O próximo ano vai ficar para a história do mercado liberalizado de eletricidade com a maior descida dos preços anuais em duas décadas. A tarifa transitória que se aplica aos clientes domésticos que estão ainda no mercado regulado, cerca de um milhão, baixa 3,5%, mas esta queda dos preços deverá chegar a todos, como fez questão de sublinhar o ministro do Ambiente e Transição Energética. Matos Fernandes afirmou que a descida de 1,5 euros na conta mensal, tendo em conta uma fatura média de 45 euros, irá beneficiar todos os consumidores, incluindo os mais de cinco milhões que estão no mercado liberalizado e que têm contratos individuais com uma comercializadora da eletricidade.

Isto porque a decisão da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) também fixou descidas recorde para as tarifas de acesso às redes e de uso geral do sistema, de 16,7% e de 20,2%, respetivamente. E estes custos são pagos por todos os consumidores, mesmos os que estão no mercado, pelo que as operadoras terão de repercutir estas baixas nos seus preços, a partir de 2019. Ainda que este efeito possa ser travado pelo agravamento da componente de energia na fatura elétrica, fruto do acréscimo dos preços no mercado grossista de eletricidade, onde as comercializadoras se vão abastecer para vender aos clientes finais.

Mas se a baixa de preços para as famílias está garantido no ano de 2019, o efeito das medidas extraordinárias adotadas para este ano pode ter o resultado contrário nos anos seguintes. Esse alerta é feito pela presidente do Conselho Tarifário da ERSE no seu parecer às tarifas para o próximo ano. Numa declaração de voto ao documento, que analisa o impacto do despacho do Governo que transfere 189 milhões de euros para as tarifas de 2019, Maria Manuela Moniz assinala que as medidas mitigadoras decorrentes do despacho têm “carácter extraordinário e não estruturante, sendo alocadas à diminuição das tarifas de baixa tensão nacional”, o que exclui as empresas.

A responsável cita então o documento que a própria ERSE enviou ao Conselho Tarifário, um órgão consultivo que integra representantes dos consumidores, dos produtores e de empresas de eletricidade, para deixar o alerta:

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Ao diminuírem os proveitos permitidos apenas num determinado ano, geram um agravamento tarifário da mesma dimensão nos anos subsequentes, porque nesses anos os proveitos permitidos são repostos para o nível que se verificava antes da aplicação da medida em causa”.

Ou seja, há uma transferência do Orçamento do Estado que permitirá baixar os preços em 2019, porque essas receitas serão usadas para pagar uma fatia dos custos suportados pelos consumidores de eletricidade. Mas nos anos seguintes, num horizonte pós-eleições legislativas, o efeito pode ser o contrário, se não for contrariado por outros fatores do lado dos proveitos e ou dos custos. A começar pela evolução dos preços da energia elétrica em mercado, que a ERSE prevê que continuem acima dos valores médios de mercado dos anos anteriores, mas também pela capacidade de executar algumas medidas que ficaram mais ou menos decididas com o anterior secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches.

As medidas extraordinárias que vão baixar a eletricidade

Há várias, mas a que foi decisiva resultou de uma negociação feita no quadro da proposta de Orçamento do Estado para 2019 e que envolveu também a EDP. Esta medida foi já materializada num despacho de novembro, assinado pelos secretários de Estado da Transição Energética e do Orçamento do Estado.

Este despacho dá ordem de transferência de 189 milhões de euros para abater aos custos de interesse económico geral (CEIG), os custos resultantes de decisões políticas, que constituem a maior fatia dos preços pagos pelos consumidores domésticos. Esses valores vêm do Fundo de Sustentabilidade do Setor Energético e têm duas origens: as receitas com leilões das licenças de CO2, vendidas pelo Estado às empresas poluidoras, e a contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE) cobrada às grandes empresas do setor.

Mas para que se atingissem os valores que foram transferidas, foi necessário uma outra medida não recorrente e que resultou de um acordo entre o Governo e a EDP que não será repetível, na mesma dimensão. A elétrica concordou em voltar a pagar a CESE, cujo pagamento tinha suspenso em 2017. Na sequência desta decisão, a EDP entregou ou vai entregar até ao final do ano a receita correspondente a dois anos de CESE, da ordem dos 120 milhões de euros. Foi esta “contribuição” que permitiu ao Governo mobilizar 139 milhões de euros para as tarifas do próximo ano.

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Ora em 2020, e se se mantiver a cobrança normal de CESE pelas duas empresas, a REN e a EDP, que efetivamente a pagam — uma vez que a Galp não mostrou interesse em aderir ao mesmo tipo de acordo — a cobrança não chegará aos 100 milhões de euros. E ainda assim seria necessário que o Ministério das Finanças autorizasse a transferência desta verba para as tarifas, o que só aconteceu na dimensão prevista na lei este ano e porque o Governo foi forçado a encontrar uma alternativa à descida do IVA sobre toda a fatura elétrica, que estava a ser exigida pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP. Ao contrário de uma baixa mais generalizada do IVA, que se limita à potência contratada mais baixa, a opção feita tem efeito temporário e não precisa do aval de Bruxelas.

Há ainda outras medidas extraordinárias de política energética que podem contrariar ou agravar as tarifas dos próximos anos. Um dos mecanismos que vai intervir no sentido da descida dos preços é o abate às receitas devidas à EDP da fatura de 285 milhões de euros que diz respeito aos aspetos inovatórios que terão sido introduzidos pelos diplomas que em 2007 aprovaram os termos finais dos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC) e que terão favorecido a elétrica.

A decisão de deduzir estes pagamentos às rendas a pagar à elétrica ao abrigo dos CMEC foi tomada pelo anterior secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, e foi já contabilizada nos cálculos tarifários para 2019, mas não na totalidade. Entraram cerca de 90 milhões de euros, sendo que o resto será diluído pelos próximos dois anos. O efeito da dedução destes valores aos proveitos a pagar à EDP faz com que só partir de 2022 a elétrica volte a receber as compensações definidas no quadro dos CMEC. Mas se este acerto de contas constitui uma almofada financeira que dá algum alívio do lado dos custos à fixação das tarifas dos próximos anos, a verdade é que este efeito já foi considerado este ano.

Outro dos fatores extraordinários que beneficiaram as contas da eletricidade do próximo ano, e que também resultou de uma decisão do anterior secretário de Estado da Energia, tem um desfecho mais incerto.

A ERSE contabilizou 140 milhões de euros da devolução do duplo apoio que terá sido concedido aos produtores do regime especial. A medida foi determinada também por Jorge Seguro Sanches em 2016 e beneficiou as tarifas do ano seguinte em 140 milhões de euros, mas não foi executada devido a dificuldades várias no apuramento dos valores e identificação dos apoios e centros produtores , tendo levado a secretaria de Estado, aliás, a pedir o apoio da Inspeção-Geral das Finanças. E foi com base nos números preliminares identificados pela IGF, que iam até 300 milhões de euros — tal como o Observador divulgou —, que a ERSE voltou a retirar 140 milhões de euros aos proveitos do serviço universal e que deverão ser pagos ou deduzidos aos proveitos dos produtores renováveis.

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A decisão final sobre o valor a devolver está nas mãos do novo secretário de Estado, João Galamba, e há muitas dúvidas sobre a validade jurídica desta exigência e sobre a capacidade para a executar. Se não for feito, fica um buraco nos proveitos da EDP que tem de ser corrigido. Ou seja, os consumidores da eletricidade podem ser chamados a compensar este valor que não entrou.