Para os profissionais de saúde, há um desafio comum que tem sido persistente: as atualizações no campo da saúde são constantes e demoram muito tempo a chegar aos hospitais. Quando chegam, envolvem várias horas de leitura e, às vezes, podem já nem estar atualizadas. E se houvesse um software que apresentasse a informação clínica atualizada de forma mais rápida e sistemática?

Foi para responder a esta necessidade que Eduardo Freire Rodrigues, Duarte Sequeira e Luís Patrão criaram a UpHill, uma startup que permite manter os profissionais a par das constantes atualizações no campo da saúde e apresenta as práticas clínicas mais adequadas, baseadas em artigos científicos, para o médico poder compará-las com a sua própria ação.

“Damos ferramentas aos hospitais para conseguirem manter o treino dos seus profissionais de saúde e dar-lhes, no fundo, aquilo que são os pontos que eles precisam de melhorar”, explica ao Observador Eduardo Freire Rodrigues, presidente executivo e cofundador da UpHill. Tudo isto funciona através do UpSIM, o software que a empresa desenvolveu e que se assemelha ao programa normalmente utilizado pelos hospitais, no qual o médico pode introduzir todos os dados sobre o doente e fazer a sua consulta normalmente.

Recebo um caso clínico, posso fazer tudo o que faria habitualmente para aquele doente: prescrevo exames, recebo resultados, prescrevo fármacos, faço perguntas ao doente, tudo o que faria normalmente. E, no final, imediatamente após esse momento, recebo um relatório detalhado sobre como é que aquilo que fiz se aproxima ou afasta das melhores práticas internacionais ou do hospital. Em vez de ter de ler 15 artigos de bibliografia, como habitualmente fazia, recebo um diagnóstico e só preciso de me atualizar naqueles pontos que o software indica como carência de utilização”, explica o cofundador da UpHill.

No UpSIM, o software da UpHill, os profissionais de saúde podem também dar o seu feedback sobre a recomendação das práticas científicas que receberam

A ideia de criar este projeto surgiu quando os três fundadores estudavam Medicina na Universidade da Beira Interior e perceberam que “era muito difícil acompanhar a evidência científica e que os hospitais tivessem determinados protocolos de atuação que nem sempre chegavam aos profissionais de saúde”. O “primeiro impulso” para resolver este problema partiu de Duarte, mas Eduardo e Luís rapidamente foram “contagiados” pela ideia. Aliado ao gosto pela programação e à experiência associativa que foram tendo ao longo dos anos como estudantes, em 2016 nasceu a UpHill, com o nome inspirado na Covilhã, na encosta da serra, e na superação de tarefas difíceis.

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Muitas vezes, os médicos acabam por ter pouco feedback sobre as suas ações, acrescenta Eduardo. A UpHill, explica, pretende “preencher essa lacuna”, ao dar aos profissionais de saúde uma forma de perceberem como é que aquilo que estão a fazer se compara com as guidelines internacionais, “em 15 a 20 minutos”. “Para eles é muito respeitoso do tempo, o que é muito benéfico numa altura em que vemos as consultas a serem cada vez mais curtas porque há cada vez mais doentes“, explica o empreendedor.

Eduardo, de 28 anos, conta ao Observador que a startup teve “um percurso atípico”, uma vez que o grupo não começou por “fazer uma apresentação em powerpoint e apresentar a um investidor”.

“Começamos a fazer um software e fomos mostrar a potenciais clientes e esses clientes apoiaram-nos desde o início”, explica o empreendedor.

A primeira ronda de investimento que a empresa recebeu foi este ano, quando o grupo Luz Saúde investiu pela primeira vez numa startup e ajudou a UpHill a levantar uma ronda de financiamento de 600 mil euros, numa operação onde também participaram a Caixa Capital e a Busy Angels. O investimento inicial da empresa, no entanto, partiu dos três jovens e “foi discreto”. “Como nós conseguimos conceber de forma mais básica a nossa solução, foi mais um investimento em termos de tempo porque estávamos na reta final do curso de medicina”, explicou Eduardo.

Ainda antes, em 2016, a UpHill venceu o 18.º Prémio Nacional Jovem Empreendedor da Associação Nacional de Jovens Empresários, o que contribuiu para um investimento de 80 mil euros na empresa.

Da Covilhã para Lisboa, da prática clínica para uma startup

Quando ainda estudavam medicina, a ideia da UpHill servia muito para uso pessoal dos três cofundadores. Mas, depois de ver a reação dos colegas e profissionais ao projeto, Eduardo, Luís e Duarte decidiram ir mais longe e fizeram nascer algo mais que um simples projeto pessoal. Em meados de setembro do ano passado, a startup saiu da Universidade da Beira Interior e mudou-se para Lisboa, uma vez que era necessário “estar mais próximos dos clientes” e, ao mesmo tempo, conseguir encontrar novos talentos para a sua empresa. Agora, estão no Tec Labs, junto à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Eduardo Freire Rodrigues, CEO e cofundador da UpHill

Mas há outra mudança que também fez parte do caminho traçado pela UpHill: para prosseguirem nesta área, os jovens tiveram de trocar a bata branca pela programação e empreendedorismo, uma mudança que há uns anos não fazia parte dos planos. “Foi difícil, mas acreditamos que o nosso alcance com este projeto consegue ser maior do que nós mesmos. Enquanto profissionais de saúde poderíamos escolher ter um alcance muito pessoal, mas com este projeto acreditamos que conseguimos melhorar a qualidade do serviço de saúde para lá daquilo que é o nosso alcance físico, pessoal, e isso motiva-nos muito”, referiu Eduardo. Luís é o único cofundador que continua a fazer assistência clínica, no Centro Hospitalar Tondela-Viseu.

