Almerindo Marques. revelou que destruiu documentos com instruções para reformular contratos de concessões rodoviárias, por ordem de terceiros, ao Ministério Público logo em 2013. A informação foi avançada por Almerindo Marques na primeira inquirição realizada em fevereiro, no âmbito do inquérito às Parcerias Público Privadas (PPP). E reafirmada agora em abril numa nova inquirição, noticiada pela revista Sábado, que poderá sustentar a constituição dos primeiros arguidos neste processo, entre os quais antigos governantes de José Sócrates.

Inquérito das PPP. Ministério Público quer que três ex-ministros e dois ex-secretários de Estado do Governo Sócrates sejam arguidos

Segundo o processo consultado pelo Observador, o ex-presidente da Estradas de Portugal (atual IP) foi questionado em fevereiro de 2013 sobre a forma como a empresa ultrapassou o impasse criado pela decisão do Tribunal de Contas de recusar o visto aos contratos de subconcessões lançados no primeiro Governo de José Sócrates.  O gestor referiu a realização de duas reuniões que incluíram responsáveis do Governo de então, mas também representantes do Tribunal de Contas. Uma no próprio tribunal onde esteve Guilherme d’Oliveira Martins, então presidente da instituição. E outra na Presidência do Conselho de Ministros onde esteve o secretário-geral do Tribunal de Contas, José Tavares.

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Foi na sequência dessas reuniões realizadas em 2009, e onde estiveram também outros responsáveis da empresa, o ministro Mário Lino e o secretário de Estado das Obras Públicas, que a EP (atual Infraestruturas de Portugal) recebeu instruções sobre como deveria fazer para reformar os contratos, em linha com orientações do Tribunal de Contas, de forma a conseguir o visto necessário à realização de despesa pública, o que veio a acontece em 2010.

Essas indicações terão sido, segundo testemunhou Almerindo Marques, dadas por Paulo Campo, ex-secretário de Estado das Obras Públicas. O antigo gestor acrescentou ainda que recebeu textos com linhas de orientação para elaborar as soluções jurídicas e financeiras que acabaram por ser materializadas nos chamados contratos reformados. Na transcrição do depoimento consultada pelo Observador, o gestor refere que essas linhas orientadoras foram enviadas pelo Tribunal de Contas — embora não tenha clarificado se foram remetidas por esta instituição a si — com a instrução de destruição após leitura, o que fez.

Testemunho em abril, mas perante um juiz e a lista de futuros arguidos

Terá sido este testemunho dado em 2013 que levou o Ministério Público a chamar novamente Almerindo Marques que foi ouvido em abril, segundo revelou a revista Sábado.  O antigo presidente da EP, atual Infraestruturas de Portugal, terá prestado no essencial mesma informação, mas agora perante o juiz Carlos Alexandre, o que permite que seja usada no futuro, nomeadamente no caso deste inquérito chegar a julgamento, mesmo que o depoente não esteja em condições de testemunhar em presença. De acordo a revista Sábado, Almerindo Marques terá agora apontado para “erros de palmatória” feitos pelo Governo nos contratos de concessões assinados ou renegociados entre 2009 e 2010 e que abriram a porta a exigências sem sentido por parte das empresas privadas. Este testemunho é apontado como um peça importante na conclusão deste inquérito com a constituição de arguidos

Já sobre o documento que destruiu, de acordo com as respostas dadas em 2013, o antigo presidente da Estradas terá adiantado pouco mais. Segundo o Expresso Diário de sexta-feira, Almerindo Marques indicou que terá sido entregue por alguém do próprio Tribunal de Contas, com o conhecimento de uma pessoa do Governo, a um quadro das Estradas de Portugal que não o próprio.

