Depois da Assembleia Geral de destituição no Altice Arena a 23 de junho, que votou pela primeira vez a saída de um presidente da liderança do clube, o futuro de Bruno de Carvalho está de novo nas mãos dos associados este sábado, com uma reunião magna que tem como ponto único discutir e deliberar o recurso apresentado pelos antigos dirigentes após serem suspensos ou, no caso de Elsa Judas e Trindade Barros, expulsos de sócios do clube. As portas do Pavilhão João Rocha abriram às 13h30 quando já havia fila para aceder ao recinto, a primeira chamada foi às 14h30 e o encontro teve início às 15 horas.

Entre os oito visados que apresentaram recurso das sanções disciplinares aplicadas pela Comissão de Fiscalização, Trindade Barros foi o primeiro a entrar no Pavilhão João Rocha, assim como os dois representantes de Bruno de Carvalho, o pai Rui de Carvalho e a irmã Alexandra. Carlos Vieira, Rui Caeiro, José Quintela e Luís Gestas também já se deslocaram a Alvalade, ficando numa zona mais próxima do palco e separada de todos os restantes associados. Alexandre Godinho não esteve presente mas o seu representante foi o primeiro a ser chamado por Rogério Alves. As votações arrancaram logo às 15 horas.

“Passei a ideia de que estava agarrado ao poder quando estava apenas concentrado na defesa do Sporting, peço desculpa por isso”, leu Alexandra Carvalho, irmã do antigo presidente leonino, que destacou não estar presenta na Assembleia Geral “por respeito ao Sporting e à Assembleia e para não desviar as atenções daquilo que está em causa”. No final, apelou ainda aos sócios para que recordassem os “cinco anos de amor ao clube”. Houve um misto de aplausos e assobios na sala. Pouco depois, Bruno de Carvalho colocou todo o discurso na sua página oficial do Facebook. Seguiu-se Carlos Vieira, presente no Pavilhão João Rocha, antigo vice financeiro que falou em injustiça, mostrou-se de consciência tranquila e explicou o seu ponto de vista sobre o que se passou naquele final de maio no Sporting. Por ordem alfabética, o elemento seguinte a falar foi José Quintela, depois Luís Gestas, a seguir Rui Caeiro. Trindade Barros foi o último entre os visados a usar da palavra. Ainda antes das 17 horas, que deveria ser a hora mais ou menos prevista para tal, abriram as inscrições para os associados que quiserem falar.

“Apesar de termos de esperar, e assistir à pior situação financeira e desportiva de sempre no nosso clube, recandidatámo-nos em 2013 e assim começou a nobre missão para a qual todos vocês confiaram em mim e na minha equipa. Em cinco anos, fomos capazes de transformar o Sporting. E é um facto que, em 2018, deixámos o nosso clube muito mais forte do que o encontrámos. Revitalizamo-lo. Trabalhámos na sua recuperação económica, financeira e desportiva, pagando dívidas e salários em atraso, recuperando passes de jogadores, devolvendo aos sportinguistas as modalidades que fazem parte do nosso ADN. Construímos património, tornámos o nosso clube mais eclético e ganhador, aumentámos exponencialmente o número de associados, lutámos por um futebol português mais verdadeiro e transparente. Voltámos a recuperar o respeito internacional, e, o mais importante, devolvemos aos sócios e adeptos o orgulho de ser sportinguista”, começou por ler a irmã de Bruno de Carvalho.

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“Cinco anos e meio depois, estamos numa Assembleia Geral que será determinante para começar a sarar feridas entre sportinguistas e trazer justiça a dirigentes que tanto deram por este clube, elevando os patamares de exigência, atitude e compromisso (…) Travámos imensas batalhas e mexemos em muitos interesses. Desde o início do mandato percebemos que existiam duas possibilidades de caminho de gestão: juntarmo-nos aos interesses, ou juntarmo-nos à maioria dos sócios. Estivemos sempre o lado dos sócios. Tenho um grande orgulho no trabalho que eu e a minha equipa desenvolvemos mas neste caminho de transformação do Sporting, nem tudo foi perfeito: eu errei. Foi uma defesa cega e intransigente, confesso. De tal forma que dei à comunidade sportinguista a ideia de que estaria agarrado ao poder quando a única coisa a que estava realmente agarrado era à incondicional defesa do nosso Sporting. É assim que defendemos a família, cegos de convicção e com as melhores intenções. Percebo hoje que aquele caminho que achava ser o certo em alguns momentos não abonou a nossa família”, referiu.

