A reforma da supervisão financeira continua por concretizar, mais de dois anos após o Governo ter iniciado a discussão, tendo as Finanças dito à Lusa que a proposta já foi discutida em Conselho de Ministros e enviada ao BCE.
A reforma da supervisão financeira faz parte do programa do Governo, de finais de 2015, e logo em 2016 o ministro das Finanças, Mário Centeno, falou da necessidade de lançar uma “reflexão profunda” sobre a supervisão, para que “funcione melhor”, tendo em conta que “a experiência recente do sistema financeiro [português] é dececionante”.
O tema ganharia fôlego em 2017 com a criação de um grupo de trabalho para fazer propostas de mudanças na supervisão financeira e a abertura de uma consulta pública.
Contudo, desde que em final desse ano o processo passou para as Finanças, a quem cabe desenhar a legislação a apresentar ao parlamento, nada mais se soube publicamente sobre o processo.
Questionada pela Lusa, fonte oficial do gabinete liderado por Mário Centeno disse na passada sexta-feira que “o projeto já foi discutido em Conselho de Ministros” recentemente e que “seguiu para consulta direta obrigatória ao BCE [Banco Central Europeu] e aos três supervisores financeiros nacionais”.
As Finanças acrescentaram que “o processo legislativo continua em curso, tendo em vista a apresentação de uma proposta à Assembleia da República”.
O sistema português de supervisão financeira é constituído por três reguladores setoriais – Banco de Portugal (supervisor bancário), Autoridade dos Seguros e Fundos de Pensões (regulador dos seguros) e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM, regulador dos mercados), que se reúnem periodicamente no Conselho Nacional de Supervisores Financeiros para coordenar as ações e partilhar informação.
Contudo, a relação entre supervisores não tem sido imune a problemas. Isso mesmo ficou vincado sobretudo na resolução do Banco Espírito Santo (BES), uma vez que nem todos tinham a mesma informação do que se passava no banco e da necessidade de uma intervenção pública, e levou a trocas de acusações entre CMVM e Banco de Portugal (BdP).
Assim, quando no início de 2017, o ministro das Finanças lança o debate do tema no parlamento, defende precisamente que a coordenação entre supervisores será um dos pilares das mudanças que serão feitas no sistema português de supervisão do setor financeiro.
Mário Centeno expôs ainda os traços gerais do que para o Governo deveria constar da reforma, nomeadamente a criação de uma nova entidade que fique com a responsabilidade da supervisão macroprudencial (que salvaguarda a estabilidade de todo o sistema financeiro e previne riscos sistémicos) e que seja também a autoridade responsável pela resolução de bancos, retirando essas competências do BdP.
Segundo o governante, seria essa nova entidade (que substituiria o CNSF – Conselho Nacional de Supervisores Financeiros e o CNEF – Conselho Nacional de Estabilidade Financeira) que ficaria também a autoridade que agregaria os três supervisores nas matérias comuns, coordenando as suas atuações.
Meses depois, em setembro, seriam divulgadas as conclusões do grupo de trabalho (liderado por Carlos Tavares, ex-presidente da CMVM e atualmente presidente da Caixa Económica Montepio Geral, e que incluía ainda Siza Vieira, atual ministro da Economia) que avaliou o modelo existente de supervisão e as propostas de mudanças.
As conclusões apontavam para a manutenção dos três supervisores financeiros, mas reforçando a coordenação, e a autonomização da função de autoridade de resolução do BdP, integrando-a no novo CSEF – Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira.
O grupo de trabalho propôs que as “figuras de topo” do BdP e do CSEF sejam nomeadas pelo Presidente da República e sujeitas à aprovação parlamentar.
Seguiu-se um período de consulta pública, no qual as várias entidades envolvidas deram pareceres.
O BdP concordou com a manutenção de três supervisores, assim como com a passagem da função de autoridade de resolução para um organismo independente, mas defendeu que não deve estar no novo CSEF mas num organismo independente, liderada pelo ministro das Finanças, que funcione junto do próprio banco central.
Sobre a supervisão macroprudencial, que o grupo de trabalho propôs passar para o CSEF, o banco central considerou que deve ter predominância na decisão nesse campo, pelas competências que tem, e que a “opção preferencial” deve ser manter essa supervisão em si, referindo que isso “não invalida a necessidade de manter um mecanismo que assegure a devida articulação com outras autoridades relevantes”. Essa articulação, disse, pode ser assegurada pelo CSEF, mas com poder apenas consultivo.
Já a CMVM afirmou que quer estar envolvida em futuros processos de resolução de bancos, pelo impacto que têm no mercado financeiro, e mostrou-se contra a criação de uma nova entidade de supervisão financeira (defendendo uma coordenação reforçada entre os três supervisores, em que cada um tem o mesmo poder, em vez do atual, em que o governador do BdP preside ao CNSF).
A ASF, por seu turno, defendeu a manutenção dos três supervisores e a autonomização da supervisão macroprudencial e das funções de resolução e considerou que as soluções precisam de ter em atenção todos os setores, segurador e dos fundos de pensões, não estando demasiado focadas no setor bancário.
Por fim, a Autoridade da Concorrência mostrou-se contra uma eventual atribuição de poderes ao CSEF na investigação de práticas anticoncorrenciais na banca e seguros, por considerar que “introduz perturbações no atual quadro institucional de defesa da concorrência” e pode levantar conflitos de interesse.
Em outubro de 2017 terminou o período de consulta pública e a ‘bola’ passou para o Ministério das Finanças, que começou a preparar o diploma final.
Ainda nesse mês, Mário Centeno afirmou que as mudanças em causa não visam reduzir independência dos supervisores, mas avisou que não se pode confundir independência com “redução de exigência” ou a não prestação de contas.
Sobre uma data para a apresentação do projeto de lei, o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, disse então que o Governo esperava ter “até ao final do ano [de 2017] um diploma”, mas tal não aconteceu.
As funções dos supervisores, o seu escrutínio e a forma como se dá a sua articulação são algumas das matérias que levam o processo a arrastar-se pela complexidade que é equilibrar as posições dos vários intervenientes na supervisão financeira.
Já fechados, segundo o Jornal de Negócios, estão os pontos relativos às incompatibilidades e aos ‘período de nojo’ dos membros de órgãos de administração dos supervisores financeiros.
Assim, deverá ser impedida a tomada de decisões sobre empresas com que tenham tido relação nos três anos anteriores ao início do seu mandato e é reforçado para dois anos o período que tem de ser cumprido entre a saída de um administrador de um supervisor e a ida para uma empresa sujeita a esse supervisor.
Este último ponto terá impacto sobretudo no BdP. Em 2017 foi polémica a ida para administrador da Caixa Geral de Depósitos do ex-diretor do Departamento de Supervisão Prudencial do BdP Carlos Albuquerque, seis meses depois de sair do supervisor bancário.
Em fevereiro de 2018, Centeno disse que por a reforma da supervisão financeira ser uma das “mais importantes da legislatura” estava a ser “amadurecida sem precipitação”.
Esperava-se que o projeto de lei do Governo estivesse pronto em setembro passado.