A escolha de Jeddah, na Arábia Saudita, não foi propriamente a coisa mais consensual do mundo para a realização da Supertaça de Itália. Longe disso. A primeira vez que o troféu foi disputado no estrangeiro, neste caso em Washington nos anos 90, trouxe até um feedback positivo mas a passagem para a Líbia em 2002 já levantou bastante celeuma. A prova passou então de novo pelos Estados Unidos, regressou a Itália e arriscou nos últimos dez anos os mercados emergentes: China e Qatar. No entanto, e este ano, os contras foram superando de forma larga os prós à medida que a data marcada se ia aproximando.

Depois das primeiras críticas internas, não só na esfera do futebol mas também na política, a Amnistia Internacional pediu para que as duas equipas boicotassem o encontro na sequência do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. A seguir, as atenções viraram-se para as limitações que as mulheres que quisessem assistir ao encontro teriam de passar, nomeadamente o facto de só poderem ir para determinados setores e acompanhadas. “Não vou assistir ao jogo, é triste, nojento”, atirou Matteo Salvini, vice primeiro-ministro italiano que é um confesso adepto do AC Milan, em declarações reproduzidas pela CNN. “É uma vergonha como se vendem os ideais que devem fazer parte do desporto”, acrescentou. E como ele houve muitos mais.

Foi tudo menos consensual, apesar do distanciamento que as equipas foram mantendo. Ao contrário do que se passou em torno da figura do costume, Cristiano Ronaldo. Dos companheiros de equipa aos adversários, houve unanimidade.

“Tornou-se um jogador incrível. Quando o conheci há uns anos ele fazia muito espetáculo mas depois parou com isso. Agora faz tudo com veemência, ataca com grande precisão. Quer marcar, quer sempre dificultar a tarefa dos adversários. Ele mudou nos últimos sete ou oito anos, agora é uma máquina perfeita. Quanto mais envelhece, mais sprints faz. Parece que não tem idade”, reconheceu Gennaro Gattuso, técnico do AC Milan que chegou a defrontar o português como treinador.

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“O Ronaldo marcou-nos imensas vezes porque destruiu os meus sonhos em muitas ocasiões. Em Cardiff, em Madrid, em Turim… Antes, a Liga dos Campeões era um sonho; agora é um objetivo porque o Cristiano é o melhor jogador do Mundo e precisávamos dele para dar esse último passo. Segredo? É a sua personalidade. Tem imensa qualidade dentro do campo mas a sua atitude fora dele, a forma de trabalhar, como se prepara, como vive a sua vida. Ajudou-nos e mudou-nos”, destacou o capitão da Juventus, Chiellini. De um lado ou de outro, mudavam as palavras  mas não o foco. E foi isso que se viu também em campo, atá antes do apito inicial quando um adepto invadiu o relvado no aquecimento para tirar uma selfie com o número 7.

Seguranças retiram adepto do relvado mas objetivo de tirar selfie com Ronaldo foi conseguido (GIUSEPPE CACACE/AFP/Getty Images)

Num dia que ficou marcado pelo regresso de João Cancelo à competição cinco semanas depois do último compromisso oficial com o Inter (foi depois submetido a uma intervenção cirúrgica ao joelho direito), Massimiliano Allegri fez apenas uma alteração na equipa normalmente titular e forçada, lançando Douglas Costa no lugar do lesionado Mandzukic. Foi isso que motivou uma pequena nuance em termos estratégicos na frente, com Ronaldo a começar sempre de fora para dentro na esquerda e Dybala a aparecer como falso avançado para tirar referências aos centrais rossoneri. E foi essa mobilidade que deu espaço ao brasileiro para sair da direita para o meio e rematar a centímetros do poste da baliza de Donnarumma (3′). Mais tarde, de novo nesse espaço, foi Cancelo que subiu para mais um tiro cruzado a passar muito perto do alvo (16′).

A Juventus assumia o controlo completo do encontro, com o AC Milan (sem Higuaín e Suso) a sentir muitas dificuldades em conseguir lançar transições que permitissem ameaçar a baliza da Vecchia Signora. Aos poucos havia períodos de maior equilíbrio, com o conjunto de Gattuso a criar algum ruído nas bolas paradas, mas a formação de Turim acelerava e conseguia de novo colocar-se por cima, tendo chegado mesmo ao golo aos 34′ por Matuidi, anulado por fora de jogo. As melhores oportunidades estavam guardadas para os últimos minutos antes do intervalo: aos 43′, Ronaldo conseguiu finalmente encontrar espaço entre o colete de forças contrário para rematar de forma acrobática a rasar a trave após cruzamento de Alex Sandro; pouco depois, aproveitando um ressalto, Çalhanoglu atirou forte para defesa a dois tempos de Szczesny (45′).

Os adeptos estavam contentes da vida. O jogo tinha poucos motivos de interesse mas não é todos os dias que Jeddah recebe um encontro com duas das maiores equipas italianas e europeias. Vai daí, ato contínuo, bastava a bola aproximar-se de uma das linhas para saltarem dezenas de telemóveis do bolso para as mãos, quase como se interessasse mais guardar o momento do que propriamente estar a desfrutar do mesmo. Foi dessa forma que todos acompanharam um livre direto para a Juve que Cristiano Ronaldo acertou na barreira (47′); foi assim que alguns correram o risco de ver a primeira grande ameaça do AC Milan, quando Crutone rematou forte à trave de Szczesny (48′). Os rossoneri entravam com outra inspiração na partida mas, ao mesmo tempo, parecia haver mais espaço para o português, que atirou para defesa de recurso de Donnarumma aos 58′. Pouco depois, Ronaldo não perdoou e inaugurou mesmo o marcador de cabeça, após grande assistência de Pjanic (61′).

Gattuso tentou reagir, lançou pouco depois Higuaín e Borini em campo, mas o vermelho direto a Kessié aos 75′ por entrada fora de tempo sobre Emre Can acabou por deitar abaixo qualquer possibilidade do AC Milan em poder disputar ainda um encontro que passou a ter um controlo ainda maior da Juventus para recuperar uma Supertaça que lhe fugia desde 2015, depois de duas derrotas seguidas frente a AC Milan (no Qatar) e Lazio (no Olímpico de Roma), passando assim a ser também o conjunto com mais triunfos na competição (oito, contra sete do conjunto de Milão). E tudo graças a um golo de Cristiano Ronaldo que marcou numa final da oitava competição diferente, depois de Liga dos Campeões, Supertaça de Espanha, Mundial de Clubes (quatro em cada um), Taça do Rei, Supertaça Europeia (dois), Taça de Inglaterra e Taça da Liga (um). Ao todo são já 27 títulos conquistados pelo português entre 2002 e 2019. E, apesar dos 33 anos, continua a contar.