Viveram-se momentos tensos às portas do Parlamento da Catalunha, estas segunda-feira. As manifestações, no dia em que se completa um ano sobre o referendo considerado ilegal pelo Tribunal Constitucional espanhol, terminaram em confrontos na fase final da marcha que juntou 180 mil pessoas em Barcelona. Um grupo de manifestantes enfrentou os Mossos d’Esquadra, tentando romper o cordão policial, e chegou mesmo a rodear o Parlamento.

No exterior do edifício, houve cenas de tensão quando vários manifestantes atiraram cercas de proteção e ovos contra as autoridades. Alguns chegaram mesmo à porta do edifício, onde se queimaram bandeiras espanholas e ouviram gritos de ordem: “O povo manda, o Governo obedece”, “Que o povo tome o poder”.

Os manifestantes rodearam o Parlamento, segurando cartazes e colando autocolantes com a mensagem “República em Construção” e chegaram mesmo à porta do edifício. As movimentações no exterior do edifício obrigaram mesmo as forças de autoridade a refugiarem-se no interior, mas os efetivos foram reforçados e, com o auxílio de bastões e projéteis, conseguiram esvaziar a zona e fechar as portas do Parque da Cidadela, onde fica o Parlamento.

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Esta foi a primeira vez que os manifestantes conseguiram atingir as portas do Parlamento da Catalunha. Apenas tinham chegado ao gradeamento, o que aconteceu, por exemplo, a 15 de junho de 2011, quando o então presidente da Generalitat, Artur Mas, teve de aceder à Câmara de helicóptero, enquanto os acessos eram ocupados por um milhar de manifestantes.

Corte de estradas e caminhos de ferro

As manifestações começaram nas primeiras horas da manhã, quando um grupo de ativistas pró-independência cortaram ruas, estradas e ferrovias na Catalunha. Quim Torra, presidente da Generalitat (governo regional catalão), apoiou as ações dos manifestantes, no seu discurso oficial de celebração da data, proferido esta manhã, por volta das 10h00 (9h00 em Lisboa): “Obrigado por pressionarem, fazem bem em pressionar.”

A 1 de outubro de 2017, os catalães foram às urnas, convocados pelos Governo Regional, para responderem à questão “Quer que a Catalunha seja um estado independente em forma de república?”. Mais de 90% dos eleitores responderem que sim.

Um ano depois, os distúrbios tomaram conta das ruas de várias cidades da Catalunha. Em Girona — segundo informação avançada pelos jornais El Pais e El Mundo, que citam a polícia catalã (Mossos d’Esquadra) —, os ativistas cortaram várias ferrovias do AVE, o comboio de alta velocidade espanhol, o que levou à suspensão de várias ligações ferroviárias. O protesto durou cerca de duas horas, e os ativistas desmobilizaram por volta das 9h00 (8h00 em Lisboa).

À frente da maioria destes protestos estavam, segundo os jornais espanhóis, grupos de cidadãos agrupados nos chamados Comités de Defesa da República (CDR). Na estação de Girona, juntaram-se cerca de 200 ativistas e a polícia não conseguiu conter o seu avanço, relatou a agência de notícias Efe.

Sabe-se também que os CDR cortaram a autoestrada A2 em Lérida, e a AP7 em Cambrils (Tarragona). Nesta última, a informação era de que estariam a deixar passar apenas veículos pesados. As barricadas foram levantadas às 11h10 (menos uma hora em Lisboa), depois de quatro horas de protesto. Outras notícias na imprensa espanhola deram conta de concentrações junto às torres do CaixaBank, em Barcelona, cidade catalã onde, durante as primeiras horas da manhã, havia pelo menos três concentrações de manifestantes. Os ativistas tentaram impedir que os trabalhadores entrassem no edifício do banco.

As várias concentrações desta segunda-feira acontecem depois de, em 11 de setembro, um milhão de pessoas terem participado numa manifestação nas avenidas do centro de Barcelona por ocasião de “A Diada”, o Dia da Catalunha. Na passada semana, houve relatos de vários confrontos entre polícias e independentistas que terminaram com 24 feridos e dois detidos, nas ruas de Barcelona.

Enquanto os cidadãos se manifestavam nas ruas, o presidente da Generalitat, Quim Torra, acompanhado de outros membros do governo regional, celebrava a data em Sant Julià de Ramis, cidade onde o seu antecessor, Carles Puigdemont, não conseguiu votar há um ano, na sequência das grandes cargas policiais.

Depois de conhecidos os resultados do referendo, Puigdemont, que era à data presidente da Generalitat, declarou a independência catalã de forma unilateral. Acabaria acusado, pelo Supremo Tribunal espanhol, de rebelião, peculato e desobediência. Puigdemont vive exilado na Bélgica, depois de a Justiça espanhola não ter conseguido a sua extradição da Alemanha.

A cerimónia oficial desta segunda-feira teve lugar exatamente no pavilhão desportivo onde, há um ano, estavam instaladas as urnas de voto. A primeira fila de cadeiras estava reservada aos presos ligados à causa independentista e aos líderes catalães que tiveram de abandonar o país para não serem levados à justiça. De forma simbólica, os seus retratos ocuparam os lugares deixados vagos.

Nove dirigentes independentistas estão presos à espera de julgamento por delitos de rebelião e/ou peculato e pelo seu envolvimento na tentativa separatista falhada.

Torra agradece aos manifestantes

Durante o seu discurso oficial, Quim Torra apoiou publicamente os boicotes que os CDR levaram a cabo durante toda a manhã, como forma de exigir a independência da comunidade autónoma espanhola. “Obrigado por pressionarem, fazem bem em pressionar”, disse o presidente da Generalitat, dirigindo-se aos manifestantes.

