A Infraestruturas de Portugal notificou alguns empresários de pedreiras para que encham os buracos da exploração e assegurem a distância mínima entre o início da escavação e a estrada. Nos exemplos que foram dados a conhecer ao Observador, os notificados têm 45 dias para cumprirem esta ordem.
O Observador teve conhecimento das notificações por parte da Infraestruturas de Portugal (IP) pouco tempo depois de publicada a Resolução do Conselho de Ministros (n.º 50/2019) que identifica as pedreiras em situação crítica e as medidas que devem ser tomadas para diminuir os riscos para pessoas e bens. O levantamento das situações de risco, divulgado pela resolução, e as notificações aos proprietários foram coordenados pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG). Foram identificadas 191 pedreiras em situação de risco, dentro das 1.426 que pertencem às classes 1 e 2 e que são licenciadas pela Administração Pública central.
As notificações emitidas pela IP para empresas que a DGEG está a fiscalizar e notificar apanharam a própria DGEG de surpresa. Depois disso, fontes dizem ao Observador que, em reuniões sobre o tema, a DGEG terá garantido que esta descoordenação será resolvida entre os ministérios que tutelam as duas entidades — Ministério do Ambiente e Transição Energética e Ministério das Infraestruturas e Habitação. Contactada pelo Observador, a IP respondeu que “procede à avaliação das situações que possam ter interferência com a rede rodoviária sob sua jurisdição, tendo subjacente o princípio da colaboração e as atribuições de cada uma das entidades”. Por sua vez, o Ministério do Ambiente disse ao Observador que os dois tipos de fiscalização e notificações são independentes, que não há duplicação e que cada entidade notifica em função das suas competências.
A Resolução do Conselho de Ministros refere que um dos fatores considerados para avaliar se uma pedreira estava em situação crítica era o risco de colapso ou abatimento de caminhos públicos, estradas municipais ou nacionais, assim como autoestradas e estradas internacionais. O documento identifica as medidas preventivas em cada um dos casos, como alterar o traçado, interditar a circulação ou repor a linha de defesa (distância mínima entre a exploração e a infraestrutura). A resolução determina ainda que cabe à DGEG notificar os proprietários e estabelecer os prazos que têm para cumprir as medidas previstas. Está previsto que a DGEG possa recorrer à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), à Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), às autoridades policiais ou entidades ligadas ao ambiente, mas em nenhum momento é referida a intervenção da Infraestruturas de Portugal.
As inspeções da IP, a que o Observador teve acesso, começaram pouco tempo depois da derrocada da estrada 255 que atravessava uma zona de pedreiras em Borba e que tinha provocado cinco vítimas mortais — a 19 de novembro de 2018. Cerca de uma semana depois, no dia 27, o Centro Operacional Sul e Direção de Engenharia e Ambiente da IP visitaram, pelo menos, a estrada nacional 4, em Estremoz, e a estrada nacional 254, na zona de Vila Viçosa.
Os técnicos consideraram que a escavação da pedreira, entre a EN4 e o cemitério de Estremoz, violava uma norma estabelecida pelo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, nomeadamente a distância à estrada — que deve ser três vezes a profundidade da escavação. No caso, estimaram que a profundidade fosse de, pelo menos, 25 metros e que deveria ter uma distância mínima à estrada de 75 metros e não de 40, como é o caso.
O Decreto-Lei n.º 340/2007, que define o regime jurídico aplicável às pedreiras, define que a distância de proteção à estradas nacionais e municipais é de 50 metros (para cada lado). Esta distância pode ser alterada, caso a profundidade da exploração o justifique, uma decisão que caberá à entidade responsável pela aprovação do plano de lavra — no caso referido, a DGEG. O legislador prevê, porém, que “para as explorações já licenciadas com distâncias inferiores às fixadas no presente decreto-lei relativamente a zonas de defesa, as novas distâncias só serão aplicáveis se não implicarem perturbações à marcha dos trabalhos”.
Pedreiras dizem que o prazo imposto é impossível de cumprir
Jorge Galrão, diretor executivo do grupo Galrão (a que pertencem os Mármores Galrão), confirmou ao Observador que recebeu a notificação da IP, mas ainda não tinha recebido qualquer notificação da DGEG em relação a esta pedreira.
Na notificação da IP é dada ordem ao proprietário para repor o terreno nas condições em que se encontrava antes da data do início das obras ou trabalhos. Jorge Galrão explica que quando comprou o terreno — no final dos anos 1990 — já a pedreira estava desativada. “Já não tinha valor económico e começámos a tapar. Dava jeito para as escombreiras”, diz, referindo-se aos materiais sem valor económico que sobram da exploração.
“Mas mesmo que a pedreira esteja desativada, a lei não permite tapá-la sem ter a certeza de que já não tem valor económico”, diz Jorge Galrão, explicando que teve de pedir autorização à DGEG para começar a encher o buraco.
A IP deu 45 dias aos Mármores Galrão para encher a referida pedreira. “Isto não se tapa de um dia para o outro”, diz Jorge Galrão, que tem vindo a encher o buraco há sete ou oito anos com terra e pedra das explorações que estão ativas. Os notificados têm 15 dias para se pronunciarem. “Já marcámos reunião para explicar que em 45 dias não é possível.”
António Chambel, professor na Universidade de Évora, também considera que 45 dias não é um prazo razoável. Referindo-se sobretudo às 191 pedreiras em situação crítica, em que 93% necessitam de estudos prévios ou projetos de execução, o geólogo duvida que exista em Portugal capacidade técnica para dar resposta a todos os pedidos. “A Universidade de Évora recebeu mais de 10 pedidos [de estudos por parte das empresas]. Em 60 dias, só conseguimos fazer dois ou três [estudos de delimitação de zonas perigosas, um dos tipos de intervenção pedidos]”, diz ao Observador. António Chambel lembra que são precisas pelo menos duas semanas de trabalho de campo, recolher muita informação e elaborar os relatórios. E isto só para apresentar os estudos ou projetos, depois é preciso executá-los. “Existem poucas empresas privadas com competências para fazer estes estudos.” E as instituições, como a universidade, não se dedicam em exclusivo a este tipo de trabalhos.
“Estes prazos curtos não dão margem de manobra”, diz também ao Observador José Romão, presidente da Associação Portuguesa de Geólogos. Para o geólogo não basta fazer as notificações, é preciso saber quantas pedreiras precisam de intervenção, a dimensão dessas pedreiras e quantas empresas existem na zona para cumprir essas tarefas. “Às vezes queremos criar impacto imediato, mas a realidade do país dita outra coisa. É assim que se criam problemas de incumprimento.”
O Observador questionou a Infraestruturas de Portugal e o Ministério das Infraestruturas e Habitação sobre a fiscalização e notificações sobre a relação com o levantamento feito pela DGEG, tutelada pelo Ministério do Ambiente e Transição Energética, e sobre o prazo dado às empresas. A IP, porém, recusou responder, alegando que é preciso esperar que os processos estejam concluídos: “O acesso a informação constante de procedimentos administrativos em curso encontra-se condicionada, nos termos da lei, à respetiva conclusão.”