O processo de Armando Vara está mesmo a chegar ao fim. Depois das últimas decisões, ao ex-ministro do Desporto já só restava a arguição de nulidades — mas, tal como o próprio disse ao Observador, não irá recorrer a esse último instrumento de defesa.

Contas feitas aos prazos, às burocracias e às férias judicias que se iniciam a 22 de dezembro e terminam a 3 de janeiro, Vara deverá entrar na prisão para cumprir a pena pela prática de três crimes de tráfico de influência nos primeiros dias de 2019, podendo ainda estar em casa no Natal e na passagem de ano.

Como vai decorrer esse processo? O Observador explica em sete perguntas e respostas.

O que falta para Armando Vara ser preso?

O ex-ministro e ex-vice-presidente do Banco Comercial Português (BCP) tem 10 dias para arguir nulidades face à ultima decisão do Tribunal Constitucional (TC). Isto é, Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Armando Vara, teria até ao dia 8 de dezembro para apresentar um requerimento em que defendesse que a decisão do Tribunal Constitucional está ferida de nulidades. Mas Vara e o seu advogado decidiram não o fazer.

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“A partir do momento em que a decisão é tomada, a única coisa a fazer nesta fase é acatar, não haver nenhum tipo de tentativa de adiar”, afirmou ao Observador.

Apesar de Vara não avançar para esta última tentativa de impedir a prisão — uma hipótese em que as chances de sucesso eram muito reduzidas –, o prazo terá de correr até ao fim. Isto é, tendo em conta que a notificação do última decisão do TC foi feita a 22 de novembro, o prazo só termina passados 16 dias (10 dias do prazo normal + 3 dias de multa + 3 dias para o envio da notificação pelo correio): a 8 de dezembro, portanto.

Está em causa uma decisão de julho de 2018 da juíza Fátima Mata-Mouros, na qual a conselheira recusou admitir os recursos de Armando Vara e de Manuel Guiomar (ex-funcionário da Refer que foi igualmente condenado a pena de prisão pelo tribunal de primeira instância). Tiago Rodrigues Bastos reclamou dessa decisão para a conferência da secção de Mata-Mouros, argumentando que o recurso do seu cliente tinha de esperar pela única decisão então pendente no Supremo Tribunal de Justiça e que estava relacionada com Manuel Godinho, o líder do Grupo O2 e o principal réu do processo. Mas a conselheira e os seus colegas rejeitaram na semana passada os argumentos de Rodrigues Bastos.

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Já José Penedos (ex-presidente da empresa REN — Rede Elétrica Nacional, condenado a uma pena de prisão de três anos e três meses por corrupção passiva) foi bem sucedido junto da conselheira Maria Rangel de Mesquita ao defender que existiam irregularidades na subida em separado e automática dos recursos dos réus que apenas podiam recorrer para o Constitucional. Isto é, tais recursos deviam esperar esperar pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre o recurso de Manuel Godinho, que foi condenado pela Relação do Porto a uma pena de prisão de 15 anos e 10 meses. Godinho viu o STJ reduzir no início de julho a sua pena para 13 anos de prisão, mas em meados de setembro ainda não tinha sido emitida a respetiva nota de trânsito.

Quais os factos e os crimes que levaram à condenação de Vara?

O ex-ministro da Juventude e do Desporto foi condenado a cinco anos de prisão efetiva por três crimes de tráfico de influência por alegadamente ter recebido cerca de 25 mil euros em 2009 (mais prendas superiores a 7 mil euros entre 2004 e 2008) para exercer influência junto do Governo de José Sócrates a favor do sucateiro Manuel Godinho.

De acordo com a sentença do Tribunal de Aveiro, Godinho criou um alegado esquema de corrupção de vários funcionários de empresas públicas, incluindo a Rede Ferroviária Nacional (Refer), para ganhar contratos públicos no âmbito da sucata. A administração da Refer liderada por Luís Pardal tentou introduzir mais concorrência nos concursos que costumavam ser ganhos pelo Grupo O2 — facto que levou Manuel Godinho a recorrer a Armando Vara para tentar convencer o Governo de José Sócrates a afastar Luís Pardal e a sua administração.

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Vara será preso logo após a rejeição do último requerimento da defesa por parte do Constitucional?

Não. Após a provável rejeição do último requerimento que resta à defesa ou após o final do prazo sem que a defesa apresente tal requerimento, terá de ser emitido um documento essencial para o processo ser encerrado: uma nota de trânsito em julgado que certifica o final do processo.

Tal nota de trânsito pode ser emitida de duas formas:

  • Ou o Constitucional emite a nota, remetendo-a para o Tribunal da Relação do Porto ou para o tribunal de primeira instância juntamente com os documentos apresentados no TC;
  • Ou o Constitucional remete o processo físico para que a Relação do Porto ou o juiz de primeira instância analise os autos e emita a nota de trânsito em julgado.

Seja num caso, seja noutro, é pouco provável que o mandado de detenção de Armando Vara seja emitido antes do início das férias judiciais de Natal e do Ano Novo — que decorrem entre 22 de dezembro e 3 de janeiro. Tudo porque o prazo para Vara arguir nulidades termina a 8 de dezembro. Ou seja, os autos teriam de baixar à primeira instância em apenas 14 dias — timing que é considerado apertado por diversas fontes judiciais das defesas dos réus do Face Oculta e do MP, atendendo ao historial dos procedimentos normais do Constitucional.

