O telefone não tem parado. As últimas horas antes de entrar na sala do CCB para desafiar publicamente Rui Rio para o combate, foram passadas na sua casa, em Lisboa, com uma mão no teclado e a outra no telefone, ao ouvido. Os últimos dias têm sido assim, frenéticos, tem ouvido muita gente, mas o núcleo com quem trabalha de forma próxima é muito restrito. Sem surpresa, foi Hugo Soares, que o substituiu na liderança da bancada, quem esteve com ele grande parte da manhã.

Ao que o Observador apurou, a intervenção que está a preparar não deverá ter mais do que 10 ou 15 minutos, mas será feita em tom de comunicação ao país (e não apenas ao PSD), como se Montenegro fosse mais do que um desafiador da atual liderança do partido, e estivesse já a posicionar-se como candidato a Primeiro-Ministro. Nesse tempo, deverá fazer uma análise da situação política no país, e depois da situação interna no partido para depois desafiar Rio para umas eleições diretas, com o intuito de clarificar a liderança do partido. Montenegro quer que o combate se faça na arena política e não jurídica, sem moções de censura e leituras de estatutos e regulamentos internos. Nesse terreno, o antigo líder da bancada parlamentar do PSD já sai a perder com acusações de “golpe de estado” e de tentativa de usurpação do poder legitimado pelos militantes do PSD há exatamente um ano. Onde é que já vimos isto antes? No PS, com a chegada ao poder de António Costa. As semelhanças são evidentes, mas as diferenças, apesar de tudo também. Costa desafiou Seguro depois de umas Europeias ganhas pelo PS (mas por “poucochinho”), se depender de Montenegro, Rio nem conseguirá disputá-las. Por outro lado, António Costa tinha uma experiência política mais longa e diversificada que Montenegro, que ganhou protagonismo sobretudo como líder da bancada parlamentar do PSD.

Luís Montenegro tem hoje 46 anos, mas os primeiros embates com Rui Rio, mesmo que discretos e indiretos, já remontam aos tempos em que, com apenas 25 anos se candidatou à concelhia do PSD de Espinho. Era líder local da JSD quando, em 1998, foi desafiado pela estrutura a candidatar-se a presidente da concelhia. A lista era única e, por isso, não teve dificuldades em ganhar. O problema surgiu depois: quando assumiu a pasta, Rui Rio, que era secretário-geral do partido, e Marcelo Rebelo de Sousa presidente, tinha acabado tomar uma das mais polémicas medidas administrativas do seu mandato, que obrigava os militantes a refiliarem-se no partido para regularizar os cadernos. Resultado: o PSD em Espinho tinha perto de 600 militantes, e chegou às mãos de Montenegro reduzido a 50. Terá sido a primeira vez que Rui Rio apareceu no caminho daquele jovem social-democrata pelas piores razões. Mas estava longe de ser a última.

Luís Montenegro durante esta manhã, em casa, a preparar a intervenção que vai fazer às 16h, no CCB

“Desta vez decidi ‘não’, se algum dia entender dizer sim, já sabem, não vou pedir licença a ninguém”. Hoje é o dia. Quando, a 17 de fevereiro de 2017, Luís Montenegro subiu ao palco do 37º congresso do PSD e olhou para Rui Rio, sentado na primeira fila, não esteve com meias palavras: assumiu-se desde logo como challenger, que ficaria à espreita, à espera do momento de avançar. Na sala da antiga FIL não faltavam rostos descontentes com aquela eleição, mas só Montenegro foi ao palco dizer preto no branco que não queria enterrar o machado de guerra. Ou melhor, ia enterrar para já, mas ia ficar ali à mão de semear, para qualquer eventualidade. Habituado a perder batalhas, em Espinho, onde nasceu, dizem os seus mais próximos que Luís Montenegro costuma ser o “pacificador” e o “motivador da equipa”, nunca o “sanguinário”, depois de uma guerra perdida, mas neste caso foi o oposto. Porquê? Talvez porque “houve uma reação de força da parte da direção eleita, e até alguns recados para dentro como que a incentivar os guerreiros a mostrarem o machado ativo, e como havia muita gente descontente, ele quis dizer-lhes ‘calma, não estão sozinhos'”, conta ao Observador uma fonte próxima de Montenegro, que preferiu manter o anonimato.

