Os taxistas que se manifestaram esta quarta-feira em Lisboa foram ao Parlamento reunir com todos os partidos com assento parlamentar. A ideia era procurar apoio para conseguirem enviar a lei Uber para fiscalização sucessiva do Tribunal Constitucional — uma forma de tentar travar o regulamento das plataformas eletrónicas de transporte que comunistas, bloquistas e ecologistas não descartam vir a analisar, mas nem querem chegar a esse ponto: querem revogar a lei no Parlamento já. A lei, que entra em vigor a 1 de novembro e vai criar um quadro legal para as plataformas eletrónicas de mobilidade como a Cabify, a Uber e a Taxify, tinha sido aprovada no Parlamento em julho, apenas com votos contra do PCP, BE e Verdes.

Sabendo que a maneira mais viável de conseguirem que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a lei é apelarem a 10% dos deputados (são precisos apenas 23 deputados para pedir a fiscalização sucessiva de uma lei), os representantes do setor do táxi foram ao Parlamento à procura de aliados. Terminadas as reuniões, só PCP, Verdes e BE se mostraram disponíveis a pedir que a constitucionalidade fosse avaliada (ainda que o plano A seja a revogação da lei), com o PSD e o CDS a insistirem noutra tecla: está tudo bem com a lei Uber, o que está mal é a “lei táxi” — essa legislação cabe ao Governo melhorar, para que as “duas faces da mesma moeda” possam competir de forma “justa”.

Depois da reunião com os dirigentes da Federação Portuguesa do Táxi e da Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros de Passageiros, no Parlamento, o deputado do PCP Bruno Dias mostrou “abertura e disponibilidade para um trabalho de avaliação quantos aos fundamentos e bases” de um pedido de fiscalização sucessiva. Mas, em resposta aos jornalistas, o deputado diz que, para já, os comunistas vão pedir a revogação do diploma que dizem responsabilizar “aqueles que criaram o problema, os que estão neste momento na origem da aprovação desta lei”. O PCP atira a PS, PSD e CDS, que aprovaram a lei no Parlamento, contra a vontade de PCP, Bloco de Esquerda e Verdes, que votaram contra e querem travar a mão no Parlamento. No futuro, se tudo falhar, não fica descartada a hipótese de um pedido de fiscalização sucessiva (cuja resposta não tem prazos, podendo levar muito tempo até haver uma decisão do Tribunal Constitucional).

No Bloco de Esquerda, o discurso é semelhante. Heitor Sousa diz que o partido está “solidário” com os taxistas e vai reapresentar o projeto que tem sobre a Uber “visando a revogação da lei do Governo” que diz ser “estruturalmente errada”. Quanto à fiscalização sucessiva, o Bloco também não a descarta, mas coloca-a noutro plano. “O pedido não é uma iniciativa legislativa igual às outras”, diz o deputado prometendo uma “avaliação” “em conjunto com os outros partidos”.

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“Estamos disponíveis para avaliar as possibilidades” de um pedido nesse sentido ao Tribunal Constitucional, disse o deputado que sublinhou que os argumentos a apresentar têm de ser “bem ponderados”. Para já, o BE quer avançar com a revogação, já que o pedido de fiscalização sucessiva “não interrompe a aplicação da lei”.

A posição volta a repetir-se nos Verdes, que também se mostraram “solidários” com o setor dos táxis, recordando que votaram contra a chamada lei da Uber. Mas, afirmando que as alterações que foram feitas no Parlamento a pedido do Presidente da República, “não resolvem” muitos dos problemas que já existiam, como o facto de o diploma “ignorar o setor do táxi” e criar “desequilíbrios” entre os dois, nomeadamente através das taxas fixas que os táxis têm de pagar e os veículos descaracterizados não, o deputado ecologista José Luís Ferreira disse que se ia bater pela revogação da lei.

Quanto ao pedido de fiscalização sucessiva da lei, os Verdes dizem que, sendo apenas dois, não são suficientes para promover o pedido junto do TC, mas mostram-se disponíveis para responder afirmativamente ao apelo se algum partido o fizer. “Se algum partido nos contactar para formar os 23 deputados necessários, os Verdes estão disponíveis para analisar a questão”, disse o deputado no final da reunião com os representantes do setor.

