Pouco mais de 15 dias separam Lisboa de um dos eventos mais internacionais do mundo: pela primeira vez desde 2010 — ano em que se realizou a primeira gala de entrega das estrelas Michelin Portugal e Espanha — a cerimónia que premeia a melhor comida feita na Península Ibérica chega ao nosso país. No dia 21 de novembro, o Pavilhão Carlos Lopes vai receber alguns dos maiores nomes da gastronomia ibérica naquele que será o evento mais mediático do mundo da comida — ao Observador, por exemplo, a organização do Guia diz que espera ter na capital “mais de uma centena de meios de comunicação, da TV à rádio, da imprensa escrita à online”.

A expectativa em relação à gala têm vindo a aumentar e é com isso em mente que convém relembrar algumas informações úteis sobre a cerimónia e o próprio Guia.

O evento em Lisboa

Pelas 19h do próximo dia 21 de novembro, quarta-feira, o palco do Pavilhão Carlos Lopes deverá receber os primeiros oradores da noite. Como sempre costuma acontecer nestes eventos, a palavra começa por ser dada aos responsáveis do Guia e aos representantes do poder local — neste caso, a Secretaria de Estado do Turismo e a Câmara Municipal de Lisboa. Só depois deste protocolo é que, um a um, são chamados os cozinheiros galardoados, que devem subir ao palco para receber a jaleca oficial onde figura o número de estrelas recebido.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A apresentação oficial do guia em Lisboa, nos Paços do Concelho. ©Diogo Lopes/Observador

Segundo a organização do Guia, estarão “reunidos todos os chefs de duas e três estrelas de Portugal e Espanha”, assim como os seus restantes colegas, num total 500 pessoas ligadas a várias áreas gastronómicas e não só. Como assim é desde o inicio, a entrada é permitida apenas a quem seja formalmente convidado.

Este formato de celebração foi estreado há oito anos, data do 100.º aniversario do Guia, no Mercado de San Miguel, em Madrid. Desde então já passou por Barcelona, Marbella, Girona, Santiago de Compostela e até Tenerife, sempre seguindo este modelo — anúncio de vencedores seguido de jantar volante/festa noite dentro.

Como celebrar de barriga vazia é sempre arriscado, no final das revelações decorrerá aquilo que o Guia chama de “festa gastronómica” organizada por todos os espaços estrelados lisboetas: Belcanto (José Avilez, duas estrelas); Alma (Henrique Sá Pessoa, uma estrela); Loco (Alexandre Silva, uma estrela); Eleven (Joachim Koerper, uma estrela); Fortaleza do Guincho (Miguel Rocha Vieira, uma estrela); Feitoria (João Rodrigues, um estrela) e LAB by Sergi Arola (Sergi Arola, uma estrela). Estes cozinheiros e as suas equipas vão preparar três pequenos pratos e uma sobremesa que poderão ser degustados pelos convidados. A noite continuará com programação musical ainda não revelada.

Mais de 100 anos a dar estrelas

O Guia Michelin nasceu em 1900 com a intenção de ser um complemento, uma cortesia oferecida a quem comprava os pneus da famosa marca francesa. Como muitos deles faziam grandes viagens de carro por toda a Europa, ter uma listagem com todos os restaurantes a conhecer era um bónus útil. Com o tempo, esta listagem foi evoluindo, ganhando prestígio, e hoje é baluarte do melhor da chamada haute cuisine, a cozinha criativa de autor. Apesar da fama que ainda hoje tem, são muitas as críticas que lhe são apontadas, muitas delas relacionadas com o excesso de formalismo que os seus inspetores esperam encontrar ou a dualidade de critérios que faz com que uma banca de noodles em Singapura ganhe uma estrela mas o mesmo não aconteça, por exemplo, num dos vários excelentes restaurantes de comida tradicional que existem em Portugal.

Por falar no nosso país: em 1910 Portugal estreou-se no “Guia Vermelho” com dois espaços, os restaurantes dos hotéis Santa Luzia (Viana do Castelo) e Mesquita (V.N. de Famalicão). Nesta altura, as classificações eram de um a cinco e ambos estes espaços tiveram uma cada um. Mais tarde, em 1936, quando já estava em vigor a graduação máxima de três estrelas, surge o primeiro duplo estrelado, o Escondidinho, no Porto.

Algoritmos, ciência e boas vidas: afinal, como se avalia a melhor comida do mundo?