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A reflexão começou a ser feita desde esse dia. Anunciou desde logo que deixaria o lugar de deputado, remeteu-se a um estado mais recuado, ainda que com presença reforçada na comunicação social, e ficou a analisar. Sempre disse que “não concordava, não patrocinava e não se condicionava” por iniciativas que visassem “destituir o líder do PSD intempestivamente”, como chegou a dizer ao Expresso. “O PSD precisa de bom senso e maturidade. O nosso adversário é o PS, António Costa e o imobilismo deste Governo amarrado à esquerda radical”, esta era a sua linha de pensamento. Mais: “da mesma maneira que já disse que não pedirei licença a ninguém [para ser candidato à liderança], também digo que não avançarei para nada empurrado por ninguém”. Certo é que, Montenegro poucas vezes comentou de forma dura a liderança de Rui Rio, até esta quarta-feira quando aproveitou um desses palcos mediáticos (na TSF) para dar o primeiro sinal às tropas que de o general estava pronto.

A pergunta que permanece na cabeça de muita gente é porquê agora, e porque não deixar o líder eleito ir a eleições e disputá-las. “A ser era agora ou só depois de outubro, mas aí o partido já só teria 19% e estaria reduzido, não a uma carrinha de 9 lugares, mas a um mero autocarro de 22”, diz uma fonte ao Observador. Portanto, para evitar essa tragédia tinha de ser agora. É o tudo ou nada. A leitura que os seus mais próximos fazem é de que não há como o avanço de Montenegro prejudicar o partido, antes pelo contrário, vai clarificar e dar-lhe mais força — seja para um lado, seja para o outro. “Ele na verdade está a fazer serviço público ao partido, porque se Rui Rio ganhar, sai reforçado e sem margem para críticas, se perder é um novo trunfo” para o ciclo eleitoral que se avizinha, diz uma fonte. O ponto-chave é “o PSD sair do marasmo” em que mergulhou, mesmo que continue a ser “muito difícil” ganhar eleições legislativas.

Um golpe à la Costa/Seguro

Apenas um líder do PSD conseguiu perder eleições e manter-se no cargo. Foi Durão Barroso, em 1999, que tinha acabado de chegar à liderança do partido, na sequência da saída de Marcelo, perdeu nas urnas mas manteve-se à tona com o argumento de que tinha acabado de chegar e viria a ganhar as eleições seguintes. Mas nem sequer é esse o exemplo que os mais próximos de Montenegro citam para legitimar este avanço. Há quem lembre mesmo as primárias do PS onde António Costa desafiou António José Seguro. “O que parecia mau, nesse caso, até acabou por ser positivo: o PS não ganhou as eleições mas formou governo”, diz a mesma fonte, próxima de Montenegro.

Não é uma comparação que a ala montenegrista goste certamente de usar, até porque pode-se virar muito facilmente contra eles. Luís Montenegro chegou a dizer, em fevereiro, à TVI, que não iria fazer “o que António Costa fez a Seguro”. E há diferenças, entre as muitas semelhanças: primeiro, Montenegro não considera ser uma traição a Rio porque desde o dia zero, como se viu no congresso, que clarificou em que lado é que estava; e, depois, porque Montenegro nem sequer quer esperar pelas europeias para provar o desastre de Rio nas urnas, ao contrário do que Costa fez: esperou, mas depois Seguro ganhou, e Costa teve de argumentar que a vitória tinha sido “poucochinha”. O golpe deu-se na mesma. “Conhecem a minha convicção e a minha determinação. Se for preciso estar cá, eu cá estarei, para o que der e vier, sem receio de nada e sem estar por conta de ninguém, sou totalmente livre. (…) Desta vez decidi não [avançar], se algum dia entender dizer sim, já sabem, eu não vou pedir licença a ninguém”, foram as palavras de Montenegro no congresso que podem ser usadas a seu favor — sempre disse que ia estar por aí. Se naquele dia 17 de fevereiro, decidiu ‘não’, neste dia 11 de janeiro vai decidir ‘sim’, e vai desafiar Rui Rio para umas diretas que vão deixar o PSD em alvoroço num ano com três eleições: europeias, na Madeira e legislativas.

