O que está prestes a ouvir é, literalmente, um som de outro mundo. O módulo InSight, que chegou a Marte a 26 de novembro, enviou para a Terra o primeiro som captado num planeta que não a Terra. Ao fim de uma semana de estadia no Planeta Vermelho, a mais recente missão da NASA a Marte mostrou à humanidade como é o barulho do vento marciano a soprar a 24 quilómetros por hora. Pode ouvi-lo aqui em baixo.
Apesar de nos ter enviado esta gravação, o módulo InSight não está equipado com um microfone. Só que o vento atingiu os painéis solares, que depois fizeram tremer todo o módulo marciano, incluindo os sismómetros que vão perfurar a superfície do planeta para detetar “tremores de Marte”. No fundo, o InSight passou a comportar-se como o ouvido humano: os painéis solares foram os tímpanos, que transmitem o som do ar para dentro do ouvido; o corpo do módulo foi o ouvido interno; e o sismómetro foi a cóclea, que transforma as vibrações em sinais nervosos.
Enquanto o sismómetro captou vibrações com frequência até aos 50 hertz, que o ouvido humano consegue identificar, o sensor de pressão atmosférica captou vibrações com frequências tão mais baixas que nenhum humano as conseguiria ouvir: só animais como as baleias ou os elefantes é que têm capacidade auditiva suficiente para isso. Mas disso já os cientistas estavam à espera: os instrumentos que compõem o módulo InSight não são sensíveis a frequências mais altas porque a finíssima atmosfera marciana, que tem 1% da densidade da atmosfera terrestre, produz sons de frequência mais baixa.
Foi por isso que a NASA decidiu editar os sons que vieram a público para torná-los audíveis pelos humanos. Há três versões das gravações: uma original, sem qualquer tipo de edição; outra com as gravações dos sismómetros, mas aumentada em duas oitavas; e a terceira com as gravações do sensor de pressão atmosférica, mas comprimida 100 vezes, de modo que 29 segundos desse áudio equivalem a 48 minutos em Marte.
Apesar de o InSight ter aterrado na Elysium Planitia, a segunda região vulcânica mais extensa de Marte e um lugar inóspito do planeta, este som testemunha alguns detalhes sobre o local e as condições climatéricas em que o módulo está. Quando o vento sopra em Marte, ele entra em vórtices sempre que encontra objetos no caminho, formando remoinhos na atmosfera do planeta. Esses turbilhões vão-se dividindo noutros vórtices mais pequenos até que não haja energia suficiente para os sustentar. Enquanto na Terra esses remoinhos podem chegar a ter apenas um milímetro de diâmetro, em Marte eles costumam dissipar-se quando atingem apenas um centímetro de diâmetro porque nessa altura já perderam a energia de que precisavam para continuarem a circular.
Acontece que, em Marte, quanto mais pequenos forem esses remoinhos, mais baixos são os sons que produzem. Como a gravação que chegou à NASA tinha uma frequência extremamente baixa, então isso significa que o InSight está debaixo de remoinhos muito pequenos de apenas um centímetro de diâmetro ou pouco mais e que, apesar de viajarem a 24 quilómetros por hora, na verdade correspondem a leves brisas na Terra. Para que um astronauta em Marte conseguisse ouvir esses ventos, seria preciso que eles alcançassem os 50 quilómetros por hora.
A ideia de captar um som em Marte já tem mais de duas décadas. A primeira vez que alguém sugeriu montar um microfone numa missão a Marte foi em 1996 e saiu da mente de Carl Sagan, fundador da Sociedade Planetária: “Mesmo que apenas alguns minutos de sons marcianos sejam registados a partir desta primeira experiência, o interesse público vai aumentar e a oportunidade para a exploração científica tornar-se-á real”, previu ela numa carta enviada à NASA.
O microfone chegou a ser desenvolvido e incorporado no Mars Polar Lander, uma sonda espacial norte-americana que chegou a Marte a 3 de dezembro de 1999. No entanto, o microfone não sobreviveu ao colapso da sonda, que se desfez ao embater na superfície marciana. Dezanove anos depois dessa tentativa falhada, a NASA conseguiu gravar o primeiro som noutro planeta. E não precisou de um microfone para isso.