O Vila Joya (Albufeira), do chef Dieter Koschina, é o restaurante em Portugal há mais tempo no guia, somando 22 anos seguidos, 18 dos quais com duas estrelas (que ainda hoje mantém). Antes dele, o restaurante Porto Santa Maria, que foi inaugurado em 1947 e ainda hoje existe no Guincho, esteve 25 anos seguidos na constelação Michelin, de 1984 a 2009. Ainda em relação a Portugal, convém relembrar que os últimos restaurantes galardoados (sim, porque quem ganha a estrela é o restaurante e não o chef, o que explica a manutenção de estrelas quando há mudanças na cozinha) foram o Vista (Portimão) do chef João Oliveira, e o Gusto by Heinz Beck (Vale do Lobo). Tudo somado, hoje Portugal tem 23 estrelas Michelin — 18 espaços com uma e cinco com duas.

A título de curiosidade pode-se mencionar que no capítulo dos cozinheiros mais jovens a conquistar um astro para o seu restaurante há… Um empate. Tanto Ricardo Costa (do Yeatman, em Vila Nova de Gaia) como Rui Silvestre (ex-Bon Bon, atual Vistas, ambos no Algarve) tinham 29 anos quando entraram no guia estrelado. De ressalvar que Ricardo Costa ainda liderava a Casa da Calçada quando atingiu essa meta. No plano ibérico, Martín Berasategui (que muito em breve abrirá o Fifty Seconds Martín Berasategui em Lisboa) é o chef com mais astros, somando oito distinções divididas por dois três estrelas (Martín Berasategui, no País Basco, e o Lasarte, em Barcelona) e um de duas (o M.B., em Tenerife).

Um macarron para ti, outro para ti…

Pode soar estranho, mas as famosas “estrelas” Michelin são, na verdade, macarrons — pelo menos é assim que os seus criadores franceses lhes chamam. Dispersos por 32 guias que já tocam todos os cantos do mundo, estes símbolos de excelência gastronómica têm o seguinte significado:

1 estrela – Cozinha de valor, merece uma paragem.
2 estrelas – Cozinha excecional, merece um desvio.
3 estrelas – Cozinha única, justifica uma viagem especial.

Quem é que as entrega? A resposta a essa pergunta poucos conseguem dar, isto porque tudo no processo de avaliação é mantido no mais apertado secretismo. Sobre isto, o Guia apenas disse ao Observador que as suas avaliações regem-se por cinco grandes princípios: visitas anónimas, independência, atualização anual, critério e homogeneidade.

É com tudo isto em mente que os inspetores tecem as  deliberações sobre a comida que avaliam. São estes os elementos que têm sempre em conta: a seleção dos produtos, criatividade e apresentação, domínio dos pontos de cozedura e sabores, relação qualidade/preço e, finalmente, consistência. É tudo isto que faz com que um restaurante possa ganhar ou perder estrelas, se bem que os mesmos avaliadores também atribuem outra categoria de prémios, os chamados Bib Gourmand, que premeiam os espaços com melhor relação qualidade preço — entre Espanha e Portugal, por exemplo, existem 289 estabelecimentos com este prémio (e também 177 restaurantes com 1 estrela, 30 com duas e 11 com três.) Resta falar apenas dos misteriosos inspetores.

“O nosso inspetor é um cliente como qualquer outro”, conta ao Observador Ángel Pardo, o responsável de comunicação do Guia em Portugal e Espanha. Descritos como “profissionais anónimos apaixonados pela sua profissão”, estes homens e mulheres são empregados da Michelin, claro, com ensinos superiores ou especializados nas áreas de Turismo e/ou Hotelaria, sendo obrigatório que tenham um mínimo de cinco anos de experiência no ramo. Nunca foi bem explicada a forma como são escolhidas as pessoas que passam a vestir esta pele, contudo, há certezas de que as reservas que fazem — em sítios descobertos pelos próprios ou apresentados ao Guia por proprietários — estão sempre em nomes falsos. Pagam as suas faturas e as decisões tomadas são sempre feitas de forma colegial — ou seja, são tomadas de acordo com várias opiniões de inspetores que visitaram os mesmos espaços.

Parece uma vida de sonho, comer quase todos os dias nos melhores restaurantes do mundo, provar os melhores pratos, beber os melhores vinhos, viajar pelo mundo inteiro… Contudo, é importante não esquecer que, como qualquer profissão, o nível de exigência é bastante alto. Basta pensar que, de acordo com o Guia, cada “inspetor faz 25o refeições por ano, visita mais de 800 estabelecimentos e passa 160 noites em quartos de hotel”.