui campeão assim, portanto é assim que vou ser campeão outra vez’. Foi por isso que, quando era diretor clínico do V. Setúbal, inscrevi-me nos cursos de nível I e II de treinador, para perceber como pensa também um treinador. Com o tempo percebi que o futebol é onde a medicina desportiva está mais atrasada”, prossegue, antes de dar como exemplo um jogador [neste caso Diego Costa, do Atl. Madrid] que fez uma rotura a duas semanas da final da Champions e se deslocou à Sérvia para ser tratado com líquido de placenta de égua sem que houvesse propriamente um aval médico (e já agora, para completar esta história do triunfo do Real sobre o rival no prolongamento por 4-1, o avançado foi titular e… saiu aos nove minutos).

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É este o ponto de partida de Varandas, que foi autor de alguns livros e artigos sobre o tema, assim como o principal dinamizador para a entrada do Sporting no grupo de Estudo de Lesões em Clubes de Elite da UEFA (bem como das Jornadas de Medicina Desportiva, em Alvalade), para mais uma novidade que pertence implementar no Sporting caso vença as eleições no próximo dia 8 de setembro: a Unidade de Performance do Sporting (UPS). “Temos na Academia os recursos humanos e alguns tecnológicos mas o investimento parou. Não existe nenhum presidente que tenha a noção da importância disto”, ressalva, numa tentativa de voltar a inovar a nível de formação e colocar o Sporting no topo dos melhores.

“Para se liderar no futebol de formação é imperativo recorrer ao treino de base científica, sustentado pelo uso de técnicas avançadas de monitorização e reabilitação. Este tipo de treino é inovador não só a nível nacional mas também europeu e é essencial fazer uso de metodologias inovadoras cuja eficácia tenha sido comprovada cientificamente, tendo em vista a promoção do bem-estar físico e psicológico dos atletas, assim como a otimização da sua performance. Como? Identificando as melhores práticas e as técnicas mais eficazes; aplicando a um modelo de formação e treino integrado”, diz Frederico Varandas, num projeto com pontos em comum com o Sporting Performance apresentado por João Benedito, que terá na liderança Pedro Lopes da Mata, médico especialista em imunoalergologia e medicina desportiva que chegou a ser seu professor.

Em resumo, a ideia passa por dar às equipas técnicas as ferramentas possíveis e necessárias para que exista um desenvolvimento mais adequado dos treinos e da performance física de cada um dos atletas, ao mesmo tempo que permitirá ainda a melhoria da capacidade atlética para que os jogadores sejam menos propensos a lesões. Os melhores cuidados a nível de reabilitação e a possibilidade de implementação de uma política de educação e proatividade dos atletas são outros objetivos. Em termos práticos, e de acordo com o plano desenhado, são 13 as responsabilidades da Unidade de Performance do Sporting:

  1. Monitorizar as cargas de treino/competição com auxílio de tecnologias e conhecimento científico atual;
  2. Desenvolver planos de melhoria das capacidades físicas dos atletas tendo em conta as especificidades de cada atleta e a filosofia de jogo adotada;
  3. Criar uma filosofia de trabalho transversal a todo o clube, desde os escalões mais jovens da formação até à equipa principal;
  4. Apostar em estratégias de Long-term Athletic Development desde os escalões mais precoces na Academia;
  5. Monitorizar a composição corporal dos atletas;
  6. Desenvolver planos individuais e coletivos de suplementação;
  7. Educar os atletas para as necessidades nutricionais de futebolistas profissionais e comportamentos anti-doping;
  8. Criar uma rotina de trabalho de preparação para treino/jogo longitudinal a todos os escalões do clube;
  9. Reabilitar os atletas com recurso a conhecimento científico e às técnicas mais avançadas;
  10. Desenvolver planos individuais de preparação para treino/competição;
  11. Apostar em estratégias de educação dos atletas mais jovens no que respeita à manutenção da sua condição física;
  12. Assegurar um return to play seguro e eficiente em sintonia com a equipa técnica;
  13. Desenvolver protocolos de reabilitação e critérios de progressão transversais a todos os escalões do clube.

Em paralelo com a ideia, Frederico Varandas já escolheu também o diretor da Unidade de Performance em caso de triunfo nas eleições: João Pedro Araújo, mestre em medicina desportiva pela Escola de Estudos Real Madrid, especialista em processo de treino e medicina física e de reabilitação, que foi diretor clínico do Sp. Braga antes de rumar ao Al Jazira Football Club, nos Emirados Árabes Unidos. João Pedro Araújo é ainda consultor médico no Centro Médico de Excelência da FIFA.

Frederico Varandas: o médico que só faltou a um jogo porque estava no Afeganistão e quer ser presidente do Sporting

“Há poucos clubes como este tipo de conhecimento, que foi bem recebido quer por Leonardo Jardim, quer por Marco Silva, quer por Jorge Jesus no Sporting. É preciso perceber que o médico não está ali para tratar, o fundamental é prevenir. Até porque 90% das lesões são causadas pelo treino. O Arsenal está a fazer algo parecido, o Guardiola também está a ir para este modelo, mas não há muitas equipas no mundo com isto, que visa um impacto imediato nos seniores mas que se irá estender até aos mais pequenos que estão no Polo do Estádio Universitário de Lisboa”, argumenta Frederico Varandas, que aponta para um objetivo muito claro (e com orçamento próprio para isso): haver um estilo e uma filosofia de trabalhos dos 6/7 anos aos seniores, dos atletas aos treinadores. “Ainda assim, os comportamentos dos jogadores têm mudado, hoje cuidam-se mais”.

Mas este é apenas um dos pilares conjeturados para a Academia, que tem vindo a perder a força que teve há uns anos. Assim, do particular para o geral, existem outras alterações pensadas pelo médico para voltar a potenciar de melhor forma a formação: ter apenas um coordenador técnico transversal a toda a estrutura e não três (sendo que o mesmo não será treinador); e reorganizar o departamento de recrutamento, que caiu também por falta de investimento. “Não podemos ter, por exemplo, um jogador juvenil com contrato profissional que falta a 50% dos treinos sem justificação. Outra das coisas que me frustrava era a política resultadista que existia. É certo que o Sporting quer ganhar em tudo, mas também é preciso formar jogadores e formar homens, que também carregam bolas, que também limpam balneários e que farão isso quando chegarem aos seniores sem que com isso lhes caia a dignidade”, advoga, quase que recordando o exemplo da seleção do Japão no Campeonato do Mundo.

Frederico Varandas quer liderar solução para o Sporting: “Tomei esta decisão no relvado do Jamor”

“Tudo isto não pode ser visto como um custo mas sim como um investimento que é necessário fazer para voltarmos a estar como os mais inovadores e uma referência”, salienta Frederico Varandas, admitindo ainda prolongar o mesmo modelo às modalidades que têm equipas da base da formação aos seniores. “Ideias todos têm, mas depois é preciso saber executar”, conclui.