“Não é justa nem leal: TVDE no Constitucional” e “Todos agora ou ninguém no futuro”. É com estes lemas que a Federação Portuguesa do Táxi (FPT) e a ANTRAL vão bloquear as avenidas da Liberdade e a Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, e concentrar-se na avenida dos Aliados, no Porto, e na Estrada nacional 125/10, junto ao Aeroporto de Faro, esta quarta-feira. Objetivo? Fazer com que a regulamentação dos transportes em veículos descaracterizados (a lei dos TVDEs), a chamada “Lei Uber”, aprovada e promulgada em julho seja declarada inconstitucional.

Presidente da República promulga lei das plataformas de transporte como Uber e Cabify

A lei dos TVDE, que entra em vigor a 1 de novembro e vai criar um quadro legal para as plataformas eletrónicas de mobilidade como a Cabify, a Uber e a Taxify, tem sido bastante contestada por associações de taxistas e alguns políticos. Prova disso é o tempo que demorou a conseguir consenso na Assembleia da República. Apesar de ter sido aprovada primeiramente em março, foi vetada pelo Presidente da República em Abril por não ser “equilibrada” para os taxistas.

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Que avenidas vão estar bloqueadas pelos taxistas na manifestação?

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Lisboa – a partir das 5h00 (da manhã) – Concentração na Praça dos Restauradores / delegação de dirigentes da FPT e Antral segue até à Assembleia da República. Avenida da Liberdade e Fontes Pereiras de Melo vão ter bloqueios “para todos os carros privados [inclusivé Uber, Cabify e Taxify] e táxis”. Os cruzamentos ficam libertos e todos os veículos de emergência e autocarros vão ter uma via para circular

Porto – a partir das 6h00  (da manhã) – Concentração na Av. Aliados, junto à Câmara Municipal do Porto.

Faro – a partir das 7h00 (da manhã) – Concentração na Estrada nacional 125/10, Junto ao Aeroporto de Faro.

Só depois de voltar a ser aprovada no Parlamento em julho, com os votos a favor do PS, do PSD e do PAN, abstenção do CDS e votos contra do PCP, BE e PEV, é que esta lei foi promulgada, no final do mesmo mês, por Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente da República afirmou que teve em atenção as alterações — “embora que limitadas” — nesta última versão, como a taxa de 5% que as plataformas passam a ter de pagar ao Estado e a hipótese de as empresas de táxis poderem desenvolver a atividade de TVDE desde que em veículos não licenciados como táxis.

Pode a ANTRAL e a FPT conseguir que a lei das TVDE seja declarada inconstitucional?

A solução não agradou aos taxistas. “A única coisa que pedimos é a suspensão da lei, não pedimos alterações”, afirmou o responsável da ANTRAL ao Observador. Vão os taxistas conseguir o que pretendem? Não será fácil. As associações “simplesmente não podem bater à porta do Tribunal Constitucional” para pedir a fiscalização, explica Paulo Otero, constitucionalista e professor catedrático na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Este pedido pode ser feito indiretamente a seis entidades: Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro, Provedor de Justiça, Procurador-Geral da República ou a um décimo dos deputados da Assembleia da República, ou seja, a 23. É nestes deputados que pode estar a esperança dos taxistas, caso o PCP, o BE e o PEV, que votaram contra a lei e somam 31 deputados, concordem em “bater à porta” do Palácio Ratton.

Mesmo que o pedido de fiscalização seja feito, ainda é preciso que os juízes do Tribunal Constitucional declarem a lei inconstitucional. Para isso, Paulo Otero explica que o argumento do “principio da igualdade em termos abstratos pode ser um fundamento”, mas que “resta saber se, materialmente, há uma situação idêntica” entre a lei dos TVDE e o decreto lei que regulamenta o acesso à atividade e ao mercado dos transportes em táxi. Ou seja, se o serviço prestado pelos taxistas é, na verdade, igual ao serviço prestado pelas plataformas como a Uber, Taxify e Cabify.

