Centenas marcharam este domingo em Lisboa, apesar da chuva intensa, pelo fim da violência contra as mulheres, pela igualdade de género e por uma Justiça que não traduza nos acórdãos preconceitos que culpabilizam as vítimas pelos crimes que sofrem.

As críticas ao funcionamento da Justiça estiveram presentes na marcha, não só no discurso político, mas também nos que viveram a violência. Muito próxima de uma participante que exibia um cartaz onde se lia ‘Nas casas sem medos’, Amélia Santos assistia a uma performance no Largo do Intendente, momentos antes do arranque da marcha em direção ao Rossio, em que dois manifestantes se envolviam num emaranhado de um novelo que os prendia, vendo nela a metáfora perfeita para a perda que sofreu e para a Justiça em Portugal.

“É um amarro. É uma Justiça arcaica, de acórdãos vergonhosos. As mulheres não têm proteção, muito menos as crianças, que não têm estatuto de vítimas”, disse à Lusa Amélia Santos, a avó que ficou com a guarda do neto, depois de em 2014 a filha ter sido assassinada pelo companheiro, no culminar de uma história de violência que começou em 2010 e que deu pistas suficientes para que o desfecho se pudesse adivinhar e evitar.

A marcha deste domingo pretendeu ser também uma chamada de atenção para as decisões dos tribunais que “ainda culpabilizam as vítimas e não responsabilizam os agressores”, disse à Lusa Elisabete Brasil, presidente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), uma das organizações que organizou a iniciativa, manifestando preocupação com a fundamentação dos acórdãos e aquilo que ela traduz. “É isso que nos assusta, a forma como se fundamentam os acórdãos, que é um espelho de uma sociedade patriarcal, machista e sexista, de uma sociedade que ainda culpabiliza as vítimas”, disse.

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Sandra Cunha, do Bloco de Esquerda, desfilou ao lado da líder do partido, Catarina Martins, e destacou a importância de manifestações como a de hoje para “denunciar a inércia dos tribunais” e os acórdãos que recentemente vieram a público, “legitimando a violência sobre as mulheres e que seguramente são só a ponta do icebergue”.

O Governo esteve representado pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, pela ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques, e pela secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, que centraram o discurso nas respostas disponíveis para as vítimas e no papel das forças de segurança, hoje melhor formadas para lidar com casos de violência doméstica, defendeu o ministro Eduardo Cabrita.

Maria Manuel Leitão Marques destacou o papel da prevenção e Rosa Monteiro frisou que, apesar de ser um crime público, a violência doméstica continua a ser denunciada maioritariamente pelas vítimas e que é preciso acabar com “a inação” de familiares e amigos das vítimas e combater o que “está na raiz da violência que é a condição de subordinação da mulher na sociedade”.

Lisboa, Porto e Viseu agendaram para hoje, Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra as Mulheres, marchas para alertar para a efeméride, com manifestos pela igualdade de género, pelo fim de todas as formas de violência contra as mulheres, num ano em que em Portugal já foram assassinadas 24 mulheres em contexto de intimidade ou relações familiares próximas, mais seis do que no ano passado, segundo dados do Observatório de Mulheres Assassinadas.