Tic, tac, tic, tac… Os ponteiros do relógio não param quietos e está cada vez mais próximo o dia em que se anunciam as novas entradas no Guia Michelin Portugal e Espanha. A cerimónia, que acontece já no próximo dia 21 de novembro, vai decorrer pela primeira vez em território luso, Lisboa, e chega com grandes expectativas. Houve sempre a ideia subliminar de que quando esta gala se estreassem em Portugal, grandes novidades se adivinhavam — apesar de teoricamente, tal estreia não significar nada desse género, como o Observador já explicou há uns dias. Teremos o primeiro três estrelas? Quem serão os novos galardoados? Haverá surpresas? As dúvidas são muitas e é para tentar domá-las que surge esta listagem de possíveis vencedores.
Na enumeração que se segue fique a perceber melhor quem poderá vir a entrar (ou reforçar a sua presença) no famoso guia gastronómico, bem como a probabilidade da previsão poder vir a confirmar-se.
Belcanto
Largo de São Carlos, 10, Lisboa (Chiado); 213 420 607
A favor: É inegável que atualmente, o chef José Avillez é a figura mais destacada do panorama gastronómico nacional. Foi um pioneiro em diversos temas associados à restauração, é presença frequente em eventos no estrangeiro, construiu um verdadeiro império de comidas, está prestes a abrir um restaurante no Dubai e continua a trazer para o país a influência de uma série de cozinheiros estrangeiros que se juntam a ele para abrir novos conceitos (veja-se a Cantina Peruana, o Barra Cascabel Lisboa ou até o mais recente Za’atar). No seu bi-estrelado Belcanto mantém um trabalho de topo, pleno em consistência — algo que os inspetores muito valorizam — e até já contrariou aqueles que o acusavam de raramente fazer pratos novos, com o recente menu Evolução. Tudo isto coloca-o na aparente eminência de ganhar a terceira estrela, ideia que ganha ainda mais força considerando que se a gala é em Lisboa pela primeira vez, isso pode trazer bónus.
Contra: Existem poucas coisas tão incertas como os critérios do guia, mas há um fator que muitos têm como mais que certo: chefs que se dividem em mil e um projetos costumam ser prejudicados. Miguel Laffan, por exemplo, sentiu isso na pele quando perdeu a entretanto recuperada estrela no seu L’and Vineyards. Olhando para o número de inaugurações que o chef Avillez tem protagonizado só neste ano — sete, no total — a dúvida levanta-se. Será o suficiente para lhe roubar o estrelato? Talvez.
Veredito
Ocean
Hotel Vila Vita Parc, Rua Anneliese Pohl, Alporchinhos (Algarve); 282 310 100
A favor: Liderado pelo austríaco Hans Neuner, o restaurante Ocean é um dos melhores e mais luxuosos restaurantes do país e, ao mesmo tempo, um dos primeiros a ter ganho as duas estrelas — que até hoje mantém. Apontado por muitos como o “adversário direto” de José Avillez no caminho rumo ao ambicionado tri-estrelato, mantém a sua corrente altamente criativa nos novos pratos que frequentemente vai introduzindo. A juntar a tudo isto é alicerçado financeiramente pelo hotel onde mora e que tanto já investiu em torná-lo num dos melhores restaurantes do país. Seguindo a mesma lógica circunstancial de que a gala só viria para Portugal quando tivesse “grandes novidades” para dar, é possível que as três estrelas no Ocean seja o concretizar desse argumento.
Contra: Repescando a expressão “faca de dois legumes”, que o treinador de futebol Jaime Pacheco celebrizou há uns bons anos, o facto de a cerimónia das estrelas realizar-se em Portugal pode significar que finalmente teremos um três estrelas, o que faz do Ocean um dos principais candidatos para as alcançar. Precisamente pelo mesmo motivo, o guia pode preferir premiar José Avillez, um chef luso, com imensa projeção internacional e que até foi escolhido para coordenar os seus colegas estrelados de Lisboa no jantar pós-gala.
Veredito
Alma
Rua Anchieta, 15, Lisboa (Chiado); 213 470 650
A favor: O termo “ascensão meteórica” existe por algum motivo, apesar de serem raras as vezes em que é utilizado. Exemplo disso foi a atribuição da primeira estrela Michelin ao Alma, de Henrique Sá Pessoa ( e a do Loco, de Alexandre Silva), que não tendo sequer um ano de funcionamento entrou logo para a lista dos eleitos. Acontece que o relâmpago pode vir a “cair duas vezes no mesmo sítio” e isso significa que o mesmo Alma pode vir a atingir as duas estrelas na próxima quarta-feira, 21 de novembro. A qualidade do trabalho feito por Sá Pessoa e sua equipa tem mantido o registo coerente e criativo que o caracterizaram desde o início e Lisboa pode acabar por ver a história repetir-se: o Belcanto, de José Avillez ganhou a primeira estrela em 2012 e em 2014 venceu a segunda. Também vai fazer dois anos desde a primeira vitória de Sá Pessoa e agora o chef arrisca-se a igualar o seu vizinho da frente.
