A menos de dois meses das eleições europeias, começam a sentir-se os primeiros sinais de guerrilha eleitoral. António Costa anda pelo país e, nos intervalos das inaugurações e promoções das iniciativas do Governo, acompanha o candidato Pedro Marques em comícios e ações de campanha para as Europeias. Este fim de semana, contudo, deu um passo que soou a novo aos ouvidos do PSD: atacou diretamente o adversário, dizendo que o PSD quer apenas “vingar-se do sucesso” da atual governação e que a campanha dos sociais-democratas se vai centrar apenas no “enfraquecimento do governo”.

O comentador e ex-líder do PSD, Luís Marques Mendes, deu conta da erupção: “Não é habitual António Costa fazer um ataque direto ao PSD”. Quer dizer que a campanha negativa veio para ficar? No PSD, a leitura é “esperar para ver”. Por um lado, pode ter sido apenas uma “irritação” de dois ou três dias; por outro, a bipolarização do debate até é vantajosa para os dois — significa que, quer à esquerda, quer à direita, mais nenhum partido conta. É mesmo para sacar da pistola?

“Ainda não se percebeu bem se esta bipolarização [da parte de António Costa] foi uma coisa pontual, uma irritação provocada pelas notícias das últimas semanas — do familygate, do recorde da carga fiscal, do PSD a crescer nas sondagens –, ou se aumentar a agressividade faz mesmo parte da estratégia. Esta semana vão estar os dois a estudar, a olhar para um e para o outro, e a ver quem tira a pistola primeiro. Ainda não se percebeu bem”, diz fonte do PSD ao Observador, notando que, depois de um mês e meio de praticamente “não-interação” entre PS e PSD, os comícios deste fim de semana evidenciaram uma “mudança”. “Desta vez houve uma clara tentativa de descredibilizar o PSD”, acrescenta.

Coisa que não acontecia antes. Na origem dessa “mudança”, pontual ou não, pode estar uma “combinação de fatores”, no entender dos sociais-democratas. Primeiro, a saga do “familygate“, que resultou numa semana de notícias negativas para o governo; depois, a notícia de que, apesar do “brilharete do défice”, no ano passado a carga fiscal registada em Portugal atingiu o valor mais alto desde 1995 (pelo menos); e ainda o facto de a última sondagem (divulgada também na semana passada) mostrar o PSD a disparar nas intenções de voto, aproximando-se do PS. O barómetro de março da Aximage mostra o PS a liderar com 34,1% das intenções de voto, com o PSD a subir 10 pontos percentuais de um mês para o outro (de fevereiro para março), chegando agora aos 29,1%.

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“Eles”, os social-democratas

A verdade é que, tanto em Santa Maria da Feira, na sexta-feira, como em Felgueiras, no sábado, António Costa esteve ao lado de Pedro Marques a atirar pedras ao PSD, numa narrativa pouco usual entre os socialistas. “A única coisa que fazem é uma campanha contra o PS. Querem nestas eleições vingar-se daquilo que tem sido o sucesso da ação governativa do Partido Socialista ao longo destes três anos”, disse, num jantar de pré-campanha, na Lixa, concelho de Felgueiras. Antes, em Santa Maria da Feira, tinha dito que a direita não perdoava os socialistas por terem “virado a página da austeridade” e conseguido “afugentar o diabo”.

O alvo do ataque são “eles”, os sociais-democratas. Costa insistiria várias vezes nas referências diretas ao PSD: “Quando eles nos atacam, só têm um objetivo: enfraquecer o PS, enfraquecer o Governo, derrubar o Governo e destruir tudo aquilo que conseguimos recuperar nos últimos três anos. E nós não vamos permitir o regresso daquela direita que não deixou boa memória no nosso país”. E continuou: “Eles [PSD] não nos perdoam, porque eles acreditavam mesmo que era necessário continuar com a austeridade, continuar a cortar nos salários, continuar a cortar nas pensões, continuar a aumentar os impostos para podermos ter contas certas”. Para o líder socialista, resumiu, o PSD está incomodado, porque o PS tem uma governação “com contas em dia”, tendo “reposto os salários, tendo reposto as pensões e aumentado a justiça fiscal em Portugal”.

O cerrar de dentes não passou despercebido ao PSD, que era para ter feito uma sessão pública de apresentação da lista às Europeias este sábado, no Luso, mas, devido à morte do histórico assessor social-democrata Zeca Mendonça, a sessão pública foi adiada para a próxima sexta-feira. Ainda assim, sabe o Observador, os elementos da lista e respetivas equipas reuniram-se na mesma para debater internamente a estratégia e a logística da campanha e esta nova agressividade do PS face ao PSD foi um dos temas abordados. Por um lado, é unânime que “evidencia da parte do PS que as coisas não estão seguras”, mas, por outro, fonte ouvida pelo Observador também reconhece que este tipo de discurso é a forma de Costa falar para o eleitorado à sua esquerda e apelar ao “voto útil”: mantendo vivo o bicho-papão da direita, personificado no PSD, o PS apela indiretamente aos eleitores de esquerda para não votarem no BE ou PCP, mas sim no PS, porque essa é a única forma de a direita não regressar ao poder.

FactCheck/Europeias. Quem tem razão na discussão sobre fundos, debates e sanções?

Há, no entanto, um problema ou erro de cálculo: é que a bipolarização da política em torno do PS e do PSD também é útil ao PSD, na medida em que faz crer que só este partido, à direita, interessa. “O PS quer mostrar que é ele que representa a política da geringonça e quer chamar a atenção para a importância do voto útil, mas o efeito benéfico que eles querem para eles também acaba por ter efeito para nós”, afirma fonte social-democrata. Ora, o PSD vai manter o plano traçado: começou com um discurso contra o Governo e Pedro Marques, apontando as incongruências narrativas e atirando com os relatórios da Comissão Europeia, do Tribunal de Contas Europeu e do Banco de Portugal que, dizem, mostram que, ao contrário do que Pedro Marques afirma, Portugal está a perder na execução dos fundos comunitários; e vai agora passar para a fase da apresentação do programa e das propostas eleitorais, esperando-se já uma resposta a António Costa no próximo dia 5 de abril, aquando da apresentação formal da lista — na presença de Rui Rio.

Ou seja: havendo benefício para as duas partes, é pouco provável que o PS mantenha o tom discursivo lá no alto. Para já, as pistolas devem permanecer nos coldres.