No PS, o deputado socialista Carlos Pereira saiu da reunião com os mesmo dirigentes, ao início da tarde, a dizer que primeiro é preciso que a lei entre em vigor para só depois poder ser avaliada. Já a questão da fiscalização sucessiva não passa mesmo pela cabeça dos socialistas. “Essa questão não está colocada”, disse Carlos Pereira aos jornalistas.

“Esta lei vai entrar em vigor a 1 de novembro e o PS considera que é preciso primeiro perceber quais as consequências que a lei pode ter de facto no sector e em que dimensão as preocupações do setor do táxi devem ser equacionadas”, disse o deputados socialista sem “fechar as portas a nada”, a não ser ao pedido de fiscalização sucessiva. Na prática o PS não descarta poder vir a alterar a lei que aprovou com os partidos da direita, mas só depois de devidamente avaliada no terreno. “É natural que depois de um debate tão intenso que seja expectável que a lei entre em vigor a 1 de novembro e possamos monitorizar o que vai acontecer”, defendeu Carlos Pereira.

Os deputados podem suscitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade de um diploma junto do Tribunal Constitucional, mas para isso é preciso que o pedido seja assinado por 23 parlamentares.

CDS e PSD chutam “lei táxi” para o Governo. PSD chama ministro

Já o CDS, que se absteve na votação da lei e que, simultaneamente, apresentou um projeto de resolução a recomendar ao Governo que faça acompanhar a regulamentação da Uber com respostas práticas aos problemas do setor dos táxis, empurra a bola para o Governo. “Não se pode dar tudo a uns e não dar aos outros, o Governo prometeu um pacote financeiro de 17 milhões e um conjunto de alterações para modernizar o setor do táxi, por isso estamos à espera que o Governo cumpra o que prometeu ao setor”, disse o deputado Hélder Amaral no final da reunião com os taxistas.

Para o CDS, o modelo das plataformas eletrónicas deve ser regulamentado, mas ao mesmo tempo também o setor do táxi deve ser modernizado e deve ser dotado de “mais armas” para responder aos desafios dos novos tempos. Mas tudo, explicou, numa lógica de benefício para o “utilizador/consumidor”.

Também o PSD, que foi o último partido a reunir-se com os representantes do setor, manifestou posição semelhante à do CDS: “Concordamos com a lei da TVDE como ela existe, é preciso esperar um tempo para avaliar os efeitos práticos da lei, com o que não concordamos é que a par disso não se faça uma revisão da lei do táxi, que está prometida pelo Governo há dois anos”, disse Emídio Guerreiro em declarações aos jornalistas. O PSD quer mesmo ouvir o ministro do Ambiente, que tutela o setor dos transportes, e vai chamá-lo ao Parlamento com caráter de urgência.

A questão, explica o PSD, é que a legislação dos táxis é “arcaica e antiga” e tem de ser modernizada para fazer face à concorrência que agora existe. “Falta completar a outra face da moeda, e o governo não completa, não se percebe porquê”. “Há vários projetos de resolução sobre a modernização do setor do táxi, queremos acelerar este processo para haver duas realidades ao serviço das pessoas”, mas a competir de forma “justa” e “equilibrada”, adiantou.

Quanto ao pedido de ajuda do setor para a formalização de um pedido de fiscalização sucessiva junto do TC, tanto os centristas como os sociais-democratas dizem que isso não está em cima da mesa. “Os grupos parlamentares fizeram um debate exaustivo sobre o tema, e o Parlamento respondeu a todos os aspetos que o Presidente da República pedia, menos a um: o da modernização do setor”, diz Hélder Amaral, justificando porque é que não há necessidade de mandar a lei para o TC quando nem o Presidente da República o fez. “Vamos pôr o foco onde ele existe, a fiscalização da lei não está em cima da mesa”, sublinhou ainda Emídio Guerreiro.

Os centristas lembram ainda que as alterações à lei até já admitem a hipótese de as empresas de táxis puderem desenvolver a atividade de transporte em veículos descaracterizados desde que a atividade seja feita em veículos não licenciados como táxis.