Posso dizer-vos também que aprendi. Hoje olho para trás e vejo claramente como estava enganado. Por isso, mesmo sabendo que sempre defendi os superiores interesses do Sporting, fiz mal, e por essa razão peço desculpa a todos os sportinguistas! Nenhum sportinguista merece o sofrimento que temos passado. Nós merecemos ser felizes. No dia negro da invasão à Academia de Alcochete, para mim teria sido muito mais fácil defender os meus interesses: pedia a demissão, íamos a eleições e hoje quem sabe, ainda seria presidente e tudo seria diferente. Era simples. Acontece que, naquele momento, algo em mim se recusou a acreditar no sucedido e fiquei sem reação – ocorrendo-me apenas não desistir de defender o Sporting na presidência, levando adiante o empréstimo obrigacionista já aprovado e em curso, e a renegociação da reestruturação financeira, procurando assim, minimizar as consequências provocadas pelo crime ocorrido em Alcochete (…) Acabei imolado em praça pública por alguns órgãos de comunicação social sem ética, sem escrúpulos e sem vergonha, que não olham a meios para alcançar os fins, que nem a minha família preservou nesta chacina mediática sem precedentes em Portugal (…) Continuo a ser o mesmo homem que fez do Sporting um clube mais forte e que mereceu a vossa aprovação esmagadora nas eleições de 2017! Quando forem chamados a votar, peço, humildemente, a todos os sportinguistas que pensem nesse homem, e no melhor dos cinco anos de trabalho e dedicação que entreguei com afinco e paixão ao nosso clube”, concluiu o comunicado lido pela irmã do ex-líder na AG.

No período aberto às intervenções dos associados, Rui de Carvalho, pai do líder destituído, também usou da palavra, tal como a irmã Alexandra, de novo. Se a maioria da sala parece ser favorável a Bruno de Carvalho, são muitos aqueles que passam pelo Pavilhão João Rocha, votam e vão embora – o que, confirmando-se aquilo que aconteceu na Assembleia Geral destitutiva, poderá representar na sua maioria pessoas que estarão neste processo contra o antigo presidente do clube. No interior do recinto, tudo tem decorrido de forma tranquila, à exceção de um foco de maior contestação quando Vítor Ferreira, antigo vice de Bruno de Carvalho, foi votar e ouviu alguns insultos quando Luís Gestas, o único que não levava qualquer discurso preparado, ia começar a falar. Acompanhado até ao exterior, terá sido aí alvo de uma tentativa de agressão, tendo mesmo feito queixa às autoridades sobre esse momento. À saída do Pavilhão, também Abrantes Mendes, ex-presidente da Mesa e candidato nas eleições de 2006 e 2011, não gostou de algumas “bocas” que ouviu e chegou a voltar atrás para questionar aquele tipo de comportamento mas tudo ficou sanado segundos depois. Carlos Severino terá sido insultado no interior do Pavilhão. Por volta das 19h30, chegaram ao fim todos os pedidos que tinham sido apresentados para discursar na Assembleia Geral.

“Não poderei estar presente por motivos pessoais mas mesmo que pudesse não iria. Seria um desrespeito comigo mesma. Não participo em circos. Enviei alguns pontos para o presidente da Mesa ler, se tiver coragem, ou mandar alguém ler. Não é uma defesa porque essa já está escrita e esteve disponível para os sócios consultarem”, disse Elsa Judas ao Record. Ao invés, Henrique Monteiro, João Duque e Rita Garcia Pereira, que faziam parte da Comissão de Fiscalização, marcam também presença.

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“A minha expetativa e desejo é que tudo corra bem e que a Assembleia cumpra a sua missão, que é deliberar sobre os assuntos que estão a ser discutidos. É para isso que as pessoas vêm cá. Vamos aguardar que tudo corra bem. Como presidente da Mesa da Assembleia Geral não faço comentários sobre resultados ou legitimidades, a mim compete-me reunir condições para que os sócios exprimam a sua vontade. A interpretação dos resultados depois será feita por quem assim entenda. Mas quanto maior participação mais força terá a decisão é um facto. Fizemos tudo com a empresa de segurança privada e com a PSP para que exista segurança. Penso que muitos dos visados estarão aqui”, comentou Rogério Alves à entrada no Pavilhão.

“Espero uma tarde à Sporting, como os sportinguistas sabem. Espero que possam dar mais uma demonstração de sportinguismo como sempre têm dado”, resumiu também à entrada o presidente do Sporting, Frederico Varandas.

De referir que, suspensão à parte, existe um outro ponto paralelo que terá grande peso no futuro “político” dos leões: se o antigo líder ganhar este recurso, continuará na mesma suspenso por causa de um segundo processo disciplinar aberto pela Comissão de Fiscalização coordenada por Henrique Monteiro; se vir esta suspensão de um ano confirmada, ficará pelo menos cinco anos, até 2023 (ou 2024), sem poder concorrer como cabeça de lista às eleições do Sporting pelas restrições estatutárias. As votações, que estariam abertar até às 20 horas, acabaram por ser prolongadas mais meia hora, o que deverá atrasar os resultados.

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