Nos últimos meses, Bruno de Carvalho tem estado afastado do foco do futebol português. Depois de cinco anos e meio de presidência e de um afastamento relâmpago do cargo máximo do Sporting em Assembleia Geral, o antigo líder leonino regressa ao espaço público com a publicação de um livro. “Sem Filtro” conta as histórias dos bastidores da sua presidência. São cerca de 200 páginas de muitas histórias, que vão desde Marco Silva, Jorge Jesus e Jorge Mendes aos capitães Rui Patrício e William Carvalho, acabando no ataque à Academia, em Alcochete. Um livro que chegou esta sexta-feira às bancas e que o ex-líder verde e branco apresentou com uma apresentação oficial ao final da tarde e uma entrevista na TVI à noite.
“Bruno, o teu exército está aqui!”
O momento era esperado com ânsia. Ainda faltava meia hora para o inicio da sessão de autógrafos de Bruno de Carvalho e já o auditório do El Corte Inglés, em Lisboa, estava cheio. Todos os lugares estavam já ocupados quando o antigo presidente leonino entrou na sala, para gáudio dos presentes. Uma plateia de pé e uma chegada sob chuva de aplausos e cânticos foi a receção que o autor de Sem Filtro teve, ainda estava a apresentação longe, com uma hora de autógrafos pela frente. Nem todos conseguiram o seu, devido à enorme afluência de adeptos no auditório, mas o tempo passou depressa. Por entre os bancos, muito se falou sobre Montero, Nani ou o momento atual da equipa de Marcel Keizer. O tempo passou depressa e lá chegou a hora de apresentar um dos livros mais aguardados do ano para o universo leonino.
O primeiro a falar foi Luís Aguilar, o co-autor da obra. Sob peso de algum julgamento por parte de alguns adeptos do Sporting, tendo em conta as críticas que fez, em tempos, a Bruno de Carvalho, decidiu “arrumar” de uma vez o assunto: “Esta dupla é improvável e nunca na vida me passou pela cabeça escrever um livro dele”, começou por referir o jornalista, arrancando alguns risos da plateia. Começou bem – na ótica dos adeptos – e bem acabou: “Este livro permitiu-me conhecer o ‘Brun'” pessoa. E posso dizer que gostei muito dele”, concretizou Aguilar, para aplauso geral.
Rapidamente passou a palavra à estrela da tarde. Mas a verdade é que Bruno de Carvalho mal conseguiu falar durante a apresentação. Ora eram as lágrimas emocionadas que o prendiam, ora eram os gritos dos adeptos que o travavam. E foram muitos. “No Sporting só há um presidente!” ou “És eterno, Presidente!” foram dos mais simpáticos, mas muitos também se ouviram menos amigáveis, contra o atual presidente e antigos dirigentes.
Bruno passou sempre ao lado dos comentários. A estratégia foi diferente daquela que se viu em tempos. Mais correto, mais calmo e sem procurar desavenças, focou-se na sua família de sangue e na união da outra, a “leonina”. “Desculpem por estes cinco anos e meio. Vou tentar continuar a dar o carinho que não vos consegui dar”, disse, dirigindo-se a pais, irmã, filha e sobrinhos, todos presentes na sala. Foi logo aqui que Bruno de Carvalho se emocionou, não contendo as lágrimas.
Sobre Sem Filtro, o antigo dirigente prometeu ser uma “leitura indispensável para quem quer conhecer os bastidores do futebol português”, sendo um “livro isento e honesto como sempre tentei ser”. Sem levantar muito o véu sobre o conteúdo, fez referência a algumas personagens que por aquelas páginas passaram, sempre acompanhadas de vaias da plateia. Casos de Jorge Jesus, Otávio Machado ou Jorge Mendes. Mas os adeptos queriam ouvir mais. Queriam ouvir sobre o Sporting.
E ouviram. “Quero fazer um apelo aos sportinguistas e faço-o do fundo do coração: vamos apoiar o nosso Sporting. Agora é tempo de nos unirmos para tentarmos todos atravessar este mau momento!”, pediu Bruno, recebendo como resposta a gritos como “Com esta gente não há união!”. Mas terá de ser “com esta gente” que o Sporting terá de contar, por enquanto, como reforçou pouco depois: “Não voltarei ao Sporting a curto/médio prazo. A longo prazo, não posso dizer nunca, mas não está nos planos. O Sporting tem um presidente. Não seria o caminho que eu seguiria, mas tem um presidente e foi o que vocês escolheram”. De novo se insurgiram os adeptos, para depressa se despedirem dele com forte aplauso, de pé. Seguia agora a entrevista à TVI, no Jornal da Noite da estação de Queluz.
Jesus despedido em janeiro, vendas assustadoras e outros arrependimentos
De repente, parecia que nada tinha mudado. Lá estava Bruno de Carvalho, de novo, nos estúdios da TVI para uma grande entrevista que fez lembrar os velhos tempos em que este era o máximo dirigente leonino. A conversa foi longa e com alguns pontos em comum com a apresentação e com aquilo que se pode encontrar no livro Sem Filtro. As novidades? Alguns recados para a atual direção leonina, considerações sobre o presente do Sporting e, principalmente, um mea culpa por alguns momentos da sua presidência.
Mas olhemos primeiro para o presente, mesmo que esse não seja identificado com todas as letras: “Houve jogadores que me disseram que não gostavam de mim e da minha liderança. Mas ao menos demoraram cinco anos a fazê-lo. Com alguns presidentes demoraram só seis meses”. Indireta para Frederico Varandas e algum problema de gestão com jogadores? Talvez. Mas sobre a rescisão com Fredy Montero e a possível saída de Nani, Bruno não tem dúvidas. “As saídas do Nani e do Fredy assustam-me. Não seriam o caminho que seguiria. Mas apesar de o plantel ficar enfraquecido com isso, acho que o Sporting tem um plantel de qualidade”, salientou. Ainda sobre os assuntos que correm tinta no universo leonino atual, Bruno de Carvalho falou sobre as alegadas dívidas que o Sporting teria a algumas das construtoras do Pavilhão João Rocha. Sobre isso, o antigo presidente destituído a 23 de junho foi, como habitual, “curto e duro”: “A fatura da dívida do pavilhão vai para o Sem Filtro 2. Eu se fosse a eles até pedia 100 milhões… Não há qualquer dívida do Sporting a qualquer construtora do pavilhão. Eu paguei as contas todas. Ponto final. Mesmo a atual direção deve olhar para isto de forma hilariante”.
Pedaços do presente num mar de passado, que dominou a entrevista. Aí como em Sem Filtro, os alvos principais foram os mesmos. Jorge Jesus foi um deles, senão o maior: “O meu maior erro foi não ter despedido o Jorge Jesus logo em janeiro, quando percebi que não ia ser campeão com ele”. Um erro que não foi, porém, o maior arrependimento. Esse ficou no coração e não na estratégia. “Saio do Sporting com um sentimento de ingratidão total. Os meus maiores arrependimentos foram aquilo em que prejudiquei a minha família e a pela forma como saí do Sporting. Não merecia de alguns sportinguistas o vexame de ser destituído e de manterem a minha suspensão. No dia de hoje ainda tenho a interrogação sobre se valeu a pena. Foi uma honra, um prazer, foi dos momentos mais felizes da minha vida, mas não sei se valia a pena pelo que fiz à minha família”.