“O princípio da igualdade [o argumento dos taxistas] diz que, em situações materialmente idênticas, tem de haver tratamento semelhante. Cabe às associações analisar se há ou não esta identidade material entre os táxis e Uber. Se prestam o mesmo serviço têm de estar sujeitos aos mesmo tipos de exigências ou obrigações”, explica o constitucionalista.

Se assim for, “as parecenças [entre os dois tipos de serviços] poderão ser um indício de que, estando a concorrer no mesmo mercado, uns têm um tratamento mais favorável e outros um tratamento mais agravado. Aí, pode haver um fundamento”, continuou a explicar Paulo Otero. Contudo, “resta saber se é procedente” para os juízes do Tribunal Constitucional e isso “pode demorar anos”. Até aí, a lei vai entrar em vigor a partir de 1 de novembro porque as associações não podem exigir a suspensão. “Não há nenhum mecanismo de suspensão da aplicação da lei”, refere o constitucionalista.

A única hipótese que os taxistas têm para suspender a lei já promulgada é passá-la de novo pelo Parlamento, para que seja aprovada uma nova lei que cesse os efeitos desta, explica o professor. “A assembleia da República pode sempre aprovar uma nova lei”, mas atendendo ao consenso que teve entre os maiores partidos com assento parlamentar — o PSD e o PS — é difícil conseguir reverter este cenário. “No fundo [a FPT e a ANTRAL] querem sensibilizar a opinião pública através da manifestação e ver se conseguem sensibilizar deputados para uma fiscalização sucessiva”, afirma o constitucionalista.

“Pedimos para as armas serem iguais para todas as partes”

No dia em que a lei foi promulgada, plataformas como a Uber e Cabify falaram no “reconhecimento” alcançado e num passo “decisivo”. Já as associações de taxistas mostraram descontentamento e convocaram a grande manifestação que se realiza esta quarta-feira e que vai juntar “milhares” em protesto. “É uma lei que permite criar dois regimes para a mesma função social de mobilidade”, contestou ao Observador Carlos Ramos, presidente da FPT. O objetivo dos taxistas é impedir que a lei dos TVDE entre em vigor e, para isso, contam com “mil, mil e quinhentos” taxistas, como explicou Florêncio Plácido de Almeida, presidente da ANTRAL.

“Vamos pedir aos partidos responsabilidades”, afirmou Carlos Ramos. “Até o Presidente invoca que há um desequilíbrio muito grande”, continuou o responsável da FPT, que afirma que o Governo está a ameaçar o serviço dos táxis.

A lei não foi discutida, as nossas opiniões não foram ouvidas. A um pede-se tudo [táxis], a outro tudo se dá [plataformas eletrónicas como a Cabify, a Uber e a Taxify]. Não é possível concorrer”, afirmou Carlos Ramos, presidente da da FPT.

Para impedir que a lei já promulgada entre em vigor a 1 de novembro, as associações de taxistas afirmam que o objetivo da manifestação é conseguir que este documento seja declarado inconstitucional. Questionado sobre qual a inconstitucionalidade desta lei, Florêncio Plácido de Almeida escusou explicar, porque isso “é estar a esvaziar os processos” e disse ainda: “Quando as armas não são iguais para todos os consumidores, é fácil ver a inconstitucionalidade”. Carlos Ramos foi mais informativo na resposta e explicou que o que está em causa “é o princípio da igualdade”. Por isso, a ANTRAL e a FPT pedem que uma das soluções passe por uma “fiscalização sucessiva da constitucionalidade da lei” (parece um palavrão, mas já explicamos como — e se — podem as associações conseguir o que pretendem).

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Para a greve desta quarta-feira, marcada propositadamente para o primeiro dia em que os deputados regressam à Assembleia da República, as duas associações afirmam que “tudo está articulado com a polícia para evitar problemas”, como referiu Carlos Ramos. “Os carros particulares e os táxis não passam na Fontes Pereira de Melo e na Avenida da Liberdade [tirando nos cruzamentos]”, apesar de uma via ficar liberta para autocarros e veículos de emergência. Florêncio Plácido de Almeida promete que “não vão provocar ninguém”, contudo, também deixa o aviso questionado sobre possíveis confrontos como já existiram noutras manifestações: “A polícia é que tem de estar preparada”.

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