Sobre a data que os catalães comemoram esta segunda-feira, Torra referiu-se a ela como uma expressão de liberdade e de democracia, o dia do “surto democrático”, em que o povo catalão demonstrou o “seu compromisso” com a liberdade: “O primeiro de outubro é e será sempre a democracia em estado puro, derrotando o medo e a ameaça.”

“Quase todos os membro daquele governo [liderado por Puigdemont] estão na prisão ou no exílio. Um ano depois, vivemos uma situação de gravidade absoluta. Um ano de prisão preventiva. Exigimos que os presos políticos sejam postos em liberdade e o regresso dos refugiados. Este governo reitera o seu compromisso com o mandato democrático de 1 de outubro”, acrescentou Torra.

“A democracia e a liberdade serão sempre a bandeira da Catalunha”, disse o presidente do governo regional, terminado com esta frase a sua mensagem institucional.

Já ao final da manhã, o presidente da Sociedade Civil Catalã, José Rosiñol, veio pedir a demissão de Quim Torra e a convocação de eleições antecipadas por este “apoiar publicamente” as ações dos CDR. Rosiñol, que lidera a organização civil contra a independência da Catalunha, considerou que o presidente da Generalitat está a tomar partido “pelos que estão a restringir a liberdade dos catalães” e isso torna-o inapto para liderar o governo regional.

Também Pablo Casado, presidente do Partido Popular, veio exigir a Pedro Sánchez, chefe do Executivo espanhol, que aplique o artigo 155 da Constituição que prevê como deve o Estado atuar no caso de uma região autónoma de Espanha interromper o cumprimento da lei geral, ou colocar em causa o interesse da nação.

“Torra acaba de apoiar a guerrilha do CDR, Sanchez não tem desculpa para não ativar o art.155 ou convocar eleições gerais, caso contrário ele é incompetente ou cúmplice dos golpistas e, em ambos os casos, não está apto para governar a Espanha “, escreveu o líder do PP no Twitter.

Quim Torra (centro), Roger Torrent (esquerda) e o autarca de Sant Julià de Ramis, Marc Puigtio (AFP/Getty Images)

Puigdemont demarca-se dos CDR

Ao contrário de Quim Torra, Carles Puigdemont demarcou-se da ação dos CDR, considerando imprescindível manter a via “do civismo”. O antigo presidente da Generalitat considerou que “a violência não é nunca uma opção” numa mensagem vídeo publicada nas redes sociais.

Dizendo-se convencido de que o caminho da independência da Catalunha não tem volta atrás, Puigdemont alertou os catalães de que é fundamental “não caírem nas provocações” dos “adversários” da causa independentista, e pediu-lhes que não se desviem do objetivo.

“Não nos desviemos do único caminho possível para viver uma democracia plena: a conquista da república catalã e o seu reconhecimento oficial”, defendeu o político que vive exilado na Bégica.

Edifício tomado de assalto e içada a bandeira da Catalunha

Por volta das 10h00 horas locais (9h00 em Lisboa), os manifestantes tomaram de assalto a subdelegação da Generalitat em Girona, com o objetivo de chegar ao terceiro andar, para conseguir chegar à bandeira espanhola hasteada no edifício.

Os cinco Mossos d’Esquadra que ali estavam destacados, a que se somavam os dois seguranças de plantão no edifício, não foram suficientes para travar a multidão que conseguiu cumprir o seu objetivo: substituir a bandeira espanhola por uma bandeira catalã.

“Agora sim, a delegação da Generalitat parece muito melhor sem a bandeira espanhola”, publicaram os CDR na sua página de Twitter, numa publicação onde se via a bandeira do país caída nas ruas de Girona.

Os separatistas reclamam há muito tempo um referendo regional sobre a independência da Catalunha, em moldes semelhantes aos que foram realizados no Quebeque (Canadá) ou na Escócia (Reino Unido), mas a Constituição espanhola apenas permite uma consulta eleitoral deste tipo se for realizada a nível nacional.

Durante o seu mandato, Carles Puigdemont, apoiado desde 2015 por uma maioria parlamentar de partidos separatistas, organizou e realizou um referendo a 1 de outubro de 2017, que foi considerado ilegal pelo Tribunal Constitucional espanhol. O processo de independência foi interrompido em 27 de outubro de 2017, quando o Governo central espanhol decidiu intervir na Comunidade Autónoma. As eleições regionais, que se realizaram em 21 de dezembro último, voltaram a ser ganhas pelos partidos separatistas.

“Não esquecemos, não perdoamos”

Também os estudantes universitários se juntaram às manifestações, em Barcelona. Os jovens chegaram mesmo a pintar o lema do protesto — “1 de outubro, não esquecemos, não perdoamos” — na calçada em frente à sede da Polícia, na rua Laietana. O Sindicato dos Estudantes avança que foram mais de 100 mil os jovens que se mobilizaram em Barcelona, esta tarde.

Além dos protestos em Barcelona, também em Lérida cerca de mil estudantes se manifestaram (segundo números da polícia local). Os jovens partiram da Reitoria, dirigiram-se pela Rambla Aragón até à praça Ricard Vinyes, passando muito perto da sede da Polícia Nacional rumo à Subdelegação do Governo.

Aí, viveram-se momentos de tensão quando os manifestantes derrubaram as grades que delimitavam o perímetro de segurança, após o qual se encontravam os Mossos d’Esquadra. Entre outras frases de ordem, os estudantes gritavam “Fora, fora a bandeira espanhola”, “Menos polícia e mais educação” e “Liberdade para os presos políticos”.