Contra: A passagem da primeira para a segunda estrela é um feito bastante complicado de alcançar e é sempre difícil perceber ao certo se foi alcançada bitola pretendida pelos inspetores ou não. A juntar a isso há o facto de Henrique Sá Pessoa ter-se aventurado, este mesmo ano, em três novos projetos (a filial do portuense do Tapisco, o Balcão, no Gourmet Experience do El Corte Inglés, e o Atelier), algo que é sempre terreno instável no que toca à avaliação do guia.
Veredito
Feitoria
Altis Belem Hotel & Spa, Doca do Bom Sucesso, Belém; 210 400 208
A favor: Tem sido impressionante assistir à evolução do trabalho do chef João Rodrigues, o cozinheiro do Feitoria. Nos últimos anos tem vindo a afinar a sua comida, virando-se cada vez mais para o produto típico português e para as formas de o fazer sobressair cada vez mais. À boleia do seu Projeto Matéria, uma profunda investigação dos ingredientes típicos portugueses, tem ressuscitado receitas e tradições dando-lhes uma nova vida. A simplicidade e sabor que serve nos seus pratos fazem com que tenha sido o eterno candidato à segunda estrela, nos últimos tempos, e este pode ser o ano em que isso se concretiza — tem mantido a elevada qualidade exigida a um espaço como o Feitoria e promete não parar por aqui.
Contra: Mugaritz, Noma, Nerua — há restaurantes que parecem estar bloqueados aos olhos dos inspetores Michelin. Os dois primeiros estão há vários anos “presos” nas duas estrelas, o segundo na primeira, mas todos têm mais que justificado uma clara subida de escalão — só que tal nunca acontece. O Feitoria começa a parecer-se cada vez mais com estes exemplos, nunca caindo nas graças do guia que insiste em não lhe dar o que ele merece. Fala-se em argumentos como “estar virado para um parque de estacionamento” ou “fazer parte de um hotel” como pontos negativos, mas aquilo que mais devia pesar é a comida. Isso já acontece, resta saber se o faz de forma suficiente aos olhos de quem decide.
Veredito
São Gabriel
Avenida Almirante Mendes Cabeçadas, Almancil (Algarve); 289 394 521
A favor: O São Gabriel, à semelhança do Feitoria, enquadra-se na lista de restaurantes que “estão para ser” mas “ainda não são”. Apontado como vencedor da segunda estrela há vários anos, o restaurante do criativo Leonel Pereira é um dos mais inventivos da rota estrelada do sul do país e a prova disso, por exemplo, encontra-se na relação estreita que o chef mantém com a Universidade do Algarve e os seus departamentos de investigação, que em conjunto procuram novas formas de explorar tudo o que mar, rio e ria tem para oferecer — sempre de forma inovadora e sustentável.
Contra: Ao longo dos anos, o Algarve foi-se tornando na região mais estrelada do país, somando atualmente 10 estrelas em oito restaurantes (Ocean e Vila Joya com duas cada, e os restantes com uma). Tanta concentração pode demover o guia de premiar ainda mais uma zona do país que já está bem servida. Nos últimos tempos também não têm surgido novos espaços que se possam ter chamado à atenção dos inspetores. O que é que isto tem a ver com o restaurante em si? Nada, claro, mas o guia muitas vezes tem destas coisas.
Veredito
Midori
Penha Longa Resort, Estrada da Lagoa Azul, Linhó, Sintra; 219 249 011
A favor: O trabalho que o chef Pedro Almeida tem desenvolvido neste que é o restaurante asiático do Penha Longa Resort (onde já mora o estrelado Lab, de Sergi Arola) é notável. Em poucos anos conseguiu transformar o Midori num dos projetos mais interessantes do país, muito por culpa da identidade luso-asiática que solidificou e implementa nos seus pratos. O passar do tempo ajudou-o a consolidar ideias, processos e filosofias e encontras atualmente num excelente momento de forma. Com simplicidade e técnica serve comida saborosa e inteligente que será mais que suficiente para convencer os inspetores do guia.
