Longe vão os tempos em que uma peregrinação se cingia apenas ao esforço humano de fazer uma longa distância a pé. Cada vez mais há outros meios para que os fiéis das várias religiões possam chegar ao seu destino de formas mais rápidas e confortáveis. Na junção dessas duas qualidades, dificilmente haverá algo melhor do que um TGV. Foi nisso mesmo que reparou o governo da Arábia Saudita quando avançou para a construção de uma linha de alta-velocidade entre as cidades santas de Meca e Medina. O processo de construção foi longo e com muitos obstáculos, mas terá valido a pena: os primeiros seis meses foram um sucesso.

O projeto começou a ser criado no final de 2011 pelo consórcio Al Shoula Grupo, composto por 12 empresas sauditas e espanholas (com a Renfe como principal investidora e mentora), sendo orçamentado em 6,7 mil milhões de euros. Porém, aquilo que parecia uma ideia inovadora e com “pernas para andar” esteve em risco várias vezes e por vários motivos: a fraca coordenação entre as empresas do consórcio, que tinham uma cultura empresarial muito diferente, ou os desafios colocados pelo deserto (ventos ou temperaturas extremas) complicaram os trabalhos.

O projeto era assim inaugurado a 25 de setembro de 2018, quase dois anos depois da data de lançamento inicialmente prevista e com uma derrapagem orçamental de cerca de mil milhões de euros. Um início atribulado, mas recompensador: nos primeiros seis meses, o Haramain, nome do comboio que é do modelo Talgo T-350, teve uma taxa de ocupação de 80%. Uma média muito interessante, dizem os investidores, ainda mais se tivermos em conta o facto de que ainda não houve momentos de grande afluência religiosa para o também chamado de “Comboio do Deserto”. Mas essa altura está para breve.

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O interior do Haramain, mais tecnológico e moderno do que a maioria dos habitantes da Arábia Saudita estavam à espera

O primeiro teste será a altura do Ramadão, que decorrerá de 7 de maio a 4 de junho, mas o grande momento de afluência e um dos principais motivos para a criação desta linha ferroviária será mesmo o Haje. A grande peregrinação islâmica, que será, este ano, entre entre 9 e 14 de agosto, é mesmo a base da ideia da “Linha do Deserto”, já que as estações terminais são as duas cidades mais importantes para o Islão: Meca e Medina. A linha de alta velocidade tem, de resto, 450 quilómetros de comprimento e conta com cinco estações: Meca, Jeddah, Aeroporto Internacional Rei Abdulaziz, King Abdullah Economic City e Medina.

Uma janela da religião para a modernidade, que os fiéis aceitaram com fácil aprovação. Antes de se entrar no comboio, diz o El País, que fez a viagem, há muitos passageiros que tiram selfies e fotos de família, mostrando que o Haramain é já quase um símbolo religioso. A iniciativa tem ainda maior destaque tendo em conta que há já alguns anos que os sauditas reclamavam da precariedade das instalações e serviços de transporte.

“Não costumamos ver esta pontualidade”, comentou ao jornal espanhol Mustafa, impressionado, em Riad, com o nível de pontualidade do comboio, num país no qual esta qualidade não é muito comum. Mustafa e a sua esposa tinham acabado de fazer toda a viagem de Meca para Medina, em três horas, percurso que demoraria entre quatro horas e meia a cinco horas de carro. “Recebemos um serviço impecável”, concordaram.

Um feedback muito positivo e que deixa as expetativas em alta para quando se derem os principais momentos de afluência nas celebrações islâmicas, já em maio com o Ramadão. A viagem custa 441 reais sauditas ida e volta (cerca de 110 euros) em primeira classe, e 262,50 reais sauditas (65,41 euros) em classe económica. Os bilhetes podem ser comprados na bilheteira, mas é recomendada a reserva online dada a grande procura. Por enquanto, a estação de Meca é reservada a muçulmanos, sendo necessária a apresentação de documentação que o comprove.