O ex-primeiro-ministro José Sócrates disse, numa entrevista ao jornal brasileiro Folha de São Paulo, que tenciona escrever um livro sobre a Operação Marquês. Questionado sobre se considerava que o Partido Socialista o traiu ao não o defender durante o processo, Sócrates respondeu que “a traição tem uma dimensão pessoal”, mas recusou mais comentários.
“Não quero fazer este comentário. Um dia, fá-lo-ei. Mas, para já não vem a propósito. Vou escrever um livro sobre isto”, disse Sócrates.
O antigo governante, acusado de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal na Operação Marquês, fez ainda comparações entre a sua situação e a do antigo presidente brasileiro Lula da Silva. “A diferença é que o PT [Partido dos Trabalhadores] manteve-se sempre ao lado do Lula. A primeira coisa que o Partido Socialista fez foi procurar afastar-se. A verdade é que o PS, ao longo de dois anos, foi cúmplice de todos os abusos”, afirmou.
Sobre a polémica em torno da escolha do juiz para o julgamento do caso, Sócrates considerou que “existe aqui um julgamento inquisitorial”. “O que separa o sistema inquisitorial do sistema acusatório é justamente o facto de não ser, a pessoa que julga, a mesma que investigou”, disse o antigo primeiro-ministro.
Tendo o tribunal dois juízes, “a lei impõe que a operação de distribuição seja por sorteio, que é a operação mais democrática de todas”, mas “não foi isso que aconteceu”.
“A legitimidade básica do juiz é que ele está acima das partes. O Ministério Público resolveu escolher um árbitro. Eu nunca tive um juiz imparcial. Não há julgamentos justos sem um juiz imparcial”, disse Sócrates.
Na semana passada, num artigo de opinião publicado no site da TSF, José Sócrates já tinha afirmado que o processo Operação Marquês tinha sido “viciado, corrompido desde o seu início, por forma a ter o juiz titular que uma das partes desejava, um juiz com partido, um juiz escolhido”.
Na entrevista à Folha de São Paulo, Sócrates comparou a escolha do juiz com o caso de Lula da Silva, dizendo que “o Estado escolheu um juiz de Curitiba quando está claro que a questão do triplex nada teve a ver com a Petrobras”. “Portanto, não deveria ser ele”, considerou.
O ex-primeiro-ministro voltou a criticar a “motivação política” que considera estar por trás do processo. “A mesma coisa no Brasil, com a prisão do Lula. Isto me parece evidente. Mas aqui isso é um bocadinho mais hipócrita”, disse.
“Tudo isso convinha à direita: tirar-me do espaço público, garantir que eu não me candidatasse à Presidência da República em 2015. Eu não fazia tensões disso, mas a direita achava que o PS me iria escolher para ser o candidato. Eles procuraram tirar-me do jogo”, afirmou Sócrates, apontando o dedo à “direita política”, que, diz, achou que tinha “chegado o momento para construírem suas biografias políticas”.
Sócrates elogiou também Lula da Silva, sublinhando que o ex-presidente brasileiro “mostrou ao mundo que a esquerda latino-americana sabe governar”