Enviada especial a Luanda

À hora marcada, Marcelo Rebelo de Sousa aterrou no aeroporto de Luanda. E tal como tinha acontecido com João Lourenço à chegada a Lisboa, em novembro, a chuva não faltou à chamada. Mas a fasquia do Presidente da República português para a visita de quatro dias que inicia esta quarta-feira a Angola é a mais elevada possível: depois do espírito de “expectativa” e da “esperança” num futuro melhor que tinha há um ano e meio, agora o estado de espírito do Presidente é de “confiança” nesse mesmo futuro. Mesmo com o incidente diplomático do bairro da Jamaica a atrapalhar a boa relação entre os dois países… Isso, disse, não é mais do que um “insignificante”.

Questionado sobre se esse incidente — motivado pela declaração do governo angolano de que Portugal tinha pedido desculpa pelos conflitos no bairro da Jamaica, afirmação entretanto negada por Lisboa — fragilizava a boa relação que estava a ser construída entre os dois países, Marcelo resumiu esses problemas a “insignificantes”. “O que neste momento é significativo não são os irritantes do passado, nem os insignificantes do presente, são os importantes do futuro”, limitou-se a dizer, desvalorizando assim o problema de léxico que esta segunda-feira se gerou quando o ministro dos Negócios Estrangeiros angolano disse que o MNE português tinha pedido desculpas pelo caso, coisa que o MNE português depois veio dizer que não fez exatamente assim — apenas manteve contactos bilaterais e detalhou o estado do processo.

Para Marcelo, que falava aos jornalistas à chegada ao aeroporto de Luanda, é apenas com os “importantes” que um verdadeiro estadista se deve preocupar. “A diferença entre um político e um estadista é que um político preocupa-se com os insignificantes, e um estadista com os importantes”, disse. E o importante, acrescentou, é o futuro risonho que a relação entre os dois países tem pela frente. “Entre esta minha última visita [em setembro de 2017, para a tomada de posse de João Lourenço] e esta minha visita agora, houve muito trabalho diário desenvolvido por várias entidades, em particular pelos ministérios dos Negócios Estrangeiros dos dois países, e esse trabalho deu frutos. São esses frutos que permitem dizer que agora temos confiança, já não temos expectativa nem esperança de que vá correr bem, agora sabemos que vai correr bem porque há passos dados, concretos, muito sólidos nesse sentido”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa na primeira declaração que fez aos jornalistas assim que aterrou em Luanda.

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Não especificou, contudo, que passos sólidos são esses, e o que está a ser feito. Sobre as dívidas de Angola a empresas portuguesas, que João Lourenço disse que “vão ser pagas”, Marcelo limitou-se a dizer que tem recebido “notícias todos os dias, em catadupa, o processo não pára, está a decorrer a todo o vapor”. Para o Presidente português, cuja visita que vai decorrer até sábado era muito aguardada pelos angolanos, o objetivo é “sair daqui com a sensação de que este é um processo imparável que vai ganhando velocidade”.

Dois presentes para João Lourenço e um salto ao Carnaval

À espera de Marcelo, na pista de aterragem, estava o Governador de Luanda, o Embaixador de Luanda em Lisboa, bem como o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Ministro de Estado e da Segurança da Casa do Presidente. João Lourenço, tal como estava previsto, não recebeu o homólogo, uma vez que a visita oficial só arranca esta quarta-feira. Os dois, contudo, vão encontrar-se ainda hoje, num jantar de aniversário do Presidente angolano, que faz esta terça-feira 65 anos. Para João Lourenço, Marcelo trouxe não um, mas dois presentes de aniversário. Só não quis revelar quais.

“Não é bonito divulgar o presente antes de o dar ao aniversariante, eu também não gostava nada que me fizessem isso”, disse Marcelo, admitindo que tentou ser “imaginativo” mas que não teve muito sucesso nessa tarefa, acabando por trazer dois presentes: um alusivo ao passado, comum aos dois, e um sobre o futuro.

Terminadas as declarações oficiais, um momento oficioso: por coincidência, ou não, Marcelo aterrou em Luanda pouco antes das 17h, precisamente a hora prevista para o início do grande desfile de Carnaval na Nova Marginal de Luanda. O Presidente português não quis fazer por menos, e pôs-se a caminho de lá, embora não estivesse previsto no programa oficial.

Ficou sentado na “tribuna oficial”, ao lado do governador de Luanda e do ministro dos Negócios Estrangeiros, não foi anunciado nos holofotes e passou despercebido: e esteve apenas cerca de meia hora a ver o desfile. É que às 19h tinha um jantar marcado. E dois presentes para oferecer. Para todos os efeitos, a visita só arranca amanhã. Mas em política, já se sabe, não há coincidências.