As hipóteses de Manuel Pinho ser contratado pela universidade norte-americana de Columbia e de a EDP patrocinar o curso onde o ex-ministro da Economia deu aulas partiram da mesma pessoa: do próprio Manuel Pinho. Foi o principal beneficiado pelo patrocínio da elétrica nacional a Columbia quem se ofereceu para dar aulas naquela prestigiada universidade de Nova Iorque e quem informou que tinha o apoio da Horizon, do grupo da EDP, para patrocinar um eventual curso sobre energias renováveis.

É isso mesmo que indicam um conjunto de novos emails que foram apensos ao processo das rendas da EDP depois de a Universidade de Columbia ter disponibilizado voluntariamente ao Ministério Público (MP) toda a documentação relacionada com a contratação de Manuel Pinho, no âmbito da cooperação judiciária internacionais solicitada pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, titulares da investigação sobre os contratos entre o Estado e as empresas energéticas relativos aos Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

A documentação coloca em causa a tese de defesa da EDP de que a proposta para o patrocínio de 1,2 milhões de dólares (cerca de 980 mil euros ao câmbio atual) e a contratação de Manuel Pinho foram responsabilidade da Universidade de Columbia. Por outro lado, reforça, na perspetiva do MP, os indícios de corrupção ativa pelos quais estão indiciados António Mexia e João Manso Neto e os indícios de corrupção passiva imputados a Manuel Pinho. Isto porque as aulas em Columbia são vistas como uma contrapartida pelos alegados favorecimentos do ex-ministro Manuel Pinho à EDP nos contratos CMEC.

A revista Visão já tinha noticiado em dezembro de 2018 que a EDP tinha dado conhecimento antecipado a Manuel Pinho do Memorando de Entendimento que assinou com a Universidade de Columbia.

Manso Neto. Foi a Universidade de Columbia a indicar Manuel Pinho para dar curso patrocinado por EDP

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Entre os emails enviados pela Universidade de Columbia encontram-se missivas em que Manuel Pinho incita, por várias vezes, os responsáveis norte-americanos a ocultarem da imprensa portuguesa a informação de que foi a EDP quem patrocinou o curso onde o ex-ministro da Economia de José Sócrates dava aulas. “Em Portugal, a situação é semelhante à da Alemanha antes da II Guerra Mundial. É muito perturbadora e perigosa”, escreveu Pinho em março de 2012 a um dos responsáveis de Columbia, referindo-se ao contexto de assistência económica da troika. É por isso que gostaria que existisse controle total se os jornalistas portugueses ligarem (…) as respostas têm de ser muito claras: não”, concluiu o ex-ministro, aludindo com a sua resposta negativa às perguntas que já tinham sido feitas pela imprensa portuguesa à Universidade de Columbia sobre se a EDP estava a pagar o curso onde o ex-ministro dava aulas.

A mulher de Pinho, o casal Stiglitz e o patrocínio da Horizon/EDP

29 de setembro de 2009 é a primeira data em que surgiu a hipótese de a empresa norte-americana Horizon, do grupo EDP, patrocinar o curso onde Manuel Pinho viria a dar aulas. Foi o próprio Pinho quem informou Anya Stiglitz, mulher do prémio Nobel da Economia Joseph Stiglitz e professora em Columbia. “Horizon (…) está preparada para fazer um donativo por cinco anos (300 mil dólares/ano) desde que eu esteja envolvido no desenvolvimento de um programa relacionado com a energia (eles são muito flexíveis, até pode ser um projeto de desenvolvimento, conferências, seminários, etc) em Columbia. Como podes imaginar, 1-2-3 meses (…) as minhas aulas são uma pequena parte dessa doação”, escreveu Pinho a Anya Stiglitz, que reencaminhou o email para John Coatsworth, reitor da School of International and Public Affairs (SIPA), onde o ex-ministro viria a dar aulas.

O próprio Manuel Pinho já tinha afirmado, num artigo de opinião publicado no jornal Público em junho de 2017, que a “ideia” de dar aulas em Columbia tinha surgido em “setembro de 2009 num jantar em casa do Professor Joe Stiglitz.”

O que Pinho não disse foi que foi a sua mulher, Alexandra Pinho, quem deu o pontapé de saída para os contactos com a Universidade de Columbia — e isso aconteceu dois meses antes, e não em setembro de 2009. Depois de um encontro entre o casal Pinho e o casal Stiglitz, Alexandra escreveu um email a 23 de julho de 2009 a Anya Stiglitz: “Tenho grandes notícias. Manuel deixou o Governo, portanto agora é a altura ideal para planear algo relacionado com Columbia. Há alguma hipótese? Estou desejosa de saber”. Anya Stiglitz, que era professora de jornalismo em Columbia, ficou satisfeita com as notícias e respondeu: “Regressamos a Nova Iorque amanhã e vou contactar o reitor da Columbia [John Coatsworth] para ver se pode convidar o Manuel [Pinho] para [dar aulas em] Columbia”.

É a partir daqui que, após uma segunda insistência de Alexandra Pinho, se desencadeiam uma série de comunicações internas na Universidade de Columbia. Anya Stiglitz deu conta ao reitor da SIPA, John Coatsworth, do “interesse” de Manuel Pinho em ser contratado como “visiting professor” numa base anual.  “De acordo com a sua mulher, [Manuel Pinho] não tem interesse num salário porque tem outras fontes de rendimento. É de uma casa que eles estão atrás”, diz Anya a um colega a 23 de setembro de 2009.