As derrotas em Aveiro e o dia em que se auto-propôs a Passos Coelho

No currículo de Montenegro há mais derrotas do que vitórias. Inscrito na Juventude Social-Democrata de Espinho desde tenra idade, foi líder daquela estrutura mas cedo tentaria voos maiores. Em 1998 foi eleito líder da comissão política concelhia, e em 2001 tentou uma candidatura à câmara de Espinho sem grandes hipóteses de ganhar — perdeu. Em 2005, nas autárquicas seguintes, quando José Sócrates tinha acabado de conquistar a primeiro e única maioria absoluta do PS nas legislativas, voltou a concorrer à câmara de Espinho, desta vez em coligação com o CDS, mas nem assim: perderia para José Mota, um socialista histórico e ex-sindicalista. Mais uma derrota.

“O Luís [Montenegro] vive muito a democracia e acredita que as eleições internas e externas são para ser vividas: democracia sem combate não é democracia”, diz um dos seus mais próximos que o acompanhou na vida partidária desde os anos 90, que acrescenta que nunca o facto de perder o demoveu de continuar a participar. “Sempre aceitou as derrotas de forma elevada, e quando venceu também foi sempre solidário. É uma pessoa de fazer pontes, respeita o adversário, não é de fechar portas”, continua, arriscando mesmo dizer que essa postura de Montenegro “fez escola em Espinho”.

Foi o que fez em 2006, quando voltou a perder eleições, desta vez distritais.”Quando concorreu à distrital de Aveiro, em 2006, já era deputado, e perdeu, no dia a seguir estava a trabalhar com o engenheiro António Topa [o candidato vencedor]”, recorda a mesma fonte, que se lembra também dos tempos idos de 1998, quando Montenegro assumiu a liderança da concelhia de Espinho que tinha sofrido um abandono massivo de militantes. “Nessa altura os militantes estavam revoltados, Espinho perdia consecutivamente eleições autárquicas (em 1993 e depois em 1997) e, também por causa do processo de refiliação de Rui Rio, muitos acabaram por recuar”, conta. O que aconteceu foi que, quando voltou a ser altura de elaborar listas e escolher lugares, muitas dessas pessoas decidiram voltar — e Montenegro aceitou-as gradualmente, numa atitude que o seu círculo mais próximo tinha dificuldades em compreender. “Os guerreiros dele não compreendiam que ele fizesse esse acolhimento, mas ele sempre nos convenceu a olhar para a política numa perspetiva diferente, de construção. Hoje essas pessoas, as que ainda se mantêm na política, mantêm-se com ele”, diz ao Observador.

A falta de vida profissional para lá da política

Nessa altura conturbada em Espinho, a mesma fonte ouvida pelo Observador, recorda o dia em que, numa assembleia de militantes muito concorrida, quando tinha acabado de ser eleito líder da concelhia, foi acusado por várias frentes de não ter vida profissional e ter feito sempre caminho na política (formou-se em Direito, em 1999, pela Universidade Católica Portuguesa). Na assistência dessa assembleia estavam os seus pais, pelo que essa mesma fonte ouvida pelo Observador, que é amiga de longa data de Montenegro, mantém na memória a forma como ouviu as “duras” críticas e “manteve a postura”, não respondendo na mesma moeda. “Teve uma visão estratégica clara e evitou os ataques pessoais, e podia tê-lo feito”, conta.

Em 2009 ganharia as primeiras eleições em Espinho, mas enquanto presidente da Assembleia Municipal, não enquanto presidente da câmara (no executivo camarário teve apenas funções de vereador). O caminho para a Assembleia da República, contudo, acontece meio por acidente. Em 2002, o nome de Luís Montenegro foi posto nas listas de deputados por Aveiro, mas num lugar à partida não elegível. A vitória do PSD de Durão Barroso nas legislativas, e o facto de Luís Marques Mendes ter subido a ministro dos Assuntos Parlamentares, é que fez vagar um lugar elegível na lista de Aveiro: e foi assim que Montenegro chegou ao Parlamento.

Nos anos que se seguiram manteve um percurso discreto mas “trabalhador ao nível do domínio dos dossiês” na Assembleia da República. Em 2010 seria escolhido para número dois do líder parlamentar Miguel Macedo, e em 2011, quando Passos Coelho ganha as eleições e tem de escolher uma nova direção parlamentar encontra uma bancada que o aponta na direção de Luís Montenegro. Ao Observador, uma fonte lembra que, nessa altura, foi o próprio Luís Montenegro que assumiu perante Passos Coelho a disponibilidade natural de ser líder dos deputado. Outra fonte conta como, não tendo os dois uma relação “privilegiada” nessa altura, Montenegro foi uma escolha “natural” entre os deputados eleitos.

