Em novembro de 1965, David Bowie ainda era David Jones, um rapaz de 18 anos vindo de Brixton, com vontade de fazer música e possivelmente sem imaginar ainda que se viria a tornar uma referência da cultura pop do século XX. Querendo ser ouvido, submeteu-se a um “casting” na rádio pública britânica BBC. Bowie tocou os temas “Out of Sight”, “Baby that’s a promise” e uma versão de “Chim Chim Cher-ee”, do musical Mary Poppins, acompanhado pelo seu grupo The Lower Third. Responsáveis por avaliar se o jovem era suficientemente bom para tocar na rádio, os jurados não ficaram convencidos. Cinco dos sete analistas de talento vetaram Bowie. “É um cantor sem personalidade” e “não é especialmente emocionante” foram algumas das críticas mais veementes. “Aborrecido” e líder de um grupo que, “sem evidenciar grandes defeitos, em termos musicais, não entretém em nada”, foram outras críticas.

A revelação do primeiro “não” da BBC a David Bowie surge num novo documentário produzido pela própria estação britânica. Intitulado “David Bowie: The First Five Years” (“David Bowie: os primeiros cinco anos”), encerra uma trilogia de filmes dedicados ao cantor, dirigida pelo cineasta Francis Whately e que inclui ainda “David Bowie: The Last Five Years”, sobre os últimos cinco anos de atividade do cantor, e “Bowie: Five Years”. Como refere o jornal londrino The Times, um dos jurados da equipa de prospeção de novos talentos da BBC colocou mesmo em causa o futuro do cantor, dizendo que os defeitos da banda não se resolviam com maior maturidade na escrita de letras ou maior rodagem. Mesmo com mais ensaios era impossível melhorarem a ponto de merecerem espaço na rádio, acrescentava esse analista.

Poder-se-ia imaginar que, à data, o problema de David Bowie, então David Jones, era a companhia de músicos pouco talentosos. Afinal, o músico tocava com um trio de blues (The Lower Third) que não gravou consigo o grande êxito “Space Oddity”, editado apenas quatro anos depois dessa audição na BBC. O problema dos jurados, contudo, não era com a banda, era mesmo com Bowie, rapaz “que não sobressaía o suficiente” e vocalista “amador que canta notas equivocadas e de forma desafinada”, como refere o El Español.

Um ano sem o David Bowie de uma vida

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O concerto que Bowie deu e ninguém quis ver

O novo filme terá aproximadamente 90 minutos de duração e mostrará o período que antecedeu o aparecimento da sua famosa personagem, Ziggy Stardust, revelando o percurso percorrido por Bowie até se tornar um ícone da cultura popular. Bastante centrado no ano de 1966, pouco tempo depois do músico inglês ter assumido o nome pelo qual é conhecido, o filme mostra-nos como o músico, ao conjugar os seus múltiplos interesses pessoais, conseguiu criar, não apenas o seu alter ego, Ziggy Stardust, mas também todas as canções que marcaram gerações.

O realizador Francis Whately, em entrevista à BBC, afirmou que “fazer esta trilogia foi uma experiência incrível para mim. Revelamos gravações raras, bem como imagens de arquivo nunca vistas e tivemos o privilégio de ter o testemunho de muitos amigos e colaboradores que falaram abertamente da vida privada do Bowie, que tanto admiravam. Ele é talvez mais famoso agora que morreu do que durante a sua vida e espero que o documentário consiga demonstrar fielmente os primeiros anos da sua carreira”.

Num dos excertos do documentário, ouve-se Bowie dizer: “Eu passei todos os meus anos de formação a adotar disfarces e a mudar de papéis, a aprender a ser alguém. Eu queria ser aceite como David Bowie – o tipo de pessoa que os outros olharão para ver o que anda a fazer”. Como se percebe pelo seu impacto na cultura popular e sucesso (mais de 140 milhões de discos vendidos), a missão foi cumprida.

Uma conversão tardia ao culto de Bowie

Bowie em 15 frases: “Freud ia adorar conhecer-me”