Nasceu numa casa sem eletricidade e hoje tem uma empresa que fatura milhões a produzi-la, mas continua a usar a mesma toilette: jeans e t-shirt. Rui Rodrigues é o fundador da BeOn, com quem falámos a propósito da vitória na 6ª edição do Big Smart Cities, competição de empreendedorismo organizada pela Vodafone e pela Ericsson que terminou em dezembro.

Energia acessível e mais barata para todos é a ideia que tem guiado este empreendedor e a equipa da BeOn ao longo do caminho, iniciado em 2009, quando começaram a trabalhar na instalação de painéis fotovoltaicos. Com a crise económica e o vai-vem dos incentivos à exploração das energias renováveis, atravessaram um período de grande instabilidade em que era particularmente difícil competir com o carvão e o petróleo. Na altura, “só conseguíamos fazer uma instalação por dia e tínhamos de fazer alguma coisa para mudar isso”, conta o fundador da BeON, afirmando que o reconhecimento das dificuldades foi o ponto de partida. “A ideia que tivemos foi a de ligar um painel solar às tomadas.” Assim, deixariam de passar horas a instalar aparelhos e cabos na casa das pessoas. Afinal, todas as tomadas já estão ligadas entre si. Portanto, “basta injetar energia numa tomada e ela vai ter a todos os eletrodomésticos que estejam ligados”.

Apenas era preciso criar um aparelho com grande durabilidade e baixo custo, para dar retorno durante décadas e assim produzir energia muito barata.  Além da redução da fatura elétrica, “o retorno supera o dobro do investimento, o que é bastante melhor que os juros pagos pela banca”, atesta o empreendedor, defendendo a rendibilidade do investimento.

Um kit Solar BeON é composto por um painel fotovoltaico de 300W, com um cabo elétrico e uma ficha que se pode ligar a qualquer tomada. Tal como uma televisão, pode ser montado por qualquer pessoa em 15 minutos numa lógica plug & play. Vem dentro de uma caixa, desdobra-se no local onde se quer instalar, um jardim ou terraço, e liga-se o cabo com a ficha à tomada mais próxima. Apenas um kit produz energia suficiente para abastecer um frigorífico, dois computadores portáteis e toda a iluminação LED.

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Caso necessite de mais energia, pode ligar outro kit ao primeiro, criando um sistema expansível. Graças a este método, o custo associado aos sistemas de energia solar desce de alguns milhares de euros para o valor de um eletrodoméstico comum, tornando assim a energia renovável numa possibilidade ao alcance de todos. Neste momento, a BeON Energy é a única empresa no mundo a desenvolver este conceito, estando ao mesmo tempo focada na sua comercialização.

Rui Rodrigues mostra-se orgulhoso da “qualidade máxima de um equipamento desenvolvido por engenheiros Portugueses, com capacidade para produzir energia gratuita durante décadas”. O conversor BeON é o dispositivo eletrónico que “faz a ‘magia’, sendo o único no mundo com rating de resistência aos elementos ambientais IP68, resistindo a qualquer condição de humidade ou temperatura”. Acrescenta que mantiveram “o aparelho a funcionar durante meses, completamente submerso em água, só para testar ao limite a resistência do isolamento” e verificaram que continuou a funcionar.

A primeira fábrica

Ainda no primeiro trimestre deste ano, a BeON energy vai abrir uma fábrica em Ponte de Sôr, onde serão produzidos conversores e kits, perspetivando-se a criação de cerca de 100 postos de trabalho naquela que é a terceira maior cidade do distrito de Portalegre, no Alto Alentejo. Com manifesto orgulho, Rui não esconde a satisfação, e afirma: “Depois de décadas a viver longe de Portugal, poder voltar à terra natal e ajudar a cidade que amo é um sentimento fantástico”.

Sobre o futuro próximo, o empreendedor confessa o objetivo de tornar a BeON em Unicórnio (startup com valor superior a mil milhões de euros) e de ver a tecnologia usada em todo o mundo. O desejo maior é o de “construir uma empresa ultra cool, onde os colaboradores vejam o talento e dedicação valorizados”.

