Depois de Donald Trump e a Casa Branca, José Mourinho e o Manchester United — o special one passou a controversial one e a maior resistência parece vir de dentro do clube, com a Eurosport a publicar uma carta enviada por alguém dos quadros do Manchester United que, alegadamente, faz parte de um grupo opositor das ideias e liderança do treinador português. E a missiva enviada por um alto responsável — não identificado — da administração norte-americana a assumir que existe um grupo organizado a sabotar as políticas de Trump parece ter servido de exemplo para esta, tal a semelhança na estrutura e nas expressões utilizadas ao longo do texto.
“José Mourinho enfrenta um teste ao seu reinado como nenhum outro treinador moderno o fez no Manchester United. Não é só por causa de Pep Guardiola. Ou que os adeptos estejam amargamente divididos sobre a sua liderança. Ou até mesmo que pode perder Paul Pogba para o Barcelona em janeiro”, começa por explicar a carta, continuando: “O dilema – que ele não compreende totalmente – é que muitos dos altos funcionários da sua administração estão a trabalhar diligentemente de dentro para frustrar parte da sua agenda e aptidões. Eu sei. Sou um deles“.
O texto prossegue com a explicação de que este grupo de resistentes não está contra a atual direção nem as suas intenções: o único alvo é José Mourinho. “Para ser claro, não somos a popular ‘resistência’ de Mark Goldbridge e outros adeptos descontentes. Queremos que a administração tenha sucesso e pensamos que muitas das decisões de Mourinho já tornaram o United mais seguro na defesa e mais resistente quando defronta os melhores que o meio da tabela da Premier League tem para oferecer”, pode ler-se. “Mas acreditamos que o nosso principal dever é para com o clube, e o treinador continua a agir de uma forma prejudicial para a nossa amada equipa. É por isso que muitos dos que trabalham no United prometeram fazer o que estiver ao nosso alcance para preservar a nossa instituição, enquanto frustramos os impulsos errados de Mourinho até ele ficar sem poder”.
Mas, afinal, o que tem Mourinho de errado? “A origem do problema de Mourinho é a amoralidade. Qualquer pessoa que trabalhe com ele sabe que não se guia por qualquer princípio para tomar as suas decisões. Nenhum outro para além do desejo de preservar o ‘respeito’ que ele sente que merece – e a dedicação para continuar com isso”.
Sem esquecer a conquista de troféus como a Liga Europa ou a Taça da Liga, os autores da carta referem que tais conquistas foram obtidas “apesar de Mourinho” e não “por causa de Mourinho”.
“O treinador mostra pouca afinidade com as ideias do United: um estilo ofensivo, extremos destemidos e um carisma genuíno na forma de jogar. O melhor que fez foi invocar esses princípios; o pior foi atacá-los“, criticam os autores, exemplificando: “Mourinho mostra uma preferência por futebolistas autocratas, jogadores altos e fortes, como Matic e Fellaini, e mostra pouco apreço por avançados talentosos que sempre estiveram na génese do United (…) por exemplo, o treinador estava determinado em vender Anthony Martial, um dos nossos melhores avançados. Durante semanas, na digressão aos Estados Unidos, Mourinho queixou-se da licença de paternidade do jogador e mostrou a sua frustração com a sua recusa em regressar mais cedo. Tivemos de tomar uma atitude e começamos a falar com Martial para a sua renovação”.
https://observador.pt/videos/atualidade/quatro-ataques-de-furia-de-jose-mourinho-em-inglaterra/
O ataque ao mercado de transferências também não foi esquecido. “Para além da sua noção de que a imprensa é ‘o inimigo público’, os impulsos de Mourinho são descontrolados, especialmente quando nos tentou convencer a gastar 80 milhões de libras com o Harry Maguire no último dia de mercado. Depois, 35 milhões pelo Yerry Mina. Depois, 18 milhões pelo Diego Godin. Basicamente, qualquer defesa em que pudesse agarrar. Coube-me a mim, quero dizer, a nós, desautorizá-lo”, lê-se.
“As reuniões com ele fogem do assunto e descarrilam, ele entra numa espiral sobre como ganhou mais títulos da Premier League do que todos os outros treinadores juntos e os seus impulsos acabam com decisões mal pensadas que têm de ser recusadas. Como começar com Ander Herrera como terceiro central frente ao Tottenham”, surge explicado.
