Enviada especial a Angola

“O Marcelo abraçou-me!”, diz uma jovem. “Já não vou lavar o braço!”, diz outro. Os sorrisos na cara das muitas centenas de pessoas que estavam na praça do Governo Provincial de Huíla à espera de Marcelo Rebelo de Sousa contrasta com o tempo que tiveram de esperar para o ver: mais de duas horas debaixo de calor intenso. A hora prevista de chegada do “Presidente de Portugal” era 10h da manhã — não tinha como atrasar uma vez que era o primeiro ponto do programa (depois da saída de Luanda). Mas atrasou, e não foi pouco. Porquê? Porque Marcelo decidiu fazer os 10 quilómetros que separam o aeroporto de Lubango do edifício do governador “pendurado no carro”, com “um pé dentro e outro fora”, a acenar aos grupos de populares que se encontravam pela estrada à espera de o ver. O pesadelo da equipa de segurança, mas Marcelo tinha de ser Marcelo em Angola.

[VÍDEO: Mão na porta, pé no estribo. Marcelo engolido em 2h de abraços em Angola]

“Para não cair vim pendurado no carro, só com uma mão presa. O carro não podia vir muito rápido, porque como é blindado não dava para abrir a janela. Foram 10km de multidão, multidão, multidão”, disse assim que chegou e voltou a ser engolido por nova multidão. “Pessoas-pessoas-pessoas”. Marcelo já tinha dito ontem, na aula que deu na Universidade Agostinho Neto, em Luanda, que esse devia ser o lema de qualquer político, ou mesmo de qualquer pessoa formada em Direito. E leva-o à letra. O que se passou durante aqueles dez quilómetros, repetiu-se de cada vez que Marcelo punha o pé na rua, quando circulava de um ponto ao outro na província de Huíla. Nem o próprio esperava tanto: “Ultrapassou todas as minhas expectativas”, disse. “Em Luanda já tinha sido bom, mas a Huíla bateu tudo”, diria depois num breve discurso ao almoço.

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Marcelo explica demora a chegar. "Ia pendurado no carro, ia caindo"

É que, se na quarta-feira, em Luanda, o “Professor Marcelo” tinha tido dificuldade em sair do auditório onde deu uma aula para alcançar a porta de saída, tal era o aglomerado de curiosos à sua volta, desta vez, na primeira vez que vem às províncias angolanas nesta visita de Estado, o banho de multidão atingiu um outro nível. “Este fica para a história”, chegou a admitir aos jornalistas quando questionado sobre se este banho de multidão, entre tantos por onde já tem passado, tinha sido mais especial do que os outros.

A chegada a Lubango teve direito a banho de multidão que o Presidente português classifica como tendo ficado “para a história”

Já com a voz rouca e visivelmente cansado, Marcelo ainda seria surpreendido por um popular que o desafiou a cantar fado. Foi assim que “A canoa do Tejo”, de Carlos do Carmo, chegou ao Lubango, a duas vozes. Para trás ficaram os grupos de danças tradicionais que aguardaram em modo festivo as duas horas que o Presidente os deixou à espera. António, um dos líderes do grupo, disse ao Observador que a dança simbolizava uma “saudação de boas-vindas”, porque era um “prestígio para a nossa província” receber o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, um Presidente que, disse, “tem muito contacto direto com as pessoas”.

Grupo Kataleco espera Marcelo com danças e cantares locais

A espera foi longa e não foi só a comunidade anfitriã que ficou de pedra e cal à espera do Presidente. Também uma grande parte da comitiva presidencial, incluindo os deputados que vieram acompanhar o Presidente da República em representação parlamentar e que também esperaram desde perto das 10h até ao meio-dia e meia que Marcelo chegasse. Ao Observador, e em jeito de brincadeira, o líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, até admitiu que só não estava a “criar raízes” porque já as tinha. Sim, nasceu em Angola.

O calor humano, e o outro calor, não faltou. Marcelo, já cansado e rouco, admitiria que custa ir apoiado num só pé aqueles quilómetros todos, a acenar. Qual Papa, ou qual rock star. Mas o dever a isso obriga, e mesmo depois de deixar toda a equipa de assessores e de segurança em polvorosa, garante não vai saltar nenhum passo do programa. Espera-se um dia longo entre Huíla e Benguela, que deverá terminar com um jantar com a comunidade portuguesa a bordo de uma fragata. “Nem que o jantar seja à meia noite”, ironiza-se entre a comitiva.