Hugo Messias trabalha a mais de cinco mil metros de altitude no meio do deserto do Atacama, no Chile. Há três anos deixou Portugal para trás e aceitou um desafio para trabalhar no ALMA (Atacama Large Millimeter Array), um dos maiores e mais importantes observatórios astronómicos do mundo. Pela frente tinha uma função ainda mais especial do que julgava: ver pela primeira vez um buraco negro.

Quando entrou no ALMA, Hugo tornou-se numa das pessoas mais diretamente envolvidas no Event Horizon Telescope, o projeto que esta quarta-feira nos mostrou a primeira fotografia de um buraco negro. Em agosto, no entanto, termina o programa que o levou até ao Chile. E o investigador português poderá ficar desempregado poucos meses depois de ter ajudado a criar uma imagem capaz de mudar o mundo da astrofísica e a desvendar um dos maiores mistérios da ciência.

Esta é a primeira fotografia de sempre de um buraco negro. Einstein estava correto, outra vez

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Hugo Messias, 33 anos, é uma das pessoas responsáveis pelas observações. É ele quem está por detrás de uma das oito antenas que, desde há treze anos, direcionaram todos os olhos e todos os ouvidos para o buraco negro na galáxia M87 e para o centro da Via Láctea, onde também existe um buraco negro, o Saggitarus A*. “Preparo as observações, executo as observações e quando os dados surgem tratamos deles para corrigir quaisquer coisas que não estejam perfeitas”, explica por telefone ao Observador.

A informação que Hugo Messias recolhe é a que está a ser emitida pela matéria que roda à volta do buraco negro. Como o buraco negro é uma região tão densa do espaço que nada, nem mesmo a luz, lhe consegue escapar, tudo o que podemos detetar são os sinais de radiação eletromagnética enviados pelos gases a altíssimas temperaturas que são engolidos para dentro dos buracos negros. O ALMA é um dos melhores apanha-sinais do mundo graças às suas 66 antenas de alta precisão.

Esses são os sinais que chegam até às mãos do investigador português, que os analisa e depois envia para o Instituto Max Planck, Alemanha, e para o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos. Só lá é que um modelo matemático transforma os sinais emitidos pela matéria consumida pelo buraco negro numa fotografia como a publicada esta quarta-feira.

Mas nada disso seria possível sem a perícia de Hugo Messias, que é, no fundo, um dos ouvidos do ALMA. “Isto é tudo como o nosso sistema auditivo. Nós recebemos uma informação em cada um dos nossos ouvidos, mas por causa do atraso com que recebemos esse som sabemos se ele vem da esquerda ou da direita. Isso também funciona assim nas antenas. Nós recebemos os sinais e enviamos para os dois sítios, que são como o cérebro e colocam todos os observatórios em sintonia”, compara o investigador natural de Lisboa.

“Dias como este provam que fiz a escolha certa”

Hugo Messias chegou ao ALMA com um contrato de três anos inserido num programa de pós-doutoramentos. Foi com uma missão em mente: estudar as galáxias e como é que os buracos negros influenciam a evolução delas. “Na galáxia onde está o buraco negro que vimos hoje há um jato que a atravessa da esquerda para a direita. Esse jato é material que está a sair das imediações do buraco negro. Não sabemos como é que se está a formar, mas sabemos que está a empurrar gases para fora da galáxia. Sem esses gases, as estrelas não se desenvolvem. Isso pode ajudar-nos a explicar porque é que as galáxias mais próximas de nós não são tão grandes como esperávamos e são velhas”, explica.

A primeira imagem de um buraco negro. Como se fotografa algo invisível e o que mostra do grande “mistério da física”?

Para encontrar respostas, Hugo era obrigado a recorrer muitas vezes ao observatório para ver se as encontrava noutros corpos celestes, como os planetas ou asteroides. Foi assim que depressa a missão se alargou e o português se viu envolvido num dos projetos mais apetecíveis da astrofísica neste momento: olhar para um buraco negro e fotografá-lo em ação quando suga a matéria em redor dele. “Quando cheguei cá perguntaram-me se me queria juntar para fazer este tipo de observações e eu disse logo que sim”, recorda ao Observador. Nem teve de pensar duas vezes.

Chegou em setembro de 2016, mas dois anos e meio depois já tinha visto resultados: os cientistas tinham fotografado a sombra do M87*, o buraco negro no centro da galáxia Messier 87, graças aos dados que ele e os colegas tinham conseguido captar e tratar no deserto do Atacama. “Já tinha tido acesso aos relatórios da descoberta antes de elas serem publicadas. Mas quando assisti à conferência de imprensa e a imagem surgiu no ecrã, só conseguia dizer: ‘Uau…’“, conta. E finaliza: “Dias como este provam-me que fiz a escolha certa”.

Hugo Messias fala de escolhas porque, segundo ele, a astronomia não foi uma primeira opção evidente. “Fui rejeitando outras áreas. No secundário até estive a fazer artes e física, mas depois decidi ir para a astronomia”, explica. Isso tem-no obrigado a afastar-se muitas vezes da família e dos amigos para integrar projetos além fronteiras, mas o investigador diz que essa é a natureza da própria astronomia: “Temos de sair do sítio onde nos formámos para aprender mais. A própria astronomia, por ser tão universal, coloca-nos em contacto com tantas culturas que o enriquecimento vai muito além do científico e técnico”, justifica.

Hoje sabe que acertou no percurso que decidiu percorrer: “Há bocado enviei a imagem do buraco negro para uns amigos e disse-lhes que era por causa destas coisas que vim para cá. Assim estou distante de todos. Mas a aventura foi para isto“.

A aventura de Hugo Messias tem duas rotinas diferentes. Uma parte é a investigação científica, aquela em que explora se os buracos negros têm algum efeito na forma como as galáxias envelhecem, e ocupa metade da rotina profissional do português. Essa passa-se em Santiago, longe do deserto do Atacama. A outra metade é mais técnica e essa sim, obriga o astrónomo português a subir às alturas para calibrar os telescópios e procurar respostas noutros mundos.

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Quando não está de olhos pregados nas estrelas, está a andar de bicicleta — é assim que vai para o trabalho todos os dias, na esperança de contornar o infernal trânsito chileno numa cidade com sete milhões de habitantes. Ou então está a fazer judo, um desporto que pratica desde os seis anos, ou escalada. “Santiago está nos 500 metros de altitude e, num fim de semana, fui até aos 5.500 metros e voltei. Foi extremo, mas divertido”, recorda.

“É infeliz que daqui a um ano talvez não esteja em astronomia”

Esta vai ser a vida de Hugo Messias até agosto. Depois disso não sabe o que vai acontecer. “Estou num programa de três anos, portanto em agosto termina o contrato e não sei para onde vou. A partir daí vou estar desempregado”, revela. Era algo que sabia que podia acontecer no momento em que decidiu estudar Astronomia: “Há pessoas que podem estar nisto há dez anos e que também não devem conseguir arranjar trabalho. Esta é uma condição da astronomia. Temos muitos doutorandos, mas não há posições permanentes para todos. Neste momento, estou a aceitar essa condição”.

Por enquanto, Hugo Messias prefere concentrar-se em tudo o que conquistou até agora. “Quanto mais sabe, mais pequeno se sente mas mais confortável está com essa condição. Sou apenas uma pessoa entre as milhões que existe na Terra, sabe bem saber que eu sou aquela que está a querer descobrir coisas como esta. E que está a dar esse conhecimento aos outros. Isso é o que me preenche”, afirma.

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Mas também faz questão de dar os louros a todos os que, de forma mais indireta, fazem parte deste projeto financiado em boa parte pela Comissão Europeia: “O que me move são descobrimentos como este. Trabalhei para ver resultados e mostrar à sociedade que este é o caminho correto. Cada um de nós contribuiu para isto aconteceu quando pagou os impostos. Isto é o que acontece quando trabalhamos todos juntos”, acredita o investigador.

Questionado sobre que sentimentos essa incerteza lhe reserva daqui a apenas quatro meses, Hugo Messias relativiza: “O que aconteceu, aconteceu. Isto já ninguém me tira. Vim para o ALMA, trabalhei para o ALMA e isto já é meu. Enquanto estiver cá só temos de insistir. É infeliz que daqui a um ano talvez não esteja a trabalhar em astronomia. Mas não vou esquecer isto porque fiz o melhor que pude“.

O desemprego não o assusta, pelo menos por enquanto: “Se não conseguir logo trabalho, vou fazer uma grande viagem. Talvez mesmo aqui pelo Chile. Ainda tenho muito para ver”, imagina Hugo Messias. E concretiza: “Só este momento faz-me saber que valeu a pena. E viajar parece-me um bom plano”.