O rumor da chegada de Zidane ao banco do United foi recordado, assim como os discursos de Alex Ferguson. “Dada a instabilidade que muitos testemunharam, houve rumores de que Zidane poderia chegar neste verão, o que iniciaria um processo complexo de remoção do ‘manager’. Mas ninguém queria precipitar uma crise constitucional. Então, faremos o que pudermos para conduzir isto na direção certa até que – de uma forma ou de outra – o fim chegue”, é explicado, antes da comparação entre o técnico português e o escocês: “A maior preocupação não é o que Mourinho fez ao United, mas sim o que nós, como clube, permitimos que ele fizesse connosco. Afundámos e permitimos que nosso discurso fosse despojado de civilidade. Podemos já não ter o Fergie [Alex Ferguson] na linha lateral, mas vamos ter sempre o seu exemplo. Ele nunca fez um discurso não civilizado”.
No final da carta, surge a garantia: “Estamos a tentar fazer o que está certo, mesmo que Mourinho não queira. Esta é uma resistência silenciosa de pessoas que preferem o clube ao treinador“.
“Jekyll e Hyde da vida real” e a cama feita no Chelsea
A carta publicada pela Eurosport não foi o primeiro testemunho interno sobre a personalidade e forma de trabalhar de Mourinho em terras de Sua Majestade. Na passada quinta-feira, Eni Aluko, jogadora da Juventus que neste verão trocou o Chelsea pelo clube de Turim, publicou um artigo de opinião no The Guardian onde se refere ao técnico português como uma espécie de “Jekyll e Hyde da vida real”.
“O futebol está cheio de personagens diferentes mas, talvez, nenhum tenha uma personalidade tão díspar quanto José Mourinho, como posso testemunhar pela minha experiência pessoal”, começa por dizer a ex-jogadora dos blues, regressando à época 2014/15, quando o Chelsea foi campeão como o português aos comandos.
Aí, Eni Aluko escreveu uma coluna na BBC a elogiar o trabalho de Mourinho e, quando estes se cruzaram no centro de treinos, o técnico abraçou-a e agradeceu-lhe pelas palavras. “Ele estava com um sorriso na cara e um brilho nos olhos”, acrescenta.
Mas, na época seguinte, tudo mudou. “Mais ou menos na altura em que o assunto da Eva Carneiro estava a acontecer, voltei a cruzar-me com ele e cumprimentei-o. Ele ignorou-me, não falou e o olhar dele gritava ‘o que estás aqui a fazer?'”, explica Eni Aluko, que dá o seu ponto de vista sobre a forma de ser do português: “Quando as coisas lhe estão a correr bem e as pessoas dizem bem dele, é a pessoa mais adorável da sala. Mas, quando existe pressão e as coisas não vão bem, aparece uma pessoa completamente diferente — começa a recordar todos do seu passado numa tentativa de esconder os seus falhanços recentes. Tenta lembrar todos do quão grande já foi”.
“As inseguranças de Mourinho levam-no a ter uma personalidade de Jekyll e Hyde na vida real. Agora é a vez do Manchester United lidar com isso. Imaginem se, de cada vez que o Manchester City perdesse um jogo, o Guardiola relembrasse toda a gente do quanto ganhou em Barcelona? Rapidamente se tornava chato”, exemplifica.
Ainda assim, a ex-jogadora do Chelsea defende a continuidade de Mourinho em Old Trafford. “Devia ficar lá e provar que, pela primeira vez na carreira, consegue ultrapassar um período menos bom. Para a saúde do United, espero que comecem a ganhar e ele se acalme”, afirma.
Mas nem sempre Mourinho é o mau da fita. Para Eni Aluko, o Chelsea é um clube diferente, onde quem manda são os jogadores e não os treinadores. Os atletas definem a continuidade dos técnicos e não o contrário, como deveria acontecer. Por outras palavras, fizeram a cama a Mourinho para que saísse do Chelsea.
“Na maior parte dos clubes, são os treinadores que decidem se o jogador fica; no Chelsea, funciona ao contrário. Quando não gostam de um treinador ou simplesmente não serve para eles, forma-se uma agitação no balneário até que algo mude“, conta, dando o exemplo de Eden Hazard: “A forma como ele disse ao Mourinho que estava lesionado e precisava de sair de campo na derrota frente ao Leicester, em dezembro de 2015, que culminou no despedimento do treinador ou a forma como o Hazard já afirmou que, na temporada passada, não estava contente com o trabalho do Conte mostra a influência que os grandes jogadores têm no futuro dos treinadores. Não duvido que eles tentem sempre ganhar os jogos, mas o nível de empenho varia conforme a relação com o treinador. E ,quando não ganham, quem sai é o treinador, não eles“.