Rovisco Duarte, Chefe de Estado Maior do Exército, entregou um pedido de demissão ao ministro da Defesa esta quarta-feira de manhã. Fontes que acompanharam o processo garantiram ao Observador que o pedido de demissão surgiu depois de uma espécie de ultimato do novo ministro, João Gomes Cravinho. Ou seja, se Rovisco Duarte não se demitisse, teria provavelmente sido demitido, na sequência do escândalo do assalto a Tancos.
Numa mensagem enviada já esta tarde aos militares do ramo, Rovisco Duarte justifica a sua saída com o momento político, dando sinais de que as motivações são menos pessoais do que à partida se sugeria. “A todos vós, e unicamente a vós, devo uma explicação: as circunstâncias políticas assim o exigiram”, escreve o general sobre a sua saída, numa nota a que o Observador teve acesso.
Horas antes, em entrevista à TSF, Carlos César tinha dito que, após a demissão do ministro da Defesa, esperava “consequências do ponto de vista das Forças Armadas, em particular, do Exército”, o que já indiciava esta demissão.
Perante as contradições sobre o que levou Rovisco Duarte a apresentar esta quarta-feira a sua demissão, o Presidente da República optou por ser parco nas palavras. Em Vila Franca de Xira, Marcelo limitou-se a dizer que o “aquilo que está no sitio da presidência foi o que estava na carta” que recebeu em Belém da parte do general, ou seja, que foram suscitadas razões pessoais para deixar o cargo. “Não tenho mais nada a dizer”, a não ser que “foi apresentada” pelo general “a decisão de resignar” às funções que desempenhava” apresentando “razões pessoais” para esse efeito. Essa carta “foi enviada para o Governo”, que agora terá de ouvir o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas para a nomeação do próximo CEME e fazer aprovar essa escolha em Conselho de Ministros, para depois levar o nome a Belém.
Rovisco Duarte acrescenta que a ideia de que já esperava um mandato duro quando chegou ao cargo. “Quando assumi funções, estabeleci uma linha de ação para o meu comando que assentava sobre uma visão de modernidade, qualidade e equilíbrio entre os diferentes subsistemas que compõem o Exército. Sabia que iria ser uma campanha dura”, refere.
No site da Presidência — para o qual o Exército remeteu –, foi publicada uma nota em que se refere que o Presidente da República recebeu esta quarta-feira “uma carta do general Francisco José Rovisco Duarte, que, invocando razões pessoais, pede a resignação do cargo de Chefe de Estado-Maior do Exército”. De acordo com essa nota, “a carta foi transmitida ao Governo, a quem compete, nos termos constitucionais e da Lei orgânica das Forças Armadas, propor ao Presidente da República a exoneração de chefias militares, ouvido o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas”.
Fonte oficial do Exército acrescenta que apenas o CEME apresentou um pedido de demissão. O tenente-general Campos Serafino, atual vice-CEME, manter-se-á em funções, apesar de o seu nome ter sido intercetado nas escutas da Operação Húbris. Foi numa conversa com o major Vasco Brazão, na altura em missão na República Centro Africana, que o então diretor da PJ Militar se refere ao vice-CEME como tendo ouvido do general Rovisco Duarte a ideia de que o CEME não desejava que a Polícia Judiciária (PJ) civil encontrasse primeiro o material de guerra alegadamente furtado de Tancos.
Também o Ministério da Defesa Nacional confirmou que recebeu um pedido de demissão de Rovisco Duarte sustentado em “motivos pessoais”. Em comunicado, o ministério de Gomes Cravinho refere que “na sequência deste pedido, foram iniciados os procedimentos adequados com vista à nomeação de um novo Chefe do Estado-Maior do Exército”, sem adiantar qualquer outro dado a esse respeito.
Foram dois anos e meio atribulados, aqueles que Rovisco Duarte passou na chefia do maior ramo das Forças Armadas. O general alentejano chegou ao cargo em abril de 2016, em substituição de Carlos Jerónimo, que pediu para sair na sequência de uma polémica relacionada com a discriminação de alunos do Colégio Militar por motivos sexuais.
Meses mais tarde, dois recrutas do 127º curso de Comandos — Hugo Abreu e Dylan Araújo — morreram na primeira semana de formação, vítimas de golpes de calor. Foi o primeiro grande abalo na liderança de Rovisco Duarte e que culminou com a acusação do Ministério Público contra duas dezenas de militares com responsabilidades no curso por suspeitas de ameaças contra a integridade física.
Chefe do Exército processado por arguido do processo das mortes no curso dos Comandos
O processo, cujo julgamento começou há duas semanas, envolveu diretamente o general CEME. Nomeadamente quando o diretor do curso de Comandos avançou com uma queixa judicial contra o chefe do Exército por alegadamente ter ignorado uma denúncia de irregularidades relacionadas com o guião da Prova Zero (durante a qual os dois militares morreram) onde se relatavam privações de água aplicadas aos recrutas. Alexandre Lafayette, advogado do tenente-coronel e diretor do curso 127, explicou que a queixa foi “apresentada porque se verificou que o CEME [chefe de Estado-Maior do Exército] ignorou uma denúncia feita em fevereiro de 2017”.
Depois, foram levadas várias toneladas de material de guerra dos Paióis Nacionais de Tancos. E, durante mais de um ano, o general Rovisco Duarte resistiu às pressões para deixar a chefia do Exército. No Parlamento, essa pressão foi liderada pelo CDS, que aliava essa exigência à saída de Azeredo Lopes. Agora, cinco dias depois de o ministro sair, o general Rovisco Duarte toma a mesma decisão e sai.