A partir daí é que se desenvolveu a proximidade entre os dois. “Havia um respeito mútuo e estavam os dois muito articulados, porque era preciso fazer a ligação com os deputados e explicar-lhes as medidas difíceis que o governo, no tempo da troika, estava a tomar. Era preciso manter a bancada coesa, era uma tarefa difícil”, ouve o Observador. Foi nesse cargo que passou a ser considerado membro da ala mais à direita do PSD, a ala passista. Nunca foi dissonante da direção do partido e manteve sempre posições muito próximas das de Pedro Passos Coelho enquanto primeiro-ministro, sendo o braço armado do governo no Parlamento.

Polémicas. Da maçonaria, às viagens ao Euro passando pelos ajustes diretos

Como deputado, contudo, viu-se envolvido em algumas polémica. Primeiro, uma polémica relacionada com a sua vida profissional, por ser proprietário de 50% do capital social da empresa “Sousa Pinheiro e Montenegro”, a empresa de advogados que, entre 2014 e 2017, contraiu seis contratos por ajuste direto com o Estado: quatro com a câmara de Espinho e outro dois com a câmara de Vagos, ambas presididas por sociais-democratas, no valor de quase meio milhão de euros. Em causa estava o facto de o estatuto dos deputados não permitir que os parlamentares que têm mais do que 10% em empresas fechem contratos com o Estado. Na altura, Montenegro defendeu-se, alegando que a advocacia era uma profissão liberal que estava excecionada no Estatuto, e o caso não teve consequências maiores.

Em 2016, Montenegro é atingido por outra polémica: a das viagens a Paris para ver um jogo do Euro 2016 pagas pela  Olivedesportos, e Joaquim Oliveira. A propósito disso, o ex-líder parlamentar, assim como Hugo Soares (o seu delfim mais próximo) e Luís Campos Ferreira foram constituídos arguidos pelo alegado crime de recebimento indevido de vantagem. O caso era mais extenso do que isso, envolvendo secretários de Estado do governo de António Costa que tinham aceite convites da Galp para assistir a esses jogos da seleção, e que foram forçados a demitir-se do Governo.

No leque de polémicas que Montenegro guarda no currículo conta-se ainda as notícias, de 2012, que indicavam que pertencia à Maçonaria, nomeadamente à mesma loja maçónica do ex-diretor das secretas, o super-espião Jorge Silva Carvalho (a Mozart). As notícias obrigaram-no a dar uma conferência de imprensa, ao lado da deputada Teresa Leal Coelho, a explicar tudo, mas Montenegro nunca chegou a desmentir nem a confirmar os factos, argumentando que o “relevante” era que “nenhum interesse particular” colocasse em causa a sua submissão ao interesse público.

Mais tarde, num artigo no jornal Expresso, o líder da bancada social-democrata foi mais longe e assumiu que tinha participado em “algumas reuniões e debates com um conjunto de pessoas qualificadas e empenhadas em refletir”, mas recusou ter qualquer “atividade na maçonaria”. Mais tarde, entrevistado por Ricardo Araújo Pereira na TVI, num registo mais descontraído, Montenegro pegou num avental azul e garantiu: “o único avental que uso é este e diz: ‘cuidado, dragão na cozinha'”. Conhecidos são, de facto, os dotes de Montenegro como cozinheiro. “Todos conhecem o delicioso arroz de de marisco que faz nas festas de Espinho e nas associações de veteranos de Espinho. É sempre o cozinheiro de serviço, mas mais neste contexto de festa, não é muito de fazer jantares elitistas e privados em casa”, diz ao Observador um amigo próximo.

Com ou sem avental, quem não gostou de ver nos jornais as ligações de figuras do PSD à maçonaria foi… Rui Rio. Numa cerimónia em que assinalava 10 anos à frente da câmara do Porto, em 2012, Rio não se poupou nas palavras e nos recados, dizendo que, na política, valorizava “a palavra dada, a predominância do interesse público, a defesa da transparência democrática por contraposição à política perversa que se esconde em organizações secretas”. Rio-Montenegro take II, é o que se segue.