Morreu o cartoonista Augusto Cid nesta quinta-feira. Tinha 78 anos e estava doente há muito tempo, avança a TVI 24. A Agência Lusa também já confirmou junto de um familiar.

Augusto Cid destacou-se como cartoonista, tendo trabalhado em vários jornais e revistas, nomeadamente Vida Mundial, O Diabo, Grande Reportagem, O Independente e no semanário Sol, assim como na TVI, sempre com uma perspetiva da atualidade.  Publicou os livros “Que se passa na frente?!!”, “Porreiro, pá!”, “Soares é fish” e “Alto Cão Traste” e editou ainda o catálogo “Cid, o Cavaleiro do Cartoon”, que acompanhou uma exposição homónima do seu trabalho.

O velório de Augusto Cid realiza-se na sexta-feira, a partir das 17:00, na Basílica da Estrela, em Lisboa, onde será rezada missa de corpo presente no sábado, pelas 10:00, seguindo-se o funeral para o cemitério do Alto de São João, onde será realizada a cerimónia de cremação.

Um auto-retrato em cartoon de Augusto Cid, publicado pelo próprio na sua conta de Facebook

Os cartoons e as esculturas

Em 2012, numa entrevista ao Correio da Manhã, Augusto Cid descreveu a opção então acabado de tomar pela reforma: “Estava há algum tempo a pensar nisso. Já tinha havido um desconto substancial no meu ordenado, mas como gosto de lutar pelas causas em que acredito, continuei no ‘Sol’. Quando me tiraram outra fatia grande, vi-me impossibilitado de o continuar a fazer”. Durante a conversa, Augusto Cid revelou não ter contabilizado o número de cartoons que publicou em jornais ao longo da vida. “Mas foram uns milhares”, acrescentou.

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Um cartoon tanto pode demorar uma hora como cinco a ser feito e as pessoas pensam que é bem pago. Esquecem-se de todo o material que precisei de armazenar na cabeça, as revistas e jornais que tive de comprar, os programas que tive de ver… Agora estou virado para a escultura e a preparar um livro sobre a minha comissão militar em Angola”, afirmou então ao jornal diário.

Como escultor, Augusto Cid desenvolveu obras como a peça de homenagem às vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001 — que está instalada no cruzamento das avenidas de Roma e Estados Unidos da América, em Lisboa — e a escultura dedicada a Nuno Álvares Pereira,  que se encontra em Lisboa, no Restelo, e foi inaugurada em novembro de 2016 pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.

Na sua conta de Facebook, cuja última publicação data já de 2015, Augusto Cid foi publicando alguns cartoons e esculturas. São disso exemplo as imagens da fotogaleria abaixo:

6 fotos

Nascido “por acaso” nos Açores, na ilha do Faial, Augusto Cid estudou nos Estados Unidos da América e foi neste país que começou a publicar cartoons “sobre política americana”, que “tinham muito pouca repercussão, pois saíam num jornalinho local de Laguna Beach”, contou ao CM. Nessa entrevista ao diário, o cartoonista assumiu ainda que tentou “duas vezes” desenhar cartoon em computador, mas não lhe “pareceu genuíno”. “Entendo que o desenho e a pintura devem mostrar o traço e o toque de pincel que estão na origem dessa intervenção”, referiu ainda.

Antigo combatente na guerra do Ultramar, destacado para Angola durante dois anos, foi militante do PPD-PSD e amigo de Francisco Sá Carneiro. Foi um cartoonista eminentemente político — daí a regularidade da sua publicação em jornais — tendo desenhado figuras como Ramalho Eanes (de quem foi antigo e forte opositor), Mário Soares, Francisco Pinto Balsemão, Pedro Santana Lopes ou Angela Merkel, entre muitos outros.

