Foi o protagonista de uma história inédita. No início de junho de 2018, no pós demissão de Zinedine Zidane do comando técnico do Real Madrid e no pré Mundial da Rússia, Julen Lopetegui foi confirmado como novo treinador do clube merengue e prontamente despedido da seleção espanhola que orientava até então. A escassos dias do primeiro jogo no Campeonato do Mundo, contra Portugal, Espanha ficava sem selecionador e via Fernando Hierro, então diretor desportivo da Federação, assumir o cargo; Lopetegui, por outro lado, foi apresentado no Santiago Bernabéu no dia seguinte.

Se a Hierro as coisas não correram às mil maravilhas – Espanha passou à fase seguinte no primeiro lugar do grupo mas foi eliminada pela anfitriã Rússia nas grandes penalidades logo nos oitavos de final –, Lopetegui também não se pode gabar de ter tido muito sucesso nos meses que se seguiram. Após perder o primeiro jogo e, consequentemente, o primeiro título, ao deixar fugir a Supertaça Europeia para o Atl. Madrid já no prolongamento, o treinador espanhol parecia ter entrado numa fase positiva e que adivinhava bons resultados, com cinco vitórias em seis jogos (incluindo um inequívoco 3-0 imposto à Roma na Liga dos Campeões). Contudo, o Real Madrid entrou numa espiral negativa que trouxe apenas uma vitória nos sete jogos que se seguiram e culminou numa retumbante goleada em Camp Nou, frente ao Barcelona, em jogo da Liga espanhola (5-1).

Lopetegui despedido da seleção espanhola depois de anúncio de saída para o Real Madrid

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No seguimento da derrota expressiva frente ao principal rival, Julen Lopetegui foi despedido – em pouco mais de quatro meses, o antigo treinador do FC Porto foi dispensado da seleção espanhola e do Real Madrid, aquela que sempre considerou a cadeira de sonho. Santiago Solari assumiu o comando técnico dos merengues, primeiro como interino e depois como efetivo, e Lopetegui saiu dos holofotes do futebol internacional. Até esta semana, altura em que decidiu quebrar o silêncio e contar os bastidores da saída da seleção a dias do início do Mundial à BBC.

O técnico espanhol começa por explicar que decidiu tornar pública a ida para o Real Madrid por uma questão de “honestidade” e revela que não estava à espera de ser despedido por Luis Rubiales, presidente da Federação espanhola. “Não foi fácil para mim. Trabalhámos muito durante dois anos, sentíamos que estávamos prontos para fazer um Mundial fantástico. Dois meses antes, quando renovei com a seleção, eles puseram uma cláusula de rescisão. Foi ideia do [Luis] Rubiales. Eu concordei com ele sem problema nenhum e depois apareceu a oferta do Real Madrid. O timing não foi escolhido nem por mim nem pelo Real – eu disse que sim mas sabia que o Mundial era a minha única responsabilidade. Manter segredo durante um mês era impossível e não era honesto. Estávamos convencidos de que o melhor era dar a conferência de imprensa, abrir e fechar o assunto, e depois o único foco era o Mundial”, garante Lopetegui, acrescentando ainda que “os jogadores foram fantásticos”.

“Depois de lhes contar, tivemos o melhor treino daquelas três semanas de preparação e, por isso, estávamos muito felizes. Mas no fim o presidente [Luis Rubiales] tomou aquela decisão. Foi um momento muito difícil e nunca me vou esquecer porque foi uma surpresa. Senti que foi muito injusto. Foi um voo de cinco horas de Moscovo para Madrid e eu não disse nada mas a vida é assim. Foi uma experiência muito dura”, conta o treinador. No dia seguinte a deixar a Rússia e a comitiva espanhola e no dia seguinte à apresentação de Hierro, depois do tal voo de cinco horas onde nada disse, Lopetegui foi apresentado no Real Madrid e não conseguiu esconder a emoção e as lágrimas. Algo que explica com duas circunstâncias: o jet lag e o facto de ser “humano”.

Lopetegui emociona-se na apresentação pelo Real Madrid

“Eu não dormi. Eu nem sabia onde estava. Um dia estava na Rússia a treinar para o Mundial e no dia seguinte estava no Santiago Bernabéu com uma nova equipa. Foi tudo muito rápido e difícil de assimilar. As emoções estavam ao rubro. Foi difícil ouvir que ia deixar o Mundial, era um sonho pelo qual eu tinha trabalhado muito. Com essas emoções todas… Eu sou humano, às vezes não dá para controlar”, acrescentou Lopetegui. Sobre o falhanço em Madrid, o treinador pouco mais tem a dizer do que garantir que não teve “tempo suficiente” para organizar a equipa e colocá-la a jogar bem a obter resultados. “Tivemos um bom arranque, a equipa estava a jogar bem, mas depois tivemos três semanas muito más. Tinha esperança de que iria ter tempo para encontrar uma solução porque estas coisas podem equilibrar-se ao longo da época. Tinha a certeza de que a situação ia passar. Mas não tive esse tempo. É a melhor maneira de explicar”, recorda.

Ainda assim, Lopetegui garante que nunca irá “dizer uma palavra má sobre o Real Madrid”, que só tem “respeito por Solari e pelos jogadores” e coloca o olhar no futuro, apesar de lamentar não ter tido “mais tempo”. Futuro esse que tem sido apontado à Premier League, algo que seria uma mudança na carreira do treinador, já que o espanhol nunca treinou noutro país que não Espanha ou Portugal. “Um treinador precisa de estar aberto ao futuro, mas se eu poder escolher, prefiro estar nas melhores ligas e claro que Inglaterra é uma liga fantástica. Quando se vê um jogo inglês, sente-se a atmosfera, o respeito pelos jogadores e pelos treinadores, isso é muito importante. E quero sentir isso”, indica o técnico de 52 anos, abrindo a porta a um convite de um clube inglês.

Oficial: Lopetegui despedido do comando técnico do Real Madrid. Solari assume cargo

Na entrevista, Julen Lopetegui explica ainda a influência que Johan Cruyff teve no seu método de treino e na forma como perceciona o futebol, já que estava “um passo à frente dos outros”. “Ele percebia que os jogadores pensam sobre o jogo e questionam o que ele diz. Como treinador, é preciso estar pronto para explicar o porquê aos jogadores: o porquê de estarem a trabalhar de certa forma e o porquê de teres escolhido uma certa solução. Se um jogador entender, é um jogador mais forte”, diz o técnico espanhol. Cruyff, que morreu em 2016, treinou o Barcelona durante oito anos (1988-1996) e influenciou uma geração de treinadores que o citam frequentemente como principal inspiração – casos de Julen Lopetegui, Michael Laudrup, Pep Guardiola e Ronald Koeman.