Contra: Um restaurante de hotel tem muitas vantagens em relação a outros mais independentes, ao mesmo tempo, porém, tem uma série de constrangimentos causados pela necessidade de nunca poderem divergir muito das necessidades da unidade hoteleira onde habitam. No Midori parece haver liberdade e investimento para que o restaurante viva por si, mas o facto de coexistir no mesmo universo que o Lab by Sergi Arola, que tem uma estrela e não seria de estranhar que pudesse chegar à segunda, pode ser limitativo. Felizmente tudo aponta para que tal não aconteça.
Veredito
A Cozinha por António Loureiro
Largo do Serralho, 4, Guimarães; 253 534 022
A favor: De vez em quando o guia gosta de surpreender, veja o exemplo de 2016 quando foi anunciado que a única estrela desse ano era a do BonBon, restaurante algarvio que era desconhecido por muita gente. Este ano parece que vai voltar a haver algo parecido e A Cozinha Por António Loureiro pode ser protagonista. O responsável por este espaço que mora na cidade de Guimarães foi o vencedor do concurso Chefe Cozinheiro do Ano em 2014 e desde então refugiou-se a norte, na casa onde tem servido comida interessante e que, ao que parece, chamou à atenção do “guia vermelho”.
Contra: O chef deste A Cozinha ainda é um nome bastante desconhecido — pelo menos para a grande maioria do público — e a falta de exposição mediática pode ser um ponto contra. O facto de grande parte dos restaurantes estrelados em Portugal encontrarem-se junto a grandes cidades (com exceção da Casa da Calçada, e do L’and Vineyards) também poderá ter feito com que o restaurante tivesse mais dificuldade em aparecer no “radar” dos inspetores.
Veredito
G Pousada
Pousada de São Bartolomeu, Bragança; 273 331 493
A favor: Um ano Michelin em cheio seria um que tivesse não só quantidade mas também variedade. É neste último capítulo que se enquadra o G Pousada, restaurante da Pousada de São Bartolomeu, em Bragança, que poderá entrar no guia já este ano. Uma vitória do espaço liderado pelo chef Óscar Geadas seria sempre uma surpresa, não porque o seu trabalho não o pudesse justificar mas sim porque é outro exemplo de um restaurante algo desconhecido da maioria do público. Apesar disso, Geadas parece estar a desenvolver um trabalho gastronómico interessante — passagens pela Fortaleza do Guincho e Feitoria ajudaram nesse aspeto — e já são vários os rumores de que os inspetores podem ter concordado com essa afirmação.
Contra: Come-se bem no G Pousada, que não haja dúvidas disso, contudo, e apesar da forte aposta nos produtos autóctones — que é sempre de louvar –, em alguns pratos da ementa são utilizados produtos como camarão e carabineiro do Algarve, ingredientes que destoam do imaginário clássico do interior do país. Coisas deste género não são muito bem vistas por quem atribui as estrelas e isso pode ter feito pesar a decisão.
Veredito
Euskalduna Studio
Rua de Santo Ildefonso, 404, Porto; 935 335 301
A favor: Tem sido empolgante ver o fervilhar de novos talentos no panorama gastronómico do Porto. De entre os vários que já começam a impor respeito, Vasco Coelho Santos é um dos mais destacados, não só pelo trabalho que tem vindo a desenvolver mas também por ter sido um dos primeiros a surgir à tona. O seu Euskalduna Studio tem ganho prémios atrás de prémios e já no ano passado apontavam-no como presença certa na constelação de estrelas portuguesas. Como à primeira tal não aconteceu, mantém-se a convicção de que será uma questão de tempo até chegar lá — para muitos, o grande momento pode ser já esta quarta-feira, 21 de novembro.
Contra: O restaurante do chef Vasco destoa da imagem clássica e um tanto conservadora do guia Michelin, pois a comida é confecionada literalmente à frente do cliente, que fica sentado num balcão a ver tudo acontecer. Por muito que conceitos deste género, menos formais, possam a vir ser o futuro, os inspetores (pelo menos os que passam por Portugal) ainda não os veem com bons olhos.
Epur
Largo da Academia Nacional de Belas Artes, 14, Lisboa; 213 460 519
A favor: O novo poiso do chef Vincent Farges, francês radicado em Portugal há alguns anos (exceção feita aos 12 meses que passou no estrangeiro, depois de sair da Fortaleza do Guincho), foi uma das aberturas mais aguardadas de 2018 e é desde o primeiro dia apontado como favorito a ganhar estrelas. Em pouco tempo conseguiu consolidar uma forte e criativa oferta gastronómica, podendo o seu passado com a Michelin facilitar a decisão dos inspetores.
Contra: O tempo é sempre um grande adversário dos pretendentes às estrelas e no caso deste Epur pode mesmo ser decisivo. Apesar das criticas positivas que já tem recebido, o facto de ainda nem ter um ano de funcionamento pode pesar influenciar a opinião do guia.
Veredito