A nossa prioridade sempre foi fazer algo que as pessoas quisessem, ou seja, nós já passamos por várias fases de produto e a nossa métrica final sempre foi as pessoas, os nossos colegas que estão a usar e estão satisfeitos com o produto”, explicou ao Observador Eduardo Freire Rodrigues.

A UpHill encontrou recetividade principalmente no setor privado, mas também marca presença em hospitais públicos, “cerca de cinco”. Ao todo, já são mais de 60 mil os profissionais de saúde que estão inscritos na sua plataforma, incluindo do grupo Luz Saúde e do grupo José de Mello Saúde, responsável pelos hospitais CUF. “A responsabilidade de escolher quais as bibliografias, os artigos e os protocolos de atuação clínica é de cada um dos hospitais”, explicou Eduardo, acrescentando que um dos fatores que a startup tem em conta é a medicina baseada no valor.

“Atualmente os hospitais são pagos por volume, com base naquilo que é realizado e não naquilo que é o resultado para o doente. Esta mudança de paradigma foca-se no valor para o doente e os hospitais em Portugal e no mundo estão a tentar transitar para este modelo de pagamento, que é mais benéfico para o doente”.

A equipa da UpHill conta atualmente com 10 pessoas, entre engenheiros, designers e médicos. Mas, até ao final do ano, a startup pretende aumentar para 14 ou 15 pessoas, estando também já a preparar a sua entrada em Espanha, em particular na Catalunha. Mas, porquê Espanha?

“Vemos o modelo de saúde em Espanha, em particular no setor privado, com grupos com características muito semelhantes aos grupos com quem nós tivemos um bom caso de sucesso em Portugal. E, por isso, para além da proximidade geográfica e da facilidade linguística, foi para nós um caminho a seguir agora nesta fase”, respondeu Eduardo.

A grande dificuldade em todo o processo de consolidação da UpHill, acrescenta Eduardo, passou pelo recrutamento de talentos, uma vez que o boom das startups em Portugal leva a que empresas estrangeiras “capturem talento” e que as startups portuguesas acabem por ficar com menos opções.

Um software que é um guia baseado em evidência científica e “não aquilo que a UpHill acha que é correto”

Em média, os softwares dos hospitais demoram cerca de cinco anos a fazer uma revisão dos protocolos de atuação clínica e das novidades que vão chegando através de artigos científicos, fazendo sempre a separação entre o que tem valor científico e o que não tem. Com o programa da UpHill, garante Eduardo, esta prática demora apenas meses, com a própria equipa a monitorizar determinadas palavras-chave para encontrar atualizações científicas. E não é só para os profissionais de saúde já formados que este serviço chega: hoje, os estudantes do último ano de Medicina da Universidade da Beira Interior utilizam a versão anterior deste software para a prática de testes. O objetivo, revela Eduardo, é que a expansão para Espanha também envolva esta vertente do ensino.

Atualmente, a UpHill tem 10 pessoas, mas pretende ter uma equipa de 14 profissionais até ao final do ano

Apesar de a empresa não revelar números concretos de faturação, Eduardo revelou que de 2017 para 2018, a UpHill duplicou a sua faturação. Mas, avisa: os resultados que o sistema apresenta aos médicos depois de uma determinada ação “não é aquilo que a UpHill acha que é correto ou não”, mas sim um guia, “uma forma que o profissional de saúde tem de se aproximar das melhores práticas internacionais baseado na evidência científica”.

Os médicos, em particular, têm uma maneira de receber feedback sobre o que estão a fazer de forma muito rápida e eficaz. É também bom para o hospital porque tem uma forma de garantir a aprendizagem contínua dos seus profissionais e, por outro lado, o doente acaba por ter profissionais de saúde muito atualizados e esperam-se cuidados de maior qualidade”, descreveu o cofundador da UpHill.

Quanto ao modelo de negócio da UpHill, os fundadores garantem que “o médico ou qualquer outro profissional de saúde nunca paga” pelo serviço. O hospital que adquire o software da UpHill, tem um modelo baseado no número de licenças que subscreve, portanto, o número de acessos que quer ter do produto. Um dos futuros projetos da empresa é permitir que um médico que não pertença a uma instituição que trabalhe com a startup possa conseguir aceder aos conteúdos do seu produto.

*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português.