A capa principal que vestiu foi a de desafiador. Mas por baixo dessas trazia outras. Luís Montenegro reservou uma pequena sala no CCB, chamou jornalistas, apareceram uns poucos militantes de base, e fez o anúncio que se esperava: é candidato à liderança do PSD e quer fazê-lo, de preferência, em eleições diretas, o quanto antes. Ressalvou que não se tratava de um confronto pessoal, mas um confronto entre duas estratégias diferentes. Não rejeitou, contudo, que, se Rio recusar, possa haver outras possibilidades de cenário de batalha.

Disse que estava ali “a dar a cara” para evitar que o PSD venha a ter uma “derrota humilhante” nas eleições, como anteveem as sondagens, mas mostrou outras caras: a de analista político, que faz um balanço muito negativo do primeiro ano de Rio à frente do PSD, e a de candidato a primeiro-ministro, que diz que chegou para “galvanizar os portugueses” e para devolver a “esperança” aos portugueses.

Montenegro, o desafiador

Já se esperava que o fizesse e fê-lo de forma clara: Luís Montenegro desafiou Rui Rio a convocar eleições diretas “já”, o quanto antes, para o partido não cair “no abismo” para onde está a mergulhar. Caso contrário, o PSD arrisca-se a ter uma “derrota humilhante” nas legislativas. Com estas palavras, Montenegro faz duas coisas: diz que a liderança de Rio já não tem volta a dar —  “falhou” e “é irreversível” — ao mesmo tempo que põe uma bitola para si mesmo caso conquiste a liderança do partido e vá a votos em outubro. A escassos meses das eleições, evitará uma “derrota humilhante”?

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Recorrendo mesmo à palavra “desafio”, Montenegro pediu a Rio para mostrar “coragem” e para “não ter medo do confronto”. O objetivo, disse, é clarificar, pôr “tudo em pratos limpos”, acrescentando que até é mais “saudável” assim, do que ficar a “queimar o líder em lume brando”. “Se tem mesmo Portugal à frente de tudo, mostre coragem e não hesite em marcar estas eleições internas, não tenha medo do confronto, não se justifique atrás de questões formais, o tempo é de confronto político”, disse.

E foi mais longe, especificando quais são os dois lados em confronto, lembrando que “este combate não é pessoal, é o confronto entre duas estratégias”: de um lado, Rui Rio com a ideia de “um partido pequeno, perdedor, satélite de António Costa, sem agenda reformista”. Do outro, Montenegro, com uma “estratégia assente na ideia de um PSD grande, ganhador, com vocação maioritária, autónomo do PS, independente e crítico do primeiro-ministro António Costa, capaz de falar aos jovens, de defender e representar a classe média, identificado com os sentimentos mais profundos da sociedade”, definiu.

A antecipar o argumento dos opositores de que sempre defendeu que os mandatos devem ir até ao fim e que o líder eleito deve ser testado nas urnas, Luís Montenegro ainda usou a sua capa de desafiador para explicar o porquê de estar a ser contraditório consigo mesmo. As circunstâncias é que mudaram, alega. E mudaram de forma “brutal e grave”. “Já não estamos a viver uma situação normal. Houve uma brutal e grave alteração de circunstâncias em relação à eleição de há um ano (…) Há um ano ninguém concebia que o PSD fosse aquilo que é hoje, amorfo, sem causas, incapaz de mobilizar os seus militantes e em risco de ter um derrota que pode comprometer a sua sobrevivência enquanto partido nacional. É preciso e urgente mudar este estado de coisas, é preciso salvar o PSD do caminho para o abismo em que ele está mergulhado”, justificou. Por isso não quer esperar nem mais um minuto.

O desafio derradeiro foi um apelo à coragem do adversário e uma defesa da sua própria honra. “Se tem mesmo Portugal à frente de tudo, mostre coragem e não hesite em marcar estas eleições internas. Não tenha medo do confronto, não se refugie atrás de questões formais, o tempo é de respeito pessoal mas de confronto político. Eu assumo a minha responsabilidade com o devido respeito entre militantes, mas com a frontalidade que se exige no momento decisivo da vida do PS”.

Montenegro, o analista

Nos cálculos de Luís Montenegro, este seria o tempo em que permaneceria afastado da “política ativa” e ganhava espaço como comentador – uma etapa que, em Portugal, tem servido de rampa de lançamento para voos mais altos para vários políticos, de Marcelo Rebelo de Sousa a António Costa.

Montenegro manteria assim presença no espaço mediático, com o programa de debate que tem na TSF (“Almoços Grátis, com Carlos César)  e chegou a ter na TVI, e tentava produzir pensamento relevante sobre o país, a Europa e o mundo, na coluna semanal que assina no Expresso (e no comentário diário que passou a fazer na televisão).

Os cálculos, claro, foram revistos nos últimos dias e o analista voltou a dar palco ao político. E o político já pode fazer aquilo que o analista até agora jurava querer evitar fazer: carregar nas críticas e nas previsões pessimistas sobre a liderança do PSD.

