Aida, nome fictício, foi agredida pelo namorado numa noite do verão de 2013: foi atirada da janela do segundo andar e ficou paraplégica. O namorado foi julgado e condenado a 15 anos de prisão, em junho de 2016, e a jovem cujo nome não é revelado teria direito a uma indemnização de 90 mil euros para fazer face às despesas médicas inerentes à sua condição física. Acontece que, apesar da decisão do tribunal, o organismo estatal francês que gere as indemnizações às vítimas, considera que “há uma responsabilidade partilhada” e, como tal, Aida não tem direito à indemnização na íntegra.
Tudo porque, segundo a justificação do Fundo de Garantia para Vítimas, citado pelo El País, a jovem foi “negligente e imprudente” ao ter regressado a casa na noite do crime, depois de a polícia já ter sido chamada na sequência de uma discussão acesa e ter sido aconselhada a sair dali. Como a jovem não respeitou o conselho da polícia, o fundo de indemnizações considera que é “em parte” culpada — em vez dos 90 mil terá direito apenas a 65 mil euros.
“O que não entendo é que me imputem responsabilidade. É como se eu tivesse contribuído, como se tivesse procurado ficar paraplégica para o resto da vida”, disse a jovem esta sexta-feira à France 2, mantendo a identidade reservada. Segundo conta o jornal regional Le Maine, que foi o primeiro a revelar a história, o casal já tinha tido alguns episódios de violência doméstica mas nunca nenhum tinha terminado no hospital. Naquele dia 24 de agosto de 2013, a jovem, que tinha 25 anos na altura, foi aconselhada a sair de casa pela polícia. A jovem terá dito que sim, mas os pais viviam a 50 quilómetros de distância, e àquela hora da noite não havia transportes públicos. Segundo o relato feito por aquele jornal, Aida tentou ligar para o 115 (urgências sociais) para arranjar um alojamento alternativo, mas em vão. Acabaria, então, por regressar a casa por volta das 3h30 da manhã.
Foi esse o seu erro, segundo o organismo estatal francês responsável pela atribuição de indemnizações às vítimas. Os vizinhos voltariam a chamar a polícia, mas desta vez, o pior já tinha acontecido: a jovem tinha sido atirada do segundo andar do prédio. O namorado foi condenado a 15 anos de prisão e a jovem a receber uma indemnização de 90 mil euros. O problema foi quando os advogados se dirigiram ao fundo de garantia das vítimas, que consideraram que havia uma “responsabilidade partilhada” e que ela tinha sido “negligente e imprudente”, decidindo por isso reduzir-lhe a indemnização.
A presidente do Fundo, Nathalie Faussat, defendeu mesmo a decisão perante as câmaras da France 2: “Neste caso, ficou provado que a vítima não respeitou as regras de prudência que a polícia lhe tinha recomendado, não só para abandonar a casa como a cidade. A justiça considerou, por isso, que era motivo para reduzir a indemnização”, disse.
Um entendimento que a atual secretária de Estado para a Igualdade, Marlène Schiappa, não tem. No Twitter, a governante disse que a situação era “profundamente chocante e incompreensível”. “Considerar que uma mulher é responsável, mesmo que parcialmente, ou mesmo que apenas administrativamente, da violência que sofreu vai contra todo o trabalho que fazemos aqui para explicar que uma mulher nunca é responsável pela violência que lhe é imposta”, escreveu.
Cette décision va à l’encontre du travail de conviction que nous menons.
Non, une femme n’est jamais responsable des violences subies, même administrativement !
Nous recoupons les faits.
Je suis prête à intervenir personnellement dans ce dossier.
1/2https://t.co/dTyaV0J0Rn— ???????? MarleneSchiappa (@MarleneSchiappa) January 3, 2019