Fundada em 2015, a BeON energy duplicou o número de colaboradores em 2018 e encontra-se em rápida expansão, contando atualmente com mais de 30 pessoas. De forma a garantir o mesmo nível de atenção ao cliente que oferece em Portugal, a startup já tem escritórios na Holanda e na Irlanda, devidamente enquadrados numa estratégia de internacionalização.

Em 2014, ganharam o prémio EDP Inovação, no valor de 50 mil euros, que usaram para investir na produção dos equipamentos e no desenvolvimento do sistema. A partir daí, estabeleceram uma parceria com a EDP, que passou a comercializar a solução, facilitando assim o acesso a um mercado potencial de milhões de utilizadores. Neste momento, existem mais 12 gigantes do setor elétrico a nível mundial que comercializam as soluções da BeON.

É urgente a adoção maciça das renováveis para mitigar as emissões de carbono provenientes de centrais elétricas a carvão. No âmbito das metas traçadas pela União Europeia em matéria de promoção das energias renováveis, Rui confessa recear que “os esforços se concentrem de novo em apoiar grandes empresas a fazer parques fotovoltaicos e eólicos, e que os incentivos à participação dos cidadãos sejam esquecidos”. Refere a propósito que, na Irlanda, existe um apoio de 1500€ para quem instalar um pequeno sistema de Kits BeON, salientando que “é importante dar a mesma oportunidade aos cidadãos portugueses e às tecnologias que facilitam a participação, porque vai ser preciso a ajuda de todos para salvar, urgentemente, o futuro das próximas gerações,” conclui o engenheiro formado no Instituto Superior Técnico (IST).

5G Big Winner

Em tempo recorde, durante o desafio Big Smart Cities — que durou duas semanas—, conseguiram desenvolver a aplicação (app) e toda a eletrónica de comunicações que permite usar a nova rede 5G da Vodafone, para conectar todos os kits BeON no mundo. Rui explica-nos que “estando os kits solares a comunicar entre si, em tempo real, é possível não só produzir energia, mas também a troca direta e automática de excedentes entre utilizadores de sistemas BeON”.

A app permite também a monitorização de quanto está a produzir, a consumir e qual o excedente que pode ser vendido a outro utilizador na rede. Um dos exemplos que vimos durante a demonstração foi a possibilidade de, através da app BeON, dois escritórios Vodafone poderem partilhar energia, tirando partido da meteorologia em diferentes localizações geográficas. Imagine que no Porto o céu está muito nublado, mas em Lisboa está sol. A energia produzida pelos kits BeON nos escritórios de Lisboa pode ser usada e contabilizada nas instalações do Porto, reduzindo as contas de eletricidade em ambos os locais. Esta é a visão para o futuro, que vai revolucionar a forma como pensamos a comercialização de energia, ao mesmo tempo que promove o envolvimento dos clientes no processo.

O vencedor do prémio BIG Winner, no valor de 10 mil euros, lembra as várias noites sem dormir para concluir o projeto dentro do prazo, referindo que “para fazer algo tão difícil como mudar o mundo para melhor, é muito importante lutar até ao máximo das nossas forças para superar os desafios e completar os objetivos a que nos propomos, com uma equipa muito forte e completa, capaz de atingir o que muitos considerariam impossível”.

Fazendo uma avaliação extremamente positiva do programa de aceleração desde o início, envolvendo o boot camp e o Vodafone Power Lab, Rui Rodrigues adianta que vão desenvolver projetos-piloto “quer internamente na Vodafone, quer na Rede Nacional de Cidades Experimentais, na qual a Câmara Municipal de Cascais está extremamente empenhada”. E conclui: “Esperamos realizar um grande projeto demonstrativo de todo o potencial das nossas tecnologias”.

Ao longo de seis edições do Big Smart Cities, foram apresentados mais de 1000 projetos, apuradas 120 startups finalistas, com uma taxa de criação de empresas entre 30% e 40%. O Big Smart Cities, promovido pela Vodafone e pela Ericsson, com a colaboração da Nova SBE e do município de Cascais, já se tornou uma referência na promoção do empreendedorismo na área das tecnologias que visam melhorar o dia a dia nas cidades.