Portugal precisa de pelo menos cinco gerações para os homens partilharem as tarefas domésticas em igualdade com as mulheres, que, na maioria, assumem, num estudo revelado esta terça-feira, estar sempre ou quase sempre “cansadas”.

O trabalho não pago feito em casa continua a ser um assunto de mulheres” e “dificilmente essa realidade se alterará num futuro próximo, a menos que sejam tomadas medidas drásticas”, reflete o estudo “As mulheres em Portugal, hoje“, coordenado por Laura Sagnier e Alex Morell, e com uma amostra de 2.428 mulheres com idades entre os 18 e os 64 anos e residentes em Portugal, entrevistadas em maio de 2018, através da internet.

“Se as contribuições dos homens em relação à execução das tarefas domésticas continuarem a evoluir ao ritmo da última geração, serão necessárias entre cinco a seis gerações para que se alcance uma distribuição paritária das tarefas domésticas entre mulheres e homens, nos casais em que ambos têm trabalho pago”, determina o estudo, encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos à consultora PRM, que esta terça-feira será apresentado publicamente, em Lisboa.

O grupo de mulheres para quem a conciliação entre vida pessoal, familiar e profissional é mais difícil é o das que têm filhos menores e pessoas parceiras — para estas, o tempo despendido em trabalho não pago (6h12 em tarefas domésticas e filhos/as) é quase tanto como em trabalho pago (7h18, em média).

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Na verdade, para as mulheres que têm trabalho pago e filhos/as, tanto faz viverem em casal ou sozinhas, dado que gastam as mesmas horas com tarefas domésticas. Mais de metade do tempo que passam acordadas em casa é gasto a cuidar do lar e da família.

Apesar de os homens partilharem mais as tarefas relacionadas com os/as filhos/as do que as domésticas, essa função continua a recair sobretudo sobre as mulheres: as mães têm o triplo do trabalho com os filhos. O contributo do pai para cuidar e educar os/as filhos/as não sofreu “nenhuma evolução em relação à geração anterior”, destacam os autores do estudo.

Este cenário de desequilíbrio choca com a constatação, no estudo, de que as mulheres contribuem em igualdade de circunstâncias para as despesas familiares. “Enquanto a maioria dos homens continua a ter um papel muito passivo em relação às tarefas não pagas, respeitantes ao cuidado da casa e dos/as filhos/as, muitas mulheres assumiram um papel mais ativo na contribuição para as despesas familiares”, lê-se.

Mais ainda quando, na maioria dos casais, há um “desequilíbrio expressivo de rendimentos“: em 46% dos casais mulher-homem, ela tem menos rendimento.

Face a esta situação, não é de estranhar que a maioria das mulheres reconheça estar sempre ou quase sempre “cansada”, para o que contribui a “situação de desequilíbrio permanente e sustentado” que “enfrentam diariamente”.

Dez por cento das mulheres declaram mesmo estar “esgotadas” — estas têm uma média de idades de 57 anos, metade tem trabalho pago e mais de um terço são funcionárias públicas; 47% assumem que não trabalhariam se não precisassem do dinheiro e 40% pararam de estudar quando concluíram o ensino básico.

O estudo divide as mulheres em vários tipos, de acordo com as atitudes perante a vida, sendo que as mais prevalecentes têm “tudo sob controlo” (18%). Se juntarmos às mulheres “esgotadas” as “resignadas” (11%) e as “em luta” (13%), juntas representam um terço.

Ainda assim, 47% das mulheres portugueses dizem sentir-se felizes ou muito felizes com a sua vida, sendo que as razões de maior felicidade são: filhos/as; netos/as; amigas/os.

A pessoa parceira é, porém, o fator que maior influência tem na felicidade ou infelicidade das mulheres — entre as inquiridas, 73% têm uma pessoa parceira e 57% vivem com ela; 71% têm um parceiro homem. “É possível afirmar que esta investigação confirma o ditado popular ‘mais vale só do que mal acompanhada'”, dizem os autores.

Do outro lado, há 33% que assumem ser infelizes, sendo que os motivos de maior infelicidade são: descendentes de anteriores relações das pessoas parceiras; aspeto físico; trabalho pago.

Não se pode dizer que as mulheres se sintam particularmente realizadas com o trabalho pago, em Portugal“, observam os autores do estudo. Entre as inquiridas, 51% estão infelizes com o trabalho que têm e para 44% o trabalho está abaixo ou muito abaixo das expectativas. Dois terços auferem menos de 900 euros líquidos por mês, um terço não tem vínculo contratual estável e 26% trabalham mais de 40 horas.

As mulheres com mais escolaridade — considerada determinante na atitude perante a vida — têm salários mais altos (84% das filhas têm um nível de escolaridade superior ao das mães).

O estudo revela que “a maternidade não é garantia de felicidade para as mulheres”, embora 82% das mães se sintam realizadas com os seus descendentes. Das inquiridas 53% têm filhos/as (destes, 52% têm mais do que um/a) e 27% têm intenção de ter, mas 9% nunca quiseram tal opção.

Os autores do estudo assumem que pretendem influenciar as políticas públicas, mas sobretudo fornecer as mulheres mais jovens com dados sobre as “implicações” que o trabalho pago, as pessoas parceiras e os/as filhos/as terão nas suas vidas.

“A situação vivida por muitas mulheres atualmente é insustentável, a vários níveis”, podendo ter “um impacto significativo na natalidade, no absentismo laboral, nos sistemas de proteção social, na educação das crianças e jovens e nos índices de divórcio”, concluem os autores.