A Infraestruturas de Portugal (IP) suspendeu os pagamentos a três concessionárias de autoestradas, na sequência de uma decisão negativa do Tribunal de Contas sobre o contrato da Algarve Litoral que abrange a requalificação da Estrada Nacional 125. A recusa de revisto prévio à renegociação da subconcessão do Algarve foi conhecida em junho deste ano, e, apesar do recurso para o plenário do Tribunal de Contas ainda não estar decidido, o efeito do “chumbo” alastrou a três outros contratos que os juízes deixaram passar sem se pronunciarem sobre a sua legalidade.
A suspensão dos pagamentos devidos pela Infraestruturas de Portugal às subconcessões do Pinhal Interior, Baixo Alentejo e Transmontana foi noticiada na semana passada pelo Correio da Manhã, informação que foi entretanto confirmada pelo Observador junto de várias fontes. As mesmas fontes adiantaram entretanto que a situação estará em vias de ser regularizada, com as partes a procurarem encontrar uma solução financeira e jurídica que permita ultrapassar a incerteza legal gerada pela recusa de visto a uma das sete subconcessões adjudicadas no Governo de José Sócrates e renegociadas no Executivo de Passos Coelho com o objetivo de cortar custos.
A interrupção nos pagamentos não afeta as outras subconcessões porque há três renegociações por concluir — o Douro Interior, Litoral Oeste e Baixo Tejo — e os respetivos contratos ainda não foram entregues ao Tribunal de Contas (TdC). Já a subconcessão do Algarve Litoral só dará lugar a pagamentos por parte da empresa pública quando as obras estiverem concluídas, o que ainda não aconteceu.
Questionada sobre a suspensão dos pagamentos, a respetiva fundamentação e os valores em dívida, fonte oficial da IP limitou-se a dizer ao Observador que a “Infraestruturas de Portugal e as concessionárias têm estado em contacto para determinar as condições de cumprimento dos contratos”. O Ministério do Planeamento e Infraestruturas, que tutela a IP, não respondeu em tempo útil.
O Correio da Manhã citava uma carta de 31 de outubro enviada à IP pela Ascendi, a dona do Pinhal Interior, em que o grupo ameaçava suspender a entrega das receitas portagens, em represália pelo não recebimento do pagamento previsto no contrato assinado com a empresa pública de estradas. O modelo de negócio contratado com a IP define que os privados entreguem as receitas com portagens à IP e recebam um pagamento por disponibilidade da infraestrutura. A concessionária reclamava um valor em falta de cerca de 39 milhões de euros, mas considerando que há mais duas concessionárias afetadas pela suspensão, o montante que a IP deixou de pagar será superior.
O atraso nos pagamentos às PPP rodoviárias não é inédito, já aconteceu no passado por diversas razões. Para já, considerando que o atraso será pouco superior a um mês, estamos perante um incumprimento financeiro. Para haver incumprimento contratual por parte da empresa pública, a suspensão ou demora nos pagamentos teria de superar os seis meses, prazo a partir do qual o parceiro privado poderia resolver (revogar) o contrato.
Porque foram suspensos os pagamentos
O Observador sabe que a decisão de suspender os pagamentos foi uma consequência direta das implicações jurídicas resultantes da interpretação do acórdão do Tribunal de Contas emitido em junho deste ano sobre a renegociação do contrato do Algarve Litoral.
Na leitura da IP, os efeitos desta decisão negativa não estarão limitados à subconcessão do Algarve Litoral, mas contagiam as outras subconcessões cujos contratos renegociados também tinham sido submetidos ao Tribunal de Contas. Isto apesar de o TdC ter devolvido um deles, por considerar que não estava sujeito a visto prévio, e ter indeferido liminarmente os pedidos de visto de dois outros, o Pinhal Interior e a Transmontana.
No acórdão que chumba o Algarve Litoral são invocados argumentos que remetem para circunstâncias que também se verificam nas outras subconcessões. Em causa estão as chamadas compensações contingentes negociadas com os bancos financiadores em 2010 que permitiram ultrapassar o primeiro chumbo do Tribunal de Contas a estas concessões. Numa auditoria de 2012, os juízes concluíram que o visto prévio foi dado sem o conhecimento e avaliação destes contratos paralelos (side letters) que garantiam aos bancos os valores originais contratados e que tinham sido inflacionados pelo agravamento dos custos financeiros, na sequência da crise de 2008. Estas compensações são assim consideradas ilegais pelo Tribunal porque não foram visadas e o seu pagamento representaria uma infração financeira.
Já no tempo da troika, os contratos foram novamente revistos, desta vez para reduzir os encargos futuros do Estado — o que passou pelo cancelamento de obras — e voltaram ao Tribunal de Contas para serem visados, isto apesar de estarem já a produzir efeitos já desde 2014. Nos pedidos remetidos, a IP alegava que estariam dispensados de visto prévio porque a renegociação resultou numa redução da despesa do Estado.
O TdC devolveu o primeiro, o Baixo Alentejo, mas quando olhou para o Pinhal Interior e para a Transmontana optou por indeferir liminarmente os pedidos de visto. E quando chegou ao contrato da Algarve Litoral recusou dar visto. Isto porque considerou que a poupança invocada pela IP no contrato revisto só existia quando a comparação era feita com a despesa associada aos pagamentos contingentes que o Tribunal nunca aceitou nem visou. O facto de as comissões negociadoras terem considerado a existência dessas compensações contingentes em todos os processos de renegociação, levou o Tribunal de Contas a questionar também os contratos que deixou passar sem deliberar, remetendo-os para a secção de auditoria.
Daí a preocupação de contágio da decisão negativa sobre o Algarve Litoral a outras subconcessões, que levou à suspensão dos pagamentos para evitar o risco de eventuais infrações financeiras e até consequências de natureza jurídica e penal que possam resultar da execução de despesa destes contratos. Até porque, não é só a secção de auditoria do Tribunal de Contas que está a avaliar a sua legalidade. O acórdão do Tribunal de Contas que recusa o visto ao Algarve Litoral foi também remetido para o Ministério Público, que mantém aberto um inquérito-crime às parcerias público privadas (PPP) onde são levantadas suspeitas sobre o primeiro processo de renegociação das subconcessões que resultou na criação das tais compensações contingentes.