O projeto “Alvares: um caso de resiliência ao fogo”, desenvolvido pelo Centro de Estudos Florestais (CEF), do Instituto Superior de Agronomia (ISA), e financiado pelo Observador, venceu a segunda edição do Prémio Floresta e Sustentabilidade, na categoria Inovação e Ciência — uma das quatro categorias a concurso.

Os prémios, dedicados a projetos de inovação na área florestal em Portugal, foram anunciados no dia 8 de maio na Estufa Real, em Lisboa.

O prémio tem o valor de cinco mil euros. Akli Benali, investigador no ISA e colaborador no projeto, diz ao Observador que o dinheiro vai ser utilizado exclusivamente para dar continuidade ao projeto e aos objetivos do mesmo. “Não vai financiar trabalho, mas pode financiar reuniões, workshops ou coisas desse género.” Depois deste projeto-piloto, o CEF quer levar o modelo desenvolvido para outras regiões do país com problemas idênticos, como o Pinhal Interior. “Ter este reconhecimento faz-nos acreditar que estamos a caminhar na direção certa”, diz Akli Benali.

Entre os vencedores contam-se ainda: as REN – Redes Energéticas Nacionais, na categoria Gestão e Economia da Floresta; a Montis – Associação Conservação Natureza, na categoria Floresta e Comunidade; e a Escola Secundária de Santo André, na categoria A Escola e a Floresta. Os prémios são uma iniciativa da Celpa – Associação da Indústria Papeleira.

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Um jornal, um centro de investigação e um grupo de produtores florestais

O projeto-piloto de reflorestação na freguesia de Alvares nasceu de um acaso. José Miguel Cardoso Pereira, coordenador do grupo ForEco – Ecologia Florestal do Instituto Superior de Agronomia, foi contactado, na mesma semana, por dois grupos diferentes: um grupo de acionistas do Observador que queria ajudar as populações afetadas com os incêndios do verão de 2017 e um segundo grupo de proprietários florestais da freguesia de Alvares, no concelho de Góis, que precisava ajuda para planear a reflorestação da região.

O objetivo do donativo de 60 mil euros não era engrossar os valores que já tinham sido doados às populações afetadas pelos incêndios, mas promover um estudo de caso que se focasse na procura de soluções concretas e realistas para aqueles que mais sofreram (e têm sofrido) com os incêndios do Pinhal Interior. O pedido de ajuda dos produtores florestais que procuravam um projeto de reflorestação exequível e que tornasse a região menos vulnerável aos incêndios encaixava perfeitamente nesse objetivo. E assim nasceu o projeto que agora venceu o prémio.

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Como resultado final do projeto, o Centro de Estudos Florestais apresentou um conjunto de medidas que podem fazer com que nos próximos 40 anos a área ardida diminua para metade, que a proporção de incêndios extremos (como o de 2017) seja menor e que o número de povoações que atualmente correm riscos altos ou muito altos de incêndio seja reduzido em um terço. Acima de tudo é preciso reduzir a quantidade de árvores na região e o tamanho da floresta, porque só assim se reduz aquilo de que se alimenta o fogo.

As conclusões obtidas a partir do modelo de gestão florestal e apresentadas em meados de outubro não ditam, porém, o fim do projeto, como explica Akli Benali ao Observador. “Agora precisamos de chegar ao terreno. Não podemos implementar estas medidas só com um estudo feito na universidade”, diz. “Se queremos mudar os problemas do espaço rural, se queremos reduzir a vulnerabilidade aos problemas, temos de ir ao local e falar com as pessoas”, porque o que funciona num sítio pode não funcionar no outro.

“Tudo o que faço é perdido pelo fogo”. Metade da população de Alvares abdicaria dos terrenos para travar os incêndios

Para os investigadores do ISA e parceiros que se juntaram neste projeto, Alvares tem sido um bom exemplo de como a ciência e a multidisciplinaridade podem contribuir para uma maior resiliência aos incêndios, diz Akli Benali. “Alvares não acabou, queremos continuar.”

Além disso, o exemplo deste projeto-piloto já se estendeu além das portas do ISA. A Nova Business School usou Alvares como caso de estudo para propor ideias diferentes e disruptivas para modelos de negócios sustentáveis, que promovam a economia local e a redução o risco de incêndios, conta o investigador. Estes modelos de negócio foram depois usados pela equipa do ISA para promover um workshop com várias entidades, como associações florestais, membros das zonas de intervenção florestal, entidades de gestão do território, entidades de combate aos incêndios, câmaras municipais e empresas que de alguma forma estejam ligada à floresta. A ideia foi discutir os trabalhos, perceber como se pode avançar com uma aplicação prática do projeto na região e identificar as principais dificuldades para o fazer.

“Para conseguir juntar pessoas é preciso haver financiamento”, diz Akli Benali. O investigador imagina o Prémio Floresta e Sustentabilidade, agora atribuído, ser aplicado numa iniciativa deste tipo.