Parecia uma boa janela de oportunidade. No final de maio do ano passado, quando Zinedine Zidane apanhou tudo e todos de surpresa e anunciou que se tinha demitido do comando técnico do Real Madrid – cinco dias depois de conquistar a terceira Liga dos Campeões consecutiva–-, Gareth Bale parecia ganhar um novo espaço com a saída de um treinador que pouco apostava nele e que tinha em Cristiano Ronaldo a escolha óbvia e predileta para principal referência da equipa. Pouco mais de um mês depois, no início de julho e na reta final do Mundial da Rússia, as perspetivas tornavam-se ainda mais animadoras para o avançado galês: Cristiano Ronaldo ia mesmo deixar o Santiago Bernabéu e o lugar de grande estrela dos merengues ficava vago. Tudo parecia alinhar-se para Bale, a viver na sombra do português desde que trocou o Tottenham pelo Real Madrid em 2013. Contudo, passaram mais de seis meses e o cenário não podia ser mais distante.

Este domingo, Gareth Bale até podia ter sido o herói da companhia ao marcar o golo da vitória tirada a ferros frente ao Levante. Com a partida empatada desde os 60 minutos, altura em que Roger Martí respondeu ao golo que Benzema marcou de penálti ainda na primeira parte, Bale entrou aos 74 minutos para substituir o avançado francês. Apenas quatro minutos depois, converteu uma (muito polémica) grande penalidade e carimbou uma valiosa vitória do Real Madrid, na antecâmara de duas receções ao Barcelona e da segunda mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões, com o Ajax. Mas o desagrado inegável de Bale – tanto a nível desportivo como pessoal – não o deixou aproveitar da melhor forma o facto de ter sido o marcador de um golo decisivo. Logo depois do golo, o avançado começou a correr em direção à linha de meio-campo e afastou Lucas Vázquez, que tentava festejar com ele; o galês foi cumprimentando os colegas de equipa que se aproximaram pelo caminho, sempre sem sorrir, e só parou quando encontrou Luka Modric, que mais do que congratulá-lo pareceu consolá-lo.

Os motivos da infelicidade de Gareth Bale em Madrid são vários e díspares e nem as saídas de Zinedine Zidane e Cristiano Ronaldo amenizaram a fraca integração que o avançado galês sempre teve na capital espanhola. Depois de ter admitido, em entrevista à FourFourTwo, que não era “o melhor amigo” do treinador francês e que não trocaram qualquer palavra na noite da final da Liga dos Campeões, em que o Real Madrid venceu o Liverpool, nem nos dias que se seguiram, o El País revelou que a saída de Zidane do comando técnico dos merengues poderá ter estado diretamente ligada a Bale. De acordo com o jornal espanhol, o então técnico do Real Madrid acreditava que o futuro do clube seria sem o avançado galês e que os prováveis 100 milhões que uma eventual transferência traria deveriam ser utilizados em contratações adequadas às necessidades da equipa. Na altura, em janeiro de 2018, Florentino Pérez aceitou a premissa de Zidane e, à quimera constante de contratar Neymar ao PSG, acrescentou os nomes de Eden Hazard, Harry Kane e Mohamed Salah como alvos preferenciais.

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Bale, que esteve lesionado de setembro a dezembro de 2017 e só recuperou a forma física já na reta final da temporada, não foi titular na final da Champions contra o Liverpool mas marcou um grande golo logo três minutos depois de entrar em campo (em tudo semelhante ao que Cristiano Ronaldo havia marcado nos quartos de final, contra a Juventus) e ainda teve tempo de bisar na partida, graças ao segundo erro crasso do guarda-redes Loris Karius no jogo. O golo do avançado fez Florentino Pérez mudar de ideias e assumir Bale como uma escolha sua, uma contratação que ele próprio tinha imaginado e concretizado, um galáctico à antiga que iria ser o exemplo a seguir de uma nova etapa pós-Ronaldo no Real Madrid; Zidane, porém, não concordava e defendia que Bale não fazia a diferença nos momentos decisivos. O diferendo terminou com a saída de Zidane, a permanência de Bale e a ida de Ronaldo para a Juventus.

Com a saída de Ronaldo iminente, Florentino Pérez queria que Bale fosse a figura da equipa com Zidane ao comando

Sem um técnico que nunca confiou nele e sem o principal rival dentro do balneário, tudo parecia estar alinhado para o sucesso e afirmação de Gareth Bale. Depois de uma lesão que o voltou a afastar dos relvados no início da temporada, o avançado está agora totalmente recuperado mas continua sem ser opção para o onze inicial de Santiago Solari: Bale tem começado a grande maioria dos jogos no banco de suplentes e só é chamado já na segunda parte, para substituir os habitualmente titulares Vinícius, Benzema ou Lucas Vázquez. De acordo com a edição desta segunda-feira do jornal Marca, o avançado galês quer ser o líder do projeto merengue – e tem em Florentino Pérez o apoio e o respaldo necessário para o conseguir – mas ainda não convenceu Solari, ainda que recentemente tenha confrontado o treinador argentino com os números que leva nos últimos jogos (desde que voltou de lesão, marcou três vezes saído do banco, contra o Espanhol, o Atl. Madrid e o Levante).

A insatisfação, contudo, não se prende apenas com o panorama desportivo. Desde que chegou a Madrid, Bale nunca se integrou por completo no balneário merengue e está particularmente chateado com dois colegas de equipa: Marcelo e Courtois. No caso do primeiro, a zanga diz respeito a uma entrevista que o brasileiro deu à Marca, onde revelou que Bale ainda não fala espanhol – apesar de estar há seis anos em Espanha – e que a única forma de comunicar com o galês é mesmo através de gestos. Em relação ao guarda-redes belga, estão em causa declarações do jogador ex-Chelsea em que este revelou que a alcunha de Bale no balneário é “golfista”, por ser um admirador da modalidade e ter um campo de golfe em casa. O avançado galês, obcecado com a privacidade, não gostou das revelações que os dois colegas de equipa fizeram sobre a sua vida privada e fez questão de lhes transmitir precisamente isso.

O galês, que tem sido repetidamente criticado pela comunicação social espanhola – por não falar espanhol, por não sorrir, por ter abandonado o Santiago Bernabéu enquanto o Real Madrid perdia com a Real Sociedad –, parece estar longe de agarrar o coração dos adeptos merengues e ainda mais distante de convencer Santiago Solari a colocá-lo no onze inicial e de se tornar o líder de um balneário órfão de Ronaldo mas com nomes como Sergio Ramos, Modric e Marcelo enquanto referências. E numa altura em que se sente cada vez mais deslocado, e depois de já ter admitido um regresso a curto/médio prazo à Premier League, o Tottenham decidiu esta segunda-feira recordar o grande golo que Bale marcou há exatamente seis anos, contra o West Ham.