Até durante os dois anos que passou na Guerra desenhou, como revelou há pouco mais de dois anos em entrevista ao jornal I: “Curiosamente eu fazia a minha guerra – não a guerra que eles queriam que eu fizesse. Cumpria a minha obrigação, julgo eu, mas depois quando chegava ao destacamento rapava dos meus lápis de cores e das minhas aguarelas e fazia um cartoon sobre aquilo. Quando vi que havia uma páginas de cartoons numa revista militar pensei: ‘Posso trabalhar com eles’. Curiosamente não era mal pago. Davam-me 150 paus por cartoon, que era dinheiro. E faziam concursos em que o prémio era 500 escudos e eu ganhava quase sempre, portanto ganhava mais nos desenhos que fazia do que como furriel”, recordou.

A guerra é uma boa escola da vida. Só tem um pormenor: é que se pode morrer com facilidade durante o ensinamento. Tirando isso, é uma belíssima escola”, disse ainda.

Sobre a sua vida familiar, contou, ao mesmo jornal: “Eu tinha um ambiente muito mau em casa, o meu pai tinha um feitio muito chato. Era boa pessoa, mas impossível de aturar em casa. Na rua era diferente. Transformava-se. Ia para a Versailles todas as tardes, era uma espécie de atração para eles porque só tinha anedotas, só tinha coisas giras para dizer. Mas chegava a casa e transformava-se. Era administrador da Tabaqueira, mas levava a coisa contra o tabaco a sério. Não sei como é que nunca matou ninguém, porque saíam cinzeiros, daqueles pesados, de vidro, do terceiro andar, na Alameda D. Afonso Henriques, por sorte nunca apanharam a cabeça de ninguém”.

A longa luta no Caso Camarate

Augusto Cid chegou a ter livros apreendidos e foi especialmente crítico da atuação do seu partido na reação ao caso Camarate, o desastre aéreo de 1980 que vitimou Sá Carneiro — então primeiro-ministro –, o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa, outros três passageiros e os dois pilotos do avião. Augusto Cid chegou mesmo a investigar o desastre, tendo publicado um livro intitulado Camarate, que motivou um processo judicial interposto e vencido por Francisco Pinto Balsemão. Em 2012, Augusto Cid disse ao CM:

Comecei por explorar todas as hipóteses ao longo de meses. Fui aos EUA de propósito para comprar livros sobre acidentes com aviões ligeiros e não havia caso algum de uma queda após descolagem por falta de gasolina. Nem um. Está hoje provado que a tese de acidente foi pura invenção. (…) No início não tinha grandes elementos para contestar as versões oficiais e a minha guerra começa com cartoons, uns a seguir aos outros, sobretudo no ‘Diabo’. Criticava e ridicularizava a investigação de tal maneira que as pessoas começaram a perceber que as coisas não batiam certo. Isto é uma coisa pouco vista neste país. O cartoon também serve para denunciar coisas que estão a ser mal feitas ou que ainda se vão passar”, referiu.

Augusto Cid revelou ainda ter sido alvo de ameaças e intimidações na sequência da sua investigação ao Caso Camarate: “A ameaça que me doeu foi quando destacaram um indivíduo para apontar uma arma à cabeça da minha filha. Havia também pessoas muito preocupadas com a minha segurança a aconselhar-me a fugir imediatamente. Estariam à minha espera em Santa Apolónia e depois em Madrid pessoas para me darem protecção até as coisas acalmarem. Como não apareci, voltaram a telefonar a dizerem que estava a correr um enorme perigo. No fundo era uma forma de intimidação”, referiu ao CM.

Na sua conta de Facebook, Augusto Cid publicou em 2014 um texto chamado “Os Embustes de Camarate”, no qual reagiu à acusação de que tornara “um simples e lamentável acidente de aviação era afinal um tenebroso crime destinado a eliminar destacadas figuras do Estado”, nas suas palavras. A acusação teria sido feita por José Manuel Barata-Feyo, autor do livro O Grande Embuste — Camarate, Factos e Conveniências.

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Miguel Sousa Tavares chegou a chamar à obra de José Manuel Barata-Feyo, disputada por Augusto Cid, “a primeira investigação séria, isenta e completa, até hoje feita, de um caso que assola Portugal há mais de 30 anos”.