O antigo gestor fazia parte de uma lista de antigos responsáveis políticos e decisores que estão sob suspeita do Ministério Público da prática de factos que podem gerar responsabilidade criminal. Da investigação iniciada em 2011, resultaram, no entendimento dos investigadores, indícios de que estes negócios terão tido consequências ruinosas para o Estado por causa dos encargos adicionais que geraram. E quem os decidiu, pela mesma tese, estava consciente destes custos e de como comprometiam uma gestão económica eficiente, em prejuízo do interesse público.

Nesta fase do inquérito, e depois de várias perícias técnicas, financeiras, provas documentais e 63 pessoas ouvidas, o Ministério Público admite que o Estado pode ter sido prejudicado em mais de 3,5 mil milhões de euros ao longo da vida destes contratos.

A lista de pessoas que deverá vir a ser constituídas arguidas neste inquérito, segundo um despacho de março do Ministério Público incluía Almerindo Marques, mas também os ex-ministros das Obras Públicas, Mário Lino e António Mendonça, o antigo ministro das Finanças, Teixeira dos Santos e os ex-secretários de Estado, Paulo Campos (Obras Públicas) e Carlos Costa Pina (Tesouro e Finanças). O antigo gestor da EP estará entretanto a ser considerado como testemunha depois da inquirição de abril, noticiada pela revista Sábado.

Nesta inquirição, Almerindo Marques foi ainda interrogado sobre o envolvimento direto de José Sócrates naestes contactos entre o Tribunal de Contas, Governo e EP, tendo sido referida a presença do chefe de gabinete do ex-primeiro ministro, Guilherme Dray. Dray foi também chefe de gabinete de Mário Lino até às eleições legislativas de setembro de 2009, ex-ministro que também consta das investigações do Ministério Público. De acordo com o Expresso, o juiz Carlos Alexandre também terá mostrado interesse em conhecer o envolvimento do ex-presidente do Tribunal de Contas, Guilherme de Oliveira Martins, que já foi ouvido nestas investigações.

A renegociação das Scut da Ascendi e como passar de um visto recusado a autorizado

O inquérito às PPP visa dois processos distintos de contratos de autoestradas. O primeiro diz respeito à renegociação levada à cabo em 2010 para a introdução de portagens nas antigas Scut, e que levou o Governo a aceitar incluir no pacote de contratos a rever com o grupo Ascendi, então detido pela Mota-Engil e pelo BES, duas concessões de autoestradas com portagem que não representavam custos para o Estado, a Grande Lisboa e a Norte. Após esta negociação, passaram a receber um pagamento por disponibilidade que foi favorável aos privados na medida em que o tráfego e as receitas com portagens estavam abaixo do previsto. De acordo com as contas apresentadas pelo Ministério Público, esta renegociação gerou um prejuízo de 466 milhões de euros.

Mas é o dossiê das subconcessões (concessões adjudicadas pela EP em nome do Estado) que mais interesse tem suscitado aos investigadores. Primeiro, porque a sua adjudicação em 2008/2009 foi feita ao arrepio das regras previstas nos concursos, permitindo que a proposta final, que pela lei tem que ser melhor, fosse pior do que a oferta original. Esta situação, justificada pelo agravamento dos custos financeiros provocado pela crise de 2008, levou o Tribunal de Contas a recusar dar visto.

Foi este chumbo inédito em contratos públicos já em execução que levou o Governo de então a promover contactos entre o Tribunal de Contas e a empresa gestora de estradas para ultrapassar a situação. A forma como foi encontrada a solução que resultou em contratos reformados para contornar as objeções do Tribunal de Contas e conseguir o visto está no centro das investigações. Sobretudo depois do testemunho de Almerindo Marques que aponta para instruções recebidas do Governo, mas também do próprio Tribunal. Ora esta instituição depois de ter concedido os vistos aos contratos alterados publicou uma auditoria que arrasava esses contratos, acusando mesmo a EP de ter omitido dos documentos enviados para visto a existência de pagamentos contingentes, prometidos em cartas paralelas aos bancos financiadores das concessões.

O Ministério Público aponta para um agravamento de custos de 3,1 mil milhões de euros que beneficiou os privados destas PPP.