“Um ano depois, o estado a que o PSD chegou é mau, é preocupante e é irreversível com esta liderança”, disse Montenegro logo no arranque do discurso. A palavra “irreversível” acabaria por repeti-la várias vezes ao longo da intervenção para reforçar a mensagem de que Rui Rio levou o partido a um beco sem saída. “Falhou”, “resignou-se”, “atirou a toalha ao chão”, continuou numa sucessão de ataques disfarçados de radiografia ao estado do partido.

Se Montenegro fez eco das principais críticas dos adversários internos de Rio, como a descida nas sondagens e a colagem a António Costa, também olhou para a forma como Rio trata os opositores e acusou-o de ser ele próprio o “instigador do confronto interno”. Dando voz aos que no grupo parlamentar se sentem muitas vezes desprezados, apontou o líder do partido como o responsável por “hostilizar  quadros e estruturas do PSD, numa lógica maniqueísta do PSD entre os bons e os maus.”

À boa maneira de um analista político, deixou também uma previsão: “O PSD corre o risco de ter uma derrota humilhante perdendo a natureza de grande partido nacional e entrando num processo de enfraquecimento”.

Montenegro, o político

Toda a intervenção foi um discurso político, obviamente. Mas entre críticas duras à liderança de Rio e diálogos mais diretos com os eleitores do PSD (e não só), houve passagens em que Luís Montenegro antecipou a resposta a críticas que já lhe estão a ser feitas ao mesmo tempo que carregava nas farpas aos que lhe são hostis e tentava posicionar as peças ao modo que mais lhe convém. Ou seja, jogou o jogo da política. Fê-lo quando explicou uma aparente contradição óbvia entre aquilo que um dia prometeu, (não faria a Rio aquilo que Costa fez a Seguro) e aquilo que está a fazer agora, com o argumento de que “esta não é uma circunstância normal”. A frase foi dita há um ano logo na sequência do congresso do PSD, e Montenegro justifica que “há um ano ninguém concebia que o PSD fosse o que é hoje: amorfo, sem causas, incapaz de mobilizar os seus militantes e em risco de ter uma derrota que pode comprometer a sua sobrevivência”. Depois, faz a fuga para a frente e tenta transformar a fraqueza um ponto forte, quando se apresenta como um homem que está a fazer um serviço ao país e ao partido: “Não se resigna” e sentiu “que devia sair da zona de conforto”.

Montenegro aponta também aos que estão na sombra à espera de uma oportunidade mais favorável e preferem agora “deixar o líder queimar em lume brando”. Será uma indireta aos potenciais adversários de quem se fala, que não assumiram ainda vontade de entrar na luta (exceção feita a Miguel Morgado, e mesmo assim só se houver diretas marcadas). Montenegro diz que assim é “mais saudável, mais leal e mais útil” pôr “tudo em pratos limpos”.

Apesar dos auto-elogios, é claro que Luís Montenegro sabe que já está a ser condenado pelos adversários por ter provocado uma crise política no partido em plena época eleitoral, podendo ter contribuído para comprometer os resultados. Para além disso já ouviu acusações de estar a protagonizar um “golpe de estado”. É também por isso que prefere evitar colocar a questão em termos estritamente políticos e pede a Rio que convoque eleições já. O processo seria mais limpo e mais rápido e potencialmente menos danoso para a imagem de quem abriu uma crise de liderança à beira de eleições. Por outro lado, este repto serve de ultimato e coloca o ónus do lado de Rui Rio: vai refugiar-se “atrás de questões formais”, jurídicas e administrativas ou aceitar o desafio?

Montenegro, o candidato a primeiro-ministro

Quem o ouvisse diria que o anúncio que estava a fazer não era apenas um desafio à liderança do PSD — cuja vitória está longe de estar garantida. Diria mesmo que Luís Montenegro estava a fazer uma comunicação ao país na qualidade de candidato a primeiro-ministro. Se na primeira parte se tinha dirigido “ao dr. Rui Rio, aos militantes, aos eleitores e aos simpatizantes do PSD”, na segunda parte dirigiu-se “aos portugueses”. Portugueses a quem prometeu um novo “tempo de esperança”.

Estou aqui para galvanizar os portugueses em torno de um tempo de esperança, um tempo de esperança que atinja a vida das pessoas, conferindo mais bem-estar, mais oportunidade de subirem na vida, que imponha um travão à exaustão fiscal das famílias e das empresas, que assegure uma administração enxuta meritocrática e centrada no serviço aos cidadãos”, afirmou.

Em jeito de descrição daquilo que é o ideal de sociedade que preconiza, Montenegro defendeu “uma sociedade e economia livres de dependências e privilégios injustificados”, com uma imprensa “livre, viável financeiramente e preponderante face à forma desregrada com que as redes sociais fazem da mentira verdade”, assim como defendeu uma política concentrada “na nobreza de servir o interessa nacional de forma livre, transparente e incorruptível”.

Ou seja, procurou falar para o país, para os “jovens”, a “classe média”, os “reformados”, os “pensionistas”, as “pequenas e médias empresas”, os “trabalhadores”, mas sem concretizar que ideias ao certo propõe e defende.