Vara terá de esperar pelo trânsito em julgado das decisões dos restantes arguidos?

Não. As responsabilidades são individuais e as penas de prisão decretadas dizem respeito aos factos imputados a cada um dos indivíduos. Além disso, a juíza Fátima Mata-Mouros rejeitou precisamente essa argumentação da defesa de Armando Vara e de Manuel Guiomar, enquanto que a sua colega Maria Rangel Mesquita aceitou os argumentos nesse sentido de José Penedos e de outros arguidos. Daí que a apreciação dos recursos esteja a verificar-se a velocidades diferentes.

Por outro lado, é relativamente comum que as penas de prisão transitadas em julgado sejam concretizadas em tempos diferentes, consoante a velocidade de resolução de cada um dos recursos.

O que se segue a seguir à nota de trânsito em julgado?

Após a emissão desse documento fundamental, caberá ao Ministério Público (MP) promover junto do juízo do Tribunal Judicial de Aveiro onde decorreu o julgamento do caso Face Oculta a emissão de um segundo documento judicial: o mandado de detenção para cumprimento da pena transitada em julgado.

Após a promoção do MP, o juiz de direito a quem sejam distribuídos os autos estará em condições de emitir o documento que a PSP terá de cumprir: prender Armando Vara e levá-lo ao estabelecimento prisional determinado pelo magistrado judicial do Tribunal de Aveiro.

Tal como referido acima, é muito pouco provável que o mandado de detenção de Vara seja emitido antes das férias judiciais de Natal e do Ano Novo. Ou seja, Armando Vara deverá passar esse período em casa.

Recorde-se que, indignado com as últimas decisões do Tribuna Constitucional sobre o seu cliente, Tiago Rodrigues Bastos afirmou à Agência Lusa: “Espero que haja a decência de deixarem o meu cliente passar o Natal com a família, mas vamos ver. Com o meu cliente já tudo é possível. Tudo anda mais depressa. A vontade de o ver preso é tal”.

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Armando Vara pode entregar-se?

Sim, pode. Aliás, essa ideia está subjacente em todas as declarações que o advogado Tiago Rodrigues Bastos tem feito desde que o processo entrou no Tribunal Constitucional. De acordo com o advogado, Vara sempre colaborou com a Justiça e acatará a decisão final.

O próprio Armando Vara afirmou ao Observador que irá fazê-lo, admitindo que, no momento em que a sentença do Tribunal de Aveiro transitar em julgado, irá  “escrever uma carta ao processo a dizer: ‘Meus senhores, não vou meter recurso, aguardo que me indiquem onde me devo apresentar’”

Contudo, o ex-ministro do Desporto do Governo Guterres só poderá entregar-se após a emissão do mandado de detenção. Isto porque o estabelecimento prisional só é formalmente selecionado no momento de emissão daquele documento, sendo os serviços prisionais informados imediatamente a seguir da decisão do magistrado.

Ainda antes da decisão da Relação do Porto em abril de 2018 de manter as condenações da generalidade dos arguidos, alterando apenas algumas penas, foi levantada a suspeita de que Armando Vara continuava a viajar para o estrangeiro, nomeadamente para Luanda. As viagens, contudo, eram feitas a título profissional e com a respetiva autorização judicial.

Qual o estabelecimento prisional que deverá ser selecionado?

O Estabelecimento Prisional (EP) da Carregueira é a escolha óbvia. Por várias razões:

  • O EP da Carregueira tem características especiais de segurança para acolher precisamente réus com notoriedade e um grau de exposição significativo. Armando Vara foi secretário de Estado da Administração Interna, ministro adjunto do primeiro-ministro e ministro do Desporto dos governos de António Guterres. Além disso, foi administrador da Caixa Geral de Depósitos e vice-presidente do BCP. Logo, cumpre o critério de exposição que costuma determinar o envio de presos para o EP da Carregueira. Tal como aconteceu com Isaltino Morais, ex-ministro das Cidades e ex-autarca de Oeiras, e com Vale e Azevedo, ex-presidente do Benfica.
  • A razão para o envio para o EP da Carregueira é sempre a mesma: proteger os reclusos no ambiente prisional.
  • O facto de Armando Vara ser licenciado também levará à escolha do EP da Carregueira, pois, tendo a punição uma função de reinserção social, é fundamental que o réu esteja inserido num ambiente socio-económico adequado às suas características. A prisão da Carregueira costuma receber os reclusos com mais competências académicas.

É igualmente provável que alguns dos restantes réus condenados a penas de prisão efetiva sejam colocados no EP da Carregueira, como José Penedos (ex-presidente da REN condenado a uma pena de prisão de três anos e três meses por alegada corrupção passiva), o seu filho e advogado Paulo Penedos (condenado a uma pena de quatro anos de prisão por alegado tráfico de influência) e Domingos Paiva Nunes (ex-administrador da EDP condenado a quatro anos de prisão efetiva por alegada corrupção passiva), mal ocorra o respetivo trânsito em julgado da sentença do Tribunal de Aveiro e do acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

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