A nova Lei das armas, que pretende limitar o número de armas na posse das pessoas e eliminar a figura de detenção de arma, está quase pronta e deverá ser remetida à Assembleia da República em setembro.

A informação foi dada à Lusa esta segunda-feira pela secretária da Estado Adjunta e da Administração Interna, Isabel Oneto, que terminou esta segunda-feira uma maratona de audições de associações do setor, de caçadores a colecionadores e armeiros, que são críticas da nova legislação. Isabel Oneto explicou que, aproveitando a transposição de uma diretiva comunitária sobre requisitos técnicos, o governo quer regulamentar o setor.

Com a entrada em vigor da nova lei, depois de ser aprovada pela Assembleia da República, há questões que não são imediatas, como o fim da possibilidade de detenção de arma no domicílio. Isabel Oneto explicou que esta decorre de uma licença de 10 anos e que se alguém tirou essa licença em 2018 só em 2028 ela não será renovada. Em Portugal podem ter armas os caçadores, praticantes de desporto com armas, colecionadores ou para defesa pessoal.

O que tem acontecido é que, explicou, há muitas armas a ficarem como herança, com pessoas que nunca foram caçadores, atletas ou que não a adquiriram por questões de defesa pessoal, como, exemplificou, famílias de desportistas, de magistrados ou de membros de forças de segurança. O governo quer acabar com essas situações, permitindo, no entanto, a posse da arma se esta for desativada. Caso contrário pode também deixá-la à guarda da polícia ou de um armeiro. “Não se pode alegar que a arma é apenas um objeto decorativo, a não ser que esteja desativada”, avisou.

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A nova lei limita também a 25 o número de armas que cada caçador pode ter. No caso de ter e querer manter mais o caçador terá de preencher os requisitos de colecionador, que têm exigências próprias. Por outro lado a nova lei permite que se possam alugar armas em reservas, por parte de alguém que por exemplo venha caçar a Portugal, algo que não era permitido até agora.

“Muita gente tem armas, mas não tem formação para as ter. Nem justificação. Tem de haver mais controlo”, disse a responsável.

A nova lei, no entanto, não é consensual, já que associações do setor ouvidas pela Lusa dizem que incentiva a ilegalidade, ou que tem aspetos “gravíssimos”. O presidente da Confederação Nacional de Caçadores Portugueses, Fernando Castanheira Pinto, disse estranhar a limitação do número de armas, que não faz parte da diretiva a transpor, e acrescentou que limitar o número de armas é não entender o universo da caça.

É que, disse, o caçador pode ter armas, mas também colecionar, pode ser uma questão de “valorização do património”. “Por vezes são armas que vêm de família. Vai custar desfazer-se desse património. Não entendemos isso e não entendemos a justificação da segurança, porque os requisitos para as ter são iguais aos requisitos para um armeiro. Não conheço caso nenhum de uma casa ter sido assaltada para roubar armas para delinquência. Não há relações diretas”, disse.

Depois, acrescentou, acabar com a detenção de arma leva as pessoas a desfazer-se delas “ao desbarato” ou entregá-las à polícia ou a um armeiro. “Não considero que um armeiro tenha mais idoneidade do que eu nem que trate a arma como eu faria. É gravíssimo acabar com a licença de detenção, vai incentivar a ilegalidade”, disse Castanheira Pinto.

Jacinto Amaro, da Fencaça, federação de zonas de caça, diz que de forma geral a lei é boa, que não faz sentido um caçador ter mais do que 15 armas, mas também critica a eliminação da figura de detenção de arma. “A arma para a pessoa que deixou de caçar tem um valor inestimável, entregá-la à polícia ou a um armeiro não é solução, a arma tem de ser limpa”, disse Jacinto Amaro, lembrando também que há casos, em locais isolados do interior, onde as pessoas deixaram de caçar, mas mantêm a arma por uma questão de defesa pessoal.

“Nas zonas rurais as pessoas sentem-se mais protegidas e ter uma arma é também uma forma de dissuadir de assaltos. Não sei se não lhe sai (ao governo) o tiro pela culatra, se não vai passar a haver mais assaltos”, disse Jacinto Amaro, que entende que a caçadeira não é uma arma de defesa, mas que pergunta: “quem é que passa licença de porte de arma a quem anda a cuidar das ovelhas?”. E depois, como Castanheira Pinto, diz também: “Quem anda a roubar armas não precisa de ir assaltar uma casa para roubar uma caçadeira. Há mercados paralelos para todo o tipo de armas”.

Critica da nova lei é também a Associação Nacional de Proprietários Rurais (ANPC), que acusa o governo de intransigência ao manter propostas restritivas apesar dos “argumentos válidos” que a associação apresentou. A associação, em comunicado divulgado esta segunda-feira, diz mesmo que está em causa “um ataque ao Estado de Direito Democrático”, e citando o secretário-geral da entidade, João Carvalho, diz que Isabel Oneto “parece mais preocupada com o património que cada cidadão detém do que propriamente com as condições de segurança das armas”.

A ANPC considera que o governo não “deixa alternativas viáveis” para os que têm mais de 25 armas de caça, e lembrando também que armas entregues na polícia ou nos armeiros precisam de manutenção. O presidente da ANPC propõe que em alternativa se limite o número de armas que cada caçador ou atirador desportivo pode transportar de cada vez, porque no transporte há mais possibilidade de roubos.

A ANPC frisa que há cidadãos que adquiriram ao longo da vida armas legais, de forma legal, que as detêm legalmente, que adaptaram a casa para as ter em segurança, e têm por isso um património monetário elevado sobre o qual pagaram taxas. “É inadmissível” que o Estado queira agora “espoliar milhares de famílias”, obrigadas a entregar as armas para destruição ou venderem-nas ao desbarato, diz a associação.