Dois dias depois, o próprio Manuel Pinho aborda por email o reitor da SIPA para uma “conversa informal sobre eventuais patrocínios”. A 8 de outubro, John Coatsworth escreve às 18h08m a Pinho para informá-lo sobre a sua satisfação em saber que o ex-ministro quer dar aulas em Columbia e discute os pormenores do apoio de 300 mil dólares/anos da Horizon (grupo EDP) durante cinco anos, que Pinho já tinha referido a Anya Stiglitz: “Se bem percebi, nós [Universidade de Columbia] vamos precisar de apresentar uma proposta à Horizon, detalhando os pormenores de como utilizaríamos a doação. Há algum prazo para esta proposta?“.

Uma hora depois, Manuel Pinho responde e, segundo um despacho dos procuradores Casimiro e Neto, afirma:

  • “A Horizon não teria qualquer restrição temporal para o financiamento, por terem uma visão de longo prazo”;
  • “A maior parte dos fundos da Horizon seriam alocados ao curso da SIPA”;
  • “[Manuel Pinho] Iria ver com a Horizon se o apoio seria por 4 ou 5 anos”;
  • “E ele próprio [Manuel Pinho] iria assumir um cargo muito importante não executivo na Horizon”.

A 30 de outubro de 2009, quando o acordo entre a Universidade de Columbia e a EDP já estava muito bem encaminhado, foi Alexandra Pinho quem fez questão de agradecer a Anya Stiglitz toda a ajuda: “Quero agradecer todo o seu apoio que fez com que o meu sonho se transformasse em realidade”.

Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto já pediram à EDP que informe sobre se foi atribuído algum cargo na administração da Horizon a Manuel Pinho. Fonte da EDP, contudo, garante que ainda não foi notificada de nenhum despacho nesse sentido do MP.

A entrada em cena de António Mexia com mediação de Pinho

Só após todas estas movimentações de Manuel Pinho e da sua mulher é que António Mexia, presidente executivo da EDP, entrou em cena para falar com John Coatsworth — num encontro que foi mediado pelo ex-ministro da Economia. A 1 de novembro de 2009, Pinho escreveu a Coatsworth para dizer que “o CEO da Horizon vai enviar-lhe uma mensagem pessoal na próxima sexta-feira para calendarizar um encontro para a última semana de novembro”.

E assim foi. Mexia reuniu-se com o reitor da SIPA a 20 de novembro de 2009, como o Observador já tinha noticiado. E no dia seguinte John Coatsworth deu conta a Manuel Pinho de como decorreu a reunião: “O nosso encontro com António Mexia foi extremamente cordial. (…) Acordamos um compromisso de quatro anos da Horizon com um financiamento de 300 mil dólares/ano que nos permitirá contratar professores visitantes (incluindo você [Manuel Pinho]) (…) entre outros projetos académicos, disse Coatsworth.

O reitor da SIPA chegou mesmo a dizer que “António [Mexia] referiu que você [Manuel Pinho] e ele trocaram mensagens nas quais descreveu de forma sumária os projetos que seriam financiados pela Horizon”.

Pinho pede “controle total” em relação à imprensa

O ex-ministro da Economia de José Sócrates começou a dar aulas na Universidade de Columbia em setembro de 2010 — e um mês depois surgiram as primeiras perguntas da imprensa portuguesa, nomeadamente do Jornal de Negócios, sobre se a EDP estava a pagar o curso onde Manuel Pinho estava a lecionar.

Os responsáveis de Columbia discutiram o assunto internamente, nomeadamente a clásula de confidencialidade do memorando de entendimento assinado com a EDP a que estavam obrigados, para concluírem que a grande questão dos jornalistas era “quem está a financiar o Manuel [Pinho]”. De acordo com esses emails, Pinho não queria que se soubesse que a EDP/Horizon era a patrocinadora do curso.

Em março de 2012 surgiram novas questões de jornalistas portugueses — e aqui Manuel Pinho subiu o seu tom de discordância. Num email enviado às 7h57m do dia 24 de março para Dan McIntyre, diretor-adjunto da SIPA, e no contexto da preparação do curso de energias renováveis e da cadeira que iria dar, Manuel Pinho afirmou que um “jornal em Portugal voltou à carga com a história inventada sobre a EDP pagar o meu salário na SIPA e eu decidi processá-los. É muito importante que, se alguém da administração da SIPA receber chamadas de Portugal, a resposta seja muito clara e que não sejam levantadas mais dúvidas, ok? (…) Portugal está a passar por uma crise semelhante à Grécia e, infelizmente, algumas pessoas gostam de fazer acusações infundadas”, escreveu Pinho.

Um dia depois, Manuel Pinho volta à carga junto de McIntyre com um email enviado às 8h10m. “Em Portugal, a situação é semelhante à da Alemanha antes da II Guerra Mundial. É muito perturbadora e perigosa”, escreveu Pinho, referindo-se ao contexto de assistência económica da troika. “É por isso que gostaria que existisse controle total se os jornalistas portugueses ligarem (…) as respostas têm de ser muito claras: não”, concluiu o ex-ministro, aludindo com a sua resposta negativa às perguntas que já tinham sido feitas pela imprensa portuguesa à Universidade de Columbia sobre se a EDP estava a pagar o curso onde o ex-ministro dava aulas.

“Mesmo que eu desse aulas na lua, a direita e os seus amigos na imprensa nunca me deixariam em paz“, afirmou Pinho, que já dava aulas em Columbia desde setembro de 2010.

Texto alterado às 02h35m