Cinco anos depois de ter abdicado do trono a favor do filho e de se ter tornado rei emérito de Espanha, Juan Carlos anunciou na última segunda-feira o seu afastamento da vida pública. Numa carta enviada a Felipe VI, o antigo monarca de 81 anos, fala sobre a “vontade e desejo” de cessar as atividades institucionais, ao mesmo tempo que aponta as comemorações dos 40 anos da constituição espanhola, em dezembro do ano passado, como o momento em que achou por bem afastar-se completamente da agenda real.
Sem nomear outros motivos para a retirada — além da parte da carta em que afirma “ter chegado o momento de virar uma nova página da minha vida” –, o comunicado de Juan Carlos já começou a dar origem a especulação. As questões de saúde foram as primeiras a serem levantas, mas também as que mais depressa caíram por terra. As suspeitas mais corroboradas apontam para uma crescente pressão dentro do próprio palácio da Zarzuela e há ainda quem refira uma retirada estratégica, perante o risco de novas revelações polémicas relacionadas com o caso Nóos.
Nos últimos meses, o aspeto de Juan Carlos degradou-se, na sequência dos carcinomas benignos que tem vindo a remover da pele da cara. Ainda assim, há quem defenda a boa forma física do rei emérito, dentro do possível para um octogenário. “Tem a obsessão de não ficar na carreira de rodas como a mãe. Tem sofrido muito por causa da anca, mas esforçou-se para se manter de pé. Muitos já se renderam, ele não”, afirmou uma fonte próxima do antigo rei ao jornal El Español. “Mas a saúde não é a causa, embora ele seja muito assustadiço com tudo o que tenha a ver com doenças. O problema da cara deixou-o com medo. Mas não há nada com que tenha de se preocupar. A saúde não foi a razão”, indicou a mesma fonte.
Entretanto, têm surgido sinais de que o antigo rei se encontra fisicamente debilitado. Um dos momentos foi em março deste ano, quando se fez acompanhar da sua filha mais velha, Elena, à praça de touros de Las Ventas, em Madrid. A mancha roxa no olho esquerdo chamou a atenção, tendo o próprio Juan Carlos esclarecido que se tratava de uma consequência de uma pequena cirurgia. Antes disso, Juan Carlos esteve nos Estados Unidos, faltando ao 80º aniversário de uma das suas irmãs, a infanta Margarita. O palácio da Zarzuela não prestou qualquer esclarecimento, ao contrário do que aconteceu em dezembro e em janeiro, na altura de justificar as ausências no antigo monarca nas tomadas de posse de López Obrador, no México, e de Bolsonaro, no Brasil, respetivamente. Em novembro, na sequência de uma operação feita em abril de 2018, Juan Carlos surgiu numa fotografia de família com a perna torcida. A fotografia gerou polémica, sobretudo porque terá sido Letizia a responsável pela divulgação da mesma.
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“Já tem uma certa idade, está cansado. Tudo o que faz é mal visto dentro da casa [real], criticam-no, não o deixam agir com naturalidade. A morte de Alfredo Pérez Rubalcaba [político e amigo] afetou-o muito: já não tem vontade. Além disso, o problema de saúde que lhe afetou a cara nos últimos meses tem-no preocupado. Tem sido um acumular de questões pessoais, somado à falta de consideração por parte do filho e da nora, Letizia”, confessou um amigo do rei emérito ao jornal El Español. Ao que parece, o ambiente não é favorável dentro do palácio da Zarzuela e isso, segundo algumas opiniões, terá levado Juan Carlos a tomar esta decisão.
O seu pedido para estar presente nas celebrações do Dia das Forças Armadas, no próximo sábado, ao lado de Felipe VI, terá sido negado, num dos alegados episódios de humilhação de que foi alvo no seio da família. “Se olhar para as suas atividades, ele teve cinco atos oficiais em 2019. Acha que alguém vai notar que ele não está no programa? Na realidade, ele sai porque já não tem agenda, praticamente”, refere o mesmo amigo ao El Español.
No ano passado, o rei terá negado outro pedido do pai: competir na Copa del Rey de Palma de Maiorca, para a qual tinha treinado. O episódio aconteceu após as revelações feitas por Corinna zu Sayn-Wittgenstein, aristocrata alemã que terá estado envolvida em negócios menos lícitos do monarca. O El Español adianta ainda que Elena, a filha mais velha, tem sido o principal apoio do antigo rei dentro da família e aponta ainda o título de rei emérito como uma das primeiras afrontas a Juan Carlos, que, alegadamente, não gosta de ser assim tratado.
A terceira causa apontada para a retirada de Juan Carlos da vida pública é a antecipação de novos desenvolvimentos no caso Nóos. O desvio de quase seis milhões de euros protagonizado por Iñaki Urdangarin, genro do rei e então Duque de Palma de Maiorca, e por Diego Torres, na altura líderes do Nóos Institute, acabou por envolver o próprio rei, remontando o processo a 2010. Apontado como tendo influência na gestão da fundação, o caso acabou por expor a relação amorosa entre o rei e Corinna zu Sayn-Wittgenstein. Contudo, os últimos desenvolvimentos do caso datam de abril deste ano, altura em que a aristocrata alemã confirmou ter sido ameaçada após o fim da sua relação com Juan Carlos e assim que se soube que teria informação confidencial e documentos que afetavam diretamente o rei emérito. Aí, o monarca já tinha perdido a inimputabilidade de chefe de estado.
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O desejo de se retirar da agenda institucional não parece ser partilhado pela rainha emérita, de 80 anos. Referida pelo El Español, uma fonte próxima de Sofía afirma que esta manterá a sua agenda de aparições oficiais. Juan Carlos correspondeu ao reinado mais longo da monarquia espanhola, em tempos de paz. Esteve 39 anos no trono e, por conta dos escândalos de infidelidade, das notícias sobre a caça de elefantes em África e das suspeitas de envolvimentos no caso de corrupção, à data da abdicação, em junho de 2014, os índices de aprovação da família real por parte dos espanhóis desceram para os mínimos recorde desde a ditadura.