Rui Rio ainda está a sarar as feridas das Europeias, onde teve o pior resultado de sempre do PSD em eleições de âmbito nacional, mas nem por isso vai mudar por aí além aquilo que é a sua estratégia e forma de comunicar — talvez mude “um aspeto ou outro”, mas não será uma mudança de fundo. Num almoço no American Club of Lisbon, onde foi o convidado principal, o líder do PSD repetiu o diagnóstico que tem vindo a fazer aos problemas e “estrangulamentos” do país, insistindo que não é pela via do consumo privado, mas sim pelas exportações e investimento privado, que se consegue crescimento económico, e que os governos, sozinhos, não conseguem fazer reformas estruturais. Precisam de entendimentos. Consensos. Mesmo que esses governos tenham maioria absoluta…

Nenhum governo sozinho vai conseguir resolver estrangulamentos estruturais, nem um partido de maioria absoluta consegue resolvê-los. Tem de haver capacidade, dentro do sistema, para que os partidos se juntem, na medida do possível, senão o país não chega lá”, disse, sublinhando que isso “não é pedir ao CDS e ao PCP que se entendam”, ou ao “PSD e ao PCP” que se entendam. É talvez pedir ao PS e ao PSD que se entendam? Talvez, essa parte Rui Rio não a disse, mas ficou nas entrelinhas. Ou seja, mesmo que o PS venha a ganhar as eleições com maioria absoluta, poderá contar com o PSD de Rio para um acordo, por exemplo, para a descentralização? Talvez. “Se queremos ter uma reforma a sério na descentralização, ela não será feita por um só partido, nem que tenha maioria absoluta”.

Rui Rio não vê a política como “um jogo e futebol do Sporting-Benfica”. “Temos de ter a grandeza de nos entendermos”, afirmou, sublinhando que lá por “outros não terem esta visão, isso não é desculpa para não a termos”. Mas o líder do PSD sabe, por experiência própria, que por vezes pode “parecer um E.T. vindo lá do norte”, como aconteceu quando, há cerca de um ano, procurou entendimentos discretos com os partidos para uma reforma alargada da justiça, e não funcionou. “Procurei que os partidos se unissem em torno da reforma da justiça, mas às tantas parecia um E.T. vindo lá do norte”, disse, concluindo que “não houve vontade” dos partidos para esse entendimento, mas que não é por isso que vai tirar daí a ideia da necessidade de consensos.

O “estrangulamento político”, para Rio, é mais grave do que o económico e o social, porque uns dependem dos outros e a governabilidade está à cabeça. Por isso, para resolver os restantes problemas, Rio decreta que o mais importante é voltar a “prestigiar” a política, como “atividade nobre”. Só assim será possível voltar a ter um “o poder político forte”, e por forte entende-se “credível”, e só assim será possível resolver os problemas económicos e sociais do país.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Eis o diagnóstico do líder do PSD, que saiu derrotado dumas eleições europeias e que se prepara para, daqui a menos de quatro meses, voltar a enfrentar as urnas na qualidade de candidato a primeiro-ministro. Uma capacidade de diagnóstico que, diz, só se adquire com a idade. Aos 61 anos, Rui Rio diz que olha para o futuro de uma forma diferente do que alguém com 40 ou 45 anos. “Compreendo que alguém com 40, 45 anos se deixe entusiasmar muito pelo que vai acontecer no imediato e possa tender a pôr de lado o que é verdadeiramente importante para o futuro. Mas aqueles que são um pouco mais velhos compreenderão melhor o que estou a dizer: o que verdadeiramente me preocupa é aquilo que pode ser o meu/nosso legado para o futuro do país, independentemente do que possa acontecer no curto prazo”, disse, dando a entender que pouco lhe interessa o que pode acontecer daqui a quatro meses, desde que possa interferir naquilo que considera serem as reformas necessárias para o futuro do país.

“O que possa acontecer no curto prazo já não tem muito a ver com o meu futuro, por força da franja etária em que encontro”, disse ainda.

Rio não ouviu Ferreira Leite, mas… “Défice não é indutor de crescimento”

Questionado pelos jornalistas, à entrada para o almoço do American Club of Lisbon, sobre as declarações de Manuela Ferreira Leite à TSF onde defendeu uma política orçamental mais flexível para o país classificando de “loucura” a procura pelo ‘superavit’, Rui Rio começou por dizer que não tinha ouvido o comentário da ex-líder do PSD mas que, de facto, no seu entender, a taxa de crescimento atual, que é “anémica”, não permite trabalhar para o ‘superavit’ orçamental que sempre defendeu. Em todo o caso, no discurso que tinha preparado para a plateia, deixou claro aquilo que sempre disse: “o défice público e a despesa pública não são indutores de crescimento”, disse, afirmando que isso só vale quando as economias estavam fechadas, não quando são economias abertas. Ou seja, Rui Rio não concorda propriamente com a tese defendida por Manuela Ferreira Leite.

“Aquilo que tenho dito é que é vital para Portugal reduzir a dívida pública: a dívida pode ser reduzida de duas formas, uma é em termos relativos ao produto – que tem acontecido – outra é o valor absoluto, que tem aumentado. E para não aumentar não pode haver défice público”, defendeu, sublinhando que só com uma “taxa de crescimento económico razoável” é que o país pode tentar ter um ‘superavit’ orçamental. “Se for anémico é muito mais difícil porque esse ‘superavit’ pode vir a travar o crescimento económico”, apontou, lamentando que Portugal não tenha tido crescimentos que o permitam desde que entrou para a moeda única.

Já sobre as polémicas declarações de José Miguel Júdice, que acusou os políticos de direita de serem “atrasados mentais” em matéria de combate político, Rui Rio também não ouviu e recusou-se a “comentar comentadores”. Em todo o caso, diz, o PSD “já fez uma reflexão sobre os elementos que influenciaram o resultado das eleições” e que fizeram com que a “dinâmica criada não fosse positiva”, mas escusou-se a revelar que reflexão foi essa, limitando-se a apontar, por exemplo, a “subida do PAN” como um fator externo que não estava no programa.

José Miguel Júdice ataca direita por não saber fazer combate político: “São atrasados mentais”

Tirando isso, é continuar. A política “não é marketing”, por isso Rio não se vai limitar a “estudar o que as pessoas querem ouvir e depois dizer o que querem ouvir para ter votos”. Quando muito vai “melhor num aspeto ou outro” a questão da comunicação, que é diferente do marketing. Mas não vai mudar por aí além. Propostas concretas só “lá para meio ou fim de julho” — altura em que será divulgado o programa eleitoral do PSD. Já diziam os “professores” de Rui Rio, citados pelo próprio: “Sempre disseram que eu tinha pouca aptidão para as questões conjunturais, mas muita aptidão para as questões estruturais”.