Crystal Palace, Manchester City (na Champions), Huddersfield, Brighton. O Tottenham Hotspur Stadium – que ainda se chama assim oficialmente apesar de ser descrito por alguns como o novo White Hart Lane e enquanto aguarda uma oferta choruda para a venda do seu naming – tinha menos de um mês e tornara-se uma espécie de talismã para a equipa, que só sabia ganhar e sem consentir golos. Este fim de semana, no dérbi londrino com o West Ham, bastou um golo de Michail Antonio para esse registo vitorioso cair. Mas, mais do que isso, os adeptos dos hammers encontraram uma outra “curiosidade”.

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Um vídeo publicado nas redes sociais esta terça-feira sobre os cânticos dos adeptos dos spurs não demorou a tornar-se viral mas porque, apesar de se ouvir alto e bom som o apoio à equipa do Tottenham, o barulho vinha da instalação sonora porque o recinto estava vazio. Esta noite, nada disso foi necessário. Nem as colunas, nem os adeptos londrinos. Tudo porque os holandeses deram conta do assunto. Dentro de campo, com mais um show de bola, e nas bancadas, sempre em festa como se este fosse já um jogo decisivo. Naquele que é o estádio de clube mais caro da Europa, os miúdos de Erik Ten Hag provaram em termos práticos uma máxima de sempre de Johan Cruyff, quando dizia que nunca tinha visto um saco de dinheiro marcar golos. E não foi a única.

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Existe até uma curiosidade quando se olha para o sucesso do Ajax: ao contrário do que é normal, Ten Hag não é propriamente um “homem da casa” ou com anteriores ligações ao lanceiros como aconteceu este século com Ronald Koeman, Danny Blind, Henk Ten Cate, Marco Van Basten, Frank De Boer ou o próprio Marcel Keizer. Aliás, o próprio sotaque (nasceu em Haaksbergen, na região de Twente) chegou a ser motivo de brincadeira nos primeiros meses, depois de passar pelo Utrecht. No entanto, também o técnico não passa ao lado da filosofia de Johan Cruyff, a grande referência do clube – e do futebol europeu, acrescente-se. E com outra influência de relevo nos últimos anos: Pep Guardiola, treinador dos citizens com quem trabalhou quando passou dois anos pela equipa B do Bayern (2013 a 2015), depois de uma primeira experiência no Go Ahead Eagles.

Erik Ten Hag conseguiu a terceira vitória fora nos jogos a eliminar nesta edição da Liga dos Campeões (ADRIAN DENNIS/AFP/Getty Images)

Esse é o segredo do “futebol simples” que é o mais complicado do Ajax, com traços de City com e sem bola dentro da identidade que respeita a 100% o melhor que o ADN do conjunto de Amesterdão. O futebol que aumenta o campo com bola da mesma forma que o reduz sem ela. O futebol onde ter técnica não é dar muitos toques ou fintar meio mundo mas sim saber como, quando e onde passar ou receber a bola. O futebol onde o guarda-redes é o primeiro avançado e o avançado é o primeiro defesa. O futebol que estabelece a diferença entre correr muito ou correr bem. No fundo, e em resumo, o futebol pensado e jogado que transformou Johan Cruyff num dos maiores ícones quando se fala na evolução do jogo.

Depois de um arranque morno e longe das balizas, bastou o Ajax assentar o seu futebol para desequilibrar de novo o encontro enquanto visitante, tal como já tinha feito a eliminar com Real Madrid e Juventus. A isso juntou o outro fator que muda tudo, a eficácia – e na primeira oportunidade conseguiu logo inaugurar o marcador, com Van de Beek a aproveitar um passe fantástico de Ziyech para sentar Lloris e voltar a marcar nesta edição da Champions (15′). Pouco depois, em nova combinação ao primeiro toque perto da área inglesa, o médio viu o guarda-redes francês evitar o segundo golo após assistência de Tadic.

O Tottenham, que já não contava com o lesionado Harry Kane e o castigado Son, perdeu ainda Vertonghen (um dos quatro titulares dos britânicos que passaram pelo conjunto de Amesterdão, a par de Alderweireld, Davinson Sánchez e Eriksen) num lance de choque com Onana e conseguia apenas criar perigo no seguimento de bolas paradas, como aconteceu com Llorente (26′) e Alderweireld (45+3′). Mesmo a acabar a primeira parte, e numa das raras tentativas de fora da área, Sissoko rematou forte no corredor central mas a bola saiu pouco ao lado da baliza dos holandeses. Para quem perdia, era curto.

No segundo tempo, mesmo sem trocar jogadores, Mauricio Pochettino alterou alguns posicionamentos para dar protagonismo a Dele Alli e Lucas Moura na frente e, em paralelo, permitir outro envolvimento ofensivo dos laterais Trippier e Danny Rose. Onana teve outro tipo de trabalho nos 15 minutos iniciais, com um Tottenham a ter mais bola no meio-campo adversário mas com o remate mais perigoso a pertencer ao Ajax, com Tagliafico a fazer a bola passar perto do poste de Lloris (46′).

Os minutos foram passando, o Ajax perdeu capacidade na saída em transição mas o Tottenham também nunca chegou sequer à sombra do que fez nos quartos com o Manchester City, vendo os holandeses acertarem no poste por David Neres, após assistência de Tadic – também por influência dos ajustamentos que a troca de Mazraoui por Schöne conseguiu trazer (78′). Se antes do encontro Pochettino falava quase em concorrência desleal porque os visitantes tiveram quase uma semana para preparar a partida devido aos acertos de calendário na Eredivisie, a verdade é que não foi pela parte física que os londrinos perderam na primeira mão da Liga dos Campeões. Aliás, com o tridente ofensivo do Ajax mais “